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Casseta & Planeta Urgente: como seria hoje?

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Se houvesse um comediante brasileiro símbolo da transição entre a anarquia debochada dos anos 80 e o humor televisivo institucionalizado dos anos 90 e 2000, esse comediante seria um coletivo: o Casseta & Planeta. Com uma mistura singular de besteirol, sátira política, paródias de novelas e nonsense puro, o grupo — formado por Beto Silva, Cláudio Manoel, Hélio de la Peña, Hubert, Marcelo Madureira, Reinaldo e, durante parte do percurso, Bussunda — marcou época na TV Globo entre 1992 e 2010 com o programa Casseta & Planeta Urgente. Quase 15 anos após sua saída definitiva do ar, a pergunta que ecoa é: como seria o Casseta & Planeta hoje?

Vivemos em um ambiente cultural e midiático completamente diferente daquele em que o grupo ascendeu. Nos anos 1990, o Brasil ainda era um país fortemente centrado na televisão aberta. Não havia redes sociais, memes surgiam apenas em revistas de humor ou nas mãos de quem conseguia fazer circular VHS com vídeos bizarros. O Casseta chegou com o que havia de mais moderno na época: produção televisiva bem-feita, textos ácidos e paródias imediatas do que estava acontecendo na política e na cultura pop. Eles faziam o papel que hoje uma miríade de canais de YouTube, podcasts e perfis do TikTok desempenham com muito mais velocidade.

“Mas, ironicamente, parte da inteligência do grupo foi justamente ter previsto isso antes de muita gente. Quem assistiu ao quadro “Privada Brasil”, por exemplo, via ali uma crítica já bastante madura ao país da fragmentação, do caos político permanente e da indigência intelectual televisiva.”

O grupo foi também um dos poucos a conseguir equilibrar o humor popular — aquele do escracho e da caricatura fácil — com referências sofisticadas e uma compreensão aguda da realidade política nacional. A sátira a Fernando Henrique Cardoso como “FHC – Presidente por Acaso”, o escracho com o Lula sindicalista, as recriações hilárias de novelas globais: tudo parecia novo e libertador. Mas o próprio país mudou, e as fronteiras do que se entende como sátira ou humor aceitável se deslocaram.

Se Casseta & Planeta Urgente fosse relançado hoje, o desafio seria imenso. Primeiramente, há o fator da linguagem. O programa fazia piadas com tudo e todos: negros, homossexuais, mulheres, deficientes, políticos, apresentadores, cantores, novelas, filmes estrangeiros e realities shows. Esse “tudo e todos” já não é mais visto com os mesmos olhos. Hoje, o humor é cobrado por responsabilidade ética, o que não significa censura, mas um novo pacto social sobre os limites do riso. Certas esquetes que eram celebradas nos anos 90 — como o personagem “Maçaranduba”, ou a versão escrachada da Globeleza interpretada por Bussunda — seriam, hoje, alvo imediato de críticas nas redes sociais.

Entre o cancelamento e a reverência histórica

Não se trata de uma condenação ao passado, mas de um deslocamento cultural. E talvez o Casseta tivesse competência para se adaptar, como alguns membros já demonstraram em projetos posteriores. Cláudio Manoel, por exemplo, se destacou no documentário Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, mostrando apuro estético e narrativo em outro gênero. Hubert e Reinaldo mantiveram colunas e trabalhos críticos. Mas, institucionalmente, um retorno do programa exigiria não só atualização da linguagem, mas também repensar o papel que humor desempenha hoje: menos escracho pelo escracho, mais precisão na crítica.

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Além disso, o modelo de TV aberta também mudou. A Globo, que abrigava o grupo, já não é mais a mesma potência monopolizadora de narrativas. Hoje, o entretenimento é múltiplo, segmentado e nichado. O Casseta precisaria brigar por espaço com podcasts políticos que fazem sátira em tempo real e com vídeos curtos viralizados por adolescentes.

Mas, ironicamente, parte da inteligência do grupo foi justamente ter previsto isso antes de muita gente. Quem assistiu ao quadro “Privada Brasil”, por exemplo, via ali uma crítica já bastante madura ao país da fragmentação, do caos político permanente e da indigência intelectual televisiva. O humor que o grupo produziu funcionou como um retrato da ressaca da redemocratização.

O Casseta & Planeta foi o símbolo da anarquia e do humor televisivo (Foto: Arquivo)
O Casseta & Planeta foi o símbolo da anarquia e do humor televisivo (Foto: Arquivo)

O Casseta & Planeta foi um espelho risonho, mas deformado, de um Brasil que ainda estava aprendendo a rir de si mesmo. Hoje, seria mais difícil. Não porque o humor acabou, mas porque o Brasil virou um país onde a piada se faz por si só, todos os dias, em alta velocidade.

A urgência agora é outra.


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