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Bitcoin, porn, Ethereum and drugs

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No começo era só um PDF anônimo com um pseudônimo japonês. Agora, Bitcoin e Ethereum se tornaram dois dos principais agentes de transformação econômica do mundo moderno — inclusive nos becos escuros da internet onde a moral escorrega, mas o dinheiro flui. Não dá mais para fingir que essas moedas digitais são apenas uma promessa para libertar a humanidade das garras dos bancos centrais ou uma brincadeira de libertários com tempo livre. Elas viraram o caixa eletrônico preferido de dois mercados que se recusam a morrer: o pornô e as drogas.

Pornografia e entorpecentes — dois pilares não-oficiais da humanidade, embora raramente admitidos nas colunas de economia — sempre foram alvos de tentativas de regulação, censura, criminalização e escândalos. Mas resistem. E com o surgimento das criptomoedas, ganharam um novo sopro de vida: agora mais discretos, mais lucrativos, mais globais e mais difíceis de rastrear. Tudo que os moralistas odeiam e os financistas respeitam.

“O anonimato que protege o usuário também protege o estelionatário. A falta de regulação abre espaço para golpes, tráfico humano e exploração de menores. A lógica do mercado livre aplicada ao sexo e às drogas cria seus próprios monstros.”

A promessa original das criptomoedas — descentralização, anonimato, segurança — acabou sendo perfeita para transações em mercados onde a confiança é baixa e o risco é alto. Para alguém vendendo MDMA no Telegram ou gerenciando um OnlyFans paralelo com conteúdo explícito, o que importa não é o compliance regulatório, e sim a certeza de que vai receber e que ninguém vai cortar a linha do banco no meio da transação. Bitcoin virou o cofre. Ethereum, o cartório. E os usuários? Bem, estão cada vez mais confortáveis nesse novo normal.

Se por um lado há moralismo, do outro há demanda. As carteiras de criptomoedas permitem que consumidores consumam e produtores produzam sem medo de intermediários corporativos, bancos puritanos ou censores de cartão de crédito. O conteúdo adulto, por exemplo, passou a ser vendido diretamente aos usuários por meio de plataformas descentralizadas construídas em Ethereum — com contratos inteligentes que garantem que os pagamentos sejam feitos automaticamente, sem risco de chargeback ou intervenção de terceiros. Da mesma forma, vendedores de drogas em marketplaces anônimos como o “DarkSpice” (novo Silk Road da vez) exigem pagamento em cripto, não só pela segurança, mas pela fluidez. E a clientela sabe: quem paga em Bitcoin não está apenas comprando um produto, mas entrando num pacto implícito de confidencialidade.

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O problema — ou a maravilha, dependendo do ponto de vista — é que não se trata mais de marginalidade. É mainstream disfarçado. Em 2024, estima-se que o mercado de conteúdo adulto movimentou mais de US$ 6 bilhões em criptoativos. Já o mercado de drogas ilegais online ultrapassou a marca dos US$ 1,5 bilhão, boa parte disso também via criptomoedas. Não estamos mais falando de transações pontuais, mas de ecossistemas. Verdadeiros Silicon Valleys paralelos com servidores na Islândia, programadores em Buenos Aires e consumidores em Lisboa — tudo financiado por carteiras digitais e mineradores anônimos.

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O que isso diz sobre a sociedade? Que ela está cada vez mais disposta a transacionar desejos e vícios com a mesma sofisticação com que investe em ações. Que o tabu perdeu para o código-fonte. E que talvez estejamos diante da primeira revolução financeira movida por algoritmos e orgasmos.

Claro, nem tudo são flores (ou fungos). O anonimato que protege o usuário também protege o estelionatário. A falta de regulação abre espaço para golpes, tráfico humano e exploração de menores. A lógica do mercado livre aplicada ao sexo e às drogas cria seus próprios monstros. Mas sejamos justos: as versões analógicas desses mercados também não eram exatamente modelos de ética.

A ironia é que enquanto governos travam guerras fúteis contra sites e vendedores, os grandes bancos estão criando ETFs de Bitcoin e empresas de entretenimento adulto contratam blockchain developers. A linha entre legal e ilegal não desapareceu — ela só ficou mais flexível, mais programável. Estamos entrando numa era onde o algoritmo diz o que é permitido, e o moralismo… bem, que entre no grupo do Zap e fique quieto.

Bitcoin e Ethereum estão nos becos escuros da internet (Ilustração: Foreign Policy)
Bitcoin e Ethereum estão nos becos escuros da internet (Ilustração: Foreign Policy)

No fim das contas, talvez o que Bitcoin e Ethereum estejam mostrando é que a verdadeira revolução não acontece quando destruímos o sistema, mas quando o contornamos com elegância. Se a pornografia e as drogas são negócios inevitáveis, ao menos que sejam feitos com menos sangue, menos abuso e mais código. E quem sabe, no meio dessa bagunça criptográfica, estejamos criando um capitalismo mais honesto do que o da B3.


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