Casas da Banha: do Chacrinha à derrocada
Houve um tempo em que fazer compras nas Casas da Banha era quase um ritual carioca. A rede fundada em 1955 por Climério Veloso se tornou, ao longo das décadas seguintes, não apenas um símbolo de consumo de massa, mas também um ícone da cultura pop brasileira. Era impossível assistir ao Cassino do Chacrinha sem ver o Velho Guerreiro arremessando bacalhau e pepino — patrocinados, claro, pela gigante varejista que levava o “CB” no coração e nos carrinhos.
Com um império que chegou a contar com 224 lojas e mais de 22 mil funcionários, a Casas da Banha dominava o território nacional com uma concentração evidente no Estado do Rio de Janeiro. Estavam em todo canto: da cosmopolita Zona Sul carioca aos cantões do Vale do Paraíba, passando por Boa Vista, Manaus, Brasília e Salvador.
“Na prática, o que se viu foi uma velha receita de insucesso brasileiro: empresas familiares sem sucessão estruturada, ausência de governança corporativa, falta de modernização tecnológica e, em último caso, resistência em aceitar que o varejo muda, o consumidor muda, o país muda.”
O faturamento? Mais de 700 milhões de dólares por ano. Um número tão hiperbólico quanto a estética dos jingles da época: porquinhos dançando chá-chá-chá e um entusiasmo publicitário que faria qualquer Mad Man corar de inveja.
No entanto, como tudo que brilha demais sob o sol brasileiro, o derretimento foi rápido e impiedoso. A ascensão meteórica da rede foi seguida por uma implosão silenciosa — primeiro nos bastidores corporativos, depois nas gôndolas vazias e nas portas cerradas.
Um hipermercado chamado Porcão
A Casas da Banha se gabava, com certa razão, de ter inaugurado o primeiro hipermercado do país, em 1972. O nome era de uma honestidade desconcertante: Porcão. Em plena Avenida Brasil, a loja com torre e relógio virou ponto de referência da zona norte carioca. Mas o que nasceu para ser símbolo de modernidade tornou-se, com o tempo, um monumento decadente, como um transatlântico encalhado no asfalto quente. O Porcão foi, ironicamente, um prenúncio do inchaço do grupo: grande demais, desproporcional à estrutura administrativa, e sem o mesmo vigor de gestão de seus primeiros anos.
A estratégia de expansão foi ambiciosa — talvez demais. A aquisição dos Supermercados Ideal e Merci entre o fim da década de 70 e início dos 80 consolidou a posição da CB, mas também inchou a empresa com lojas que, embora aumentassem o número absoluto de unidades, diluíam a identidade da marca. O que era, até então, uma rede com cara e sotaque carioca, tornou-se um Frankenstein de balcões, caixas e prateleiras — cada filial operando à sua maneira, com gestão descentralizada e, frequentemente, sem planejamento.
Ao final dos anos 80, os sintomas já eram visíveis: quedas nas vendas, estoques desorganizados, a concorrência de redes mais enxutas (como Sendas, Pão de Açúcar e Extra) e, claro, a inevitável e crônica má gestão financeira. Em 1991, a empresa já havia perdido metade do seu efetivo de funcionários. No ano seguinte, 149 das suas 224 lojas foram vendidas ou repassadas para credores. O Porcão fechou suas portas, e a marca deixou de ser símbolo de abundância para se tornar sinônimo de decadência varejista.
A falência decretada em 1999 foi apenas o carimbo burocrático sobre um cadáver empresarial que já estava em adiantado estado de decomposição.
Chacrinha jogava bacalhau, mas ninguém pegou a conta
A CB era um espetáculo dentro e fora da televisão. Seus comerciais eram estrelados por uma constelação de artistas: Hebe Camargo, Lilian Lemmertz, Cecil Thiré, Marília Gabriela, Totia Meirelles. E, claro, o inimitável Chacrinha. Era marketing de massas para uma rede de massas. E o povo adorava. Mas o carisma não pagava fornecedores, e a publicidade não substituía gestão.
O curioso é que, mesmo após a derrocada, a Casas da Banha continuou sendo citada na música popular. Raul Seixas, Skylab, Titãs — todos referenciaram a marca, nem sempre de maneira elogiosa. O verso dos Titãs — “E se as Casas da Banha abatessem alguns gordos para o seu abastecimento?” — é, além de provocação punk, um obituário metafórico para uma empresa que, de tanto crescer descontroladamente, acabou comendo a si mesma.
Na prática, o que se viu foi uma velha receita de insucesso brasileiro: empresas familiares sem sucessão estruturada, ausência de governança corporativa, falta de modernização tecnológica e, em último caso, resistência em aceitar que o varejo muda, o consumidor muda, o país muda. A Casas da Banha, em vez de se adaptar, preferiram dançar o mesmo chá-chá-chá até tropeçar no próprio sapato de porco.
A rede virou uma cápsula do tempo: uma mistura de nostalgia, saudade e crítica ao gigantismo inconsequente. Há quem ainda se recorde com carinho dos porquinhos dançantes, mas há também quem veja na sua história um aviso aos navegantes: no Brasil, varejo não é para amadores — e nem para quem vive de passado embalado em jingle.
No fim, a CB não resistiu nem à inflação, nem à globalização, nem aos próprios erros. Sumiu dos bairros, das ruas, dos tabloides e das sacolas plásticas, mas jamais do imaginário coletivo. Virou referência pop, virou música, virou ruína. E talvez, para alguns, tenha virado até uma piada: aquela que começa com um bacalhau voando e termina com um credor batendo na porta.

Alegria vinha de lá. Agora, só resta a memória — e uma pergunta inquietante: quantas outras Casas da Banha existem hoje por aí, fingindo solidez, sambando na beira do abismo e esperando o Chacrinha jogar o último pepino?
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