Frank Gehry: nonagenário e ainda influente
É agosto de 2025 e Frank Gehry tem 96 anos. Isso mesmo. O arquiteto mais famoso do mundo, conhecido por transformar folhas de papel amassadas em projetos multimilionários, continua por aí — trabalhando, opinando, sendo celebrado e, claro, irritando os puristas da arquitetura. Seu nome ainda causa aquele frêmito entre aspirantes a starchitects e aquele ranger de dentes entre defensores da ortodoxia modernista. Aos que esperavam sua aposentadoria silenciosa e definitiva, Gehry responde com mais um projeto desafiador, como o campus da Warner Bros. em Los Angeles, finalizado em meados de 2024, e que parece um origami saído do cérebro de Dalí.
Mas afinal, o que mantém Frank Gehry no panteão dos grandes, mesmo passadas quase sete décadas desde que começou sua carreira? A resposta, como tudo no mundo gehryano, não é linear. Há quem o veja como o último grande alquimista da arquitetura ocidental — um artista capaz de transformar titânio, vidro e concreto em esculturas urbanas que redefinem paisagens e economias locais. Outros o consideram uma relíquia pós-moderna, símbolo de um tempo em que os arquitetos tinham mais ego que ética. E ambos têm alguma razão.
“O mais recente exemplo de sua persistência na cena global é o projeto do Museu das Culturas do Século XXI, em Abu Dhabi, uma estrutura em andamento cuja maquete foi divulgada em julho deste ano.”
Seu prédio mais icônico, o Museu Guggenheim de Bilbao (1997), é o exemplo mais repetido da chamada “Bilbao Effect”: a ideia de que um edifício-símbolo pode transformar o destino econômico e turístico de uma cidade. De fato, Bilbao saiu do mapa industrial falido e entrou no circuito global da arte contemporânea. Desde então, cidades ao redor do mundo tentaram replicar o truque. Mas o que poucos reconhecem é que Gehry não apenas moldou edifícios — moldou também o capitalismo cultural do século XXI.
Há, no entanto, uma inquietação legítima sobre a repetição de sua fórmula. Mesmo com sua verve de vanguarda, Gehry muitas vezes parece estar repetindo a si mesmo, como uma banda de rock lendária que insiste em tocar os mesmos hits em todos os shows. A fluidez dos volumes, os contornos desconstruídos, as peles metálicas reluzentes — tudo isso, que um dia foi revolução, hoje pode parecer fórmula.
Ícone ou peça de museu ambulante?
Ao mesmo tempo, é impossível ignorar a influência que ainda exerce. Basta observar os novos talentos que surgem aclamando Gehry como referência — embora com toques mais ecológicos, menos monumentais e, curiosamente, mais sociais. É como se uma geração inteira tivesse aprendido com Gehry a ousadia formal, mas também com os erros dele a necessidade de pensar o entorno, o uso, o impacto. Os “filhos bastardos de Gehry”, como alguns críticos mais ácidos os chamam, projetam com curvas, mas não esquecem que prédios precisam respirar.
O mais recente exemplo de sua persistência na cena global é o projeto do Museu das Culturas do Século XXI, em Abu Dhabi, uma estrutura em andamento cuja maquete foi divulgada em julho deste ano. Com formas que evocam ondas congeladas no tempo, Gehry reaparece no jogo global da arquitetura de prestígio, ao lado de nomes como BIG, SANAA e David Adjaye. A crítica, claro, dividiu-se: deslumbrante para uns, cansativo para outros.
É aí que mora o dilema: Frank Gehry não é apenas um arquiteto; é um fenômeno estético, cultural e mercadológico. Sua arquitetura serve à elite, mesmo quando parece querer ser popular. Não são escolas, hospitais ou conjuntos habitacionais que saem de seu estúdio, mas museus, escritórios de bilionários e sedes de grandes corporações. Para o bem ou para o mal, Gehry é a epítome da arquitetura como espetáculo. E nesse teatro, ele ainda é o protagonista.
Sua presença como “nonagenário influente” é quase uma provocação ao culto da juventude criativa. Enquanto muitos se reinventam aos 30 e se esgotam aos 40, Gehry insiste em ser relevante aos 90 e poucos. Isso é um feito. Mas é também um lembrete de como a arquitetura ainda se rende a velhos mitos, literal e simbolicamente. Sua permanência revela tanto sobre ele quanto sobre nós — ainda fascinados por monumentos, ainda reféns da assinatura autoral, ainda deslumbrados com a forma, mesmo quando ela desafia a função.

No fundo, Gehry é como uma esfinge desconstrutivista: sua obra nos desafia a decifrá-la, mesmo que a resposta seja desconcertante. Talvez não seja mais um vanguardista. Talvez nunca tenha sido. Mas é impossível falar do século XXI na arquitetura sem falar dele — e isso, gostemos ou não, é a marca da verdadeira influência.
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