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As narrativas do chamado Petrolão

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A história brasileira recente foi marcada por uma saga judicial-política-midiática chamada de “Petrolão” — um apelido pegajoso, oportunamente cunhado para deixar bem claro quem era o alvo principal: o Governo do PT e seus aliados. Desde 2014, o termo se cristalizou no imaginário popular, impulsionado pela Operação Lava Jato e sua sequência infindável de delações, conduções coercitivas, capas de revista e áudios vazados. Para a direita brasileira, especialmente o bolsonarismo, trata-se do “maior escândalo de corrupção do mundo”. Já para quem tem um pouco mais de leitura e menos paixão ideológica, essa afirmação é, no mínimo, apressada — senão fantasiosa.

Claro que houve corrupção. E não pouca. Executivos da Petrobras, empreiteiros bilionários e políticos de vários partidos — inclusive do PT — participaram de um esquema de propinas e favorecimentos. Mas reduzir a complexidade do caso a um bordão fácil é empobrecer o debate público e alimentar uma histeria moral seletiva. Afinal, escândalos de corrupção são quase um idioma oficial da política internacional. E o Brasil, embora falante fluente, não é o único nem o mais prolixo.

“O chamado Petrolão foi, sim, um escândalo. Mas está longe de ser o maior do mundo — e muito menos o mais perigoso.”

A narrativa do “maior escândalo do mundo” ignora, por exemplo, o caso da Siemens na Alemanha (envolvendo mais de US$ 1,6 bilhão em propinas pagas em pelo menos 14 países), o escândalo do banco 1MDB na Malásia (cerca de US$ 4,5 bilhões desviados, com ramificações em Hollywood e Wall Street), o caso do BCCI (Bank of Credit and Commerce International), um verdadeiro banco do crime internacional, ou ainda a corrupção endêmica e documentada nas guerras do Iraque e do Afeganistão, que custaram trilhões ao contribuinte americano — com bilhões simplesmente “desaparecidos”.

No Brasil mesmo, poderíamos lembrar o caso Banestado, na virada do milênio, com remessas ilegais para o exterior que ultrapassaram os R$ 150 bilhões (em valores atualizados), num esquema robusto e praticamente ignorado pelas grandes manchetes — talvez por ter ocorrido durante Governos mais palatáveis ao mercado.

Lava Jato: a faxina que sujou o país

A Operação Lava Jato, nascida em Curitiba, se apresentava como uma espécie de cruzada ética. Sergio Moro, então juiz da 13ª Vara Federal, virou herói pop — direito a bonequinho de ação e convite para o ministério de Jair Bolsonaro. O problema é que, como toda cruzada, ela não veio só com boas intenções: veio também com abusos de autoridade, manipulação de delações, destruição de empresas, parcialidade judicial e uma inegável vontade de interferir no jogo político.

A Vaza Jato — série de reportagens publicada em 2019 com base em mensagens privadas de membros da força-tarefa — revelou conluios entre juiz e procuradores, vazamentos estratégicos para a imprensa e um comportamento que, em qualquer democracia madura, seria suficiente para anular processos inteiros. E, de fato, foi: o Supremo Tribunal Federal anulou diversas condenações contra Lula, declarando a suspeição de Moro. Mas o estrago já estava feito: o ex-presidente foi impedido de concorrer em 2018, o bolsonarismo venceu surfando na “onda anticorrupção” e a Petrobras, outrora orgulho nacional, virou sinônimo de lama.

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É preciso dizer: o combate à corrupção é essencial. Mas ele não pode ser feito com métodos corruptos — nem servir de desculpa para entreguismo, perseguições seletivas ou destruição da engenharia nacional. No final das contas, o Petrolão foi não só um caso real de corrupção, mas também uma oportunidade desperdiçada de criar instituições mais fortes. Em vez disso, usou-se o escândalo como arma política, alimentando um antipetismo visceral e pavimentando a estrada para o autoritarismo disfarçado de moralidade.

Os que hoje gritam “Petrolão!” com escândalo, muitas vezes engolem em silêncio os bilhões de reais desviados em compras superfaturadas no Governo Bolsonaro, a farra dos pastores do MEC, os escândalos da Covaxin, dos kits robôs, dos orçamentos secretos e do centrão que mamou como nunca na história deste país.

Em tempo: a Petrobras hoje é lucrativa, devolveu bilhões aos cofres públicos e sobreviveu ao assédio privatista. Parte disso se deve à própria Lava Jato, parte à resiliência da estatal, parte à política — sim, política — de recomposição institucional. A corrupção não acabou. Mas tampouco foi “inventada pelo PT”, como muitos repetem em jantares de classe média com vinho nacional e ressentimento importado.

Sergio Moro, virou herói pop — além de ministro de Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
Sergio Moro, virou herói pop — além de ministro de Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)

O chamado Petrolão foi, sim, um escândalo. Mas está longe de ser o maior do mundo — e muito menos o mais perigoso. O mais perigoso, talvez, seja esse impulso nacional de transformar escândalos em slogans, política em torcida organizada e justiça em espetáculo. Se não mudarmos isso, a próxima grande roubalheira já está em preparação — e será televisionada, comentada em podcasts e disputada no X (antigo Twitter). Porque aqui, no país das narrativas fáceis, a corrupção não é apenas um crime: é uma estética.


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