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Governo aposta no Open Finance inclusivo

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No discurso oficial, trata-se de um passo revolucionário em direção à inclusão financeira e à modernização do sistema bancário nacional. Na prática, o projeto de expansão do Open Finance — anunciado pelo Ministério da Fazenda neste mês de junho — revela ambições grandiosas e desafios igualmente robustos. A meta, agora explicitada, é alcançar os cerca de 170 milhões de brasileiros com acesso a algum nível de vida financeira digital, conectando-os a um ecossistema de dados compartilhados entre instituições financeiras, bancos digitais, fintechs e agentes de crédito alternativos.

O plano do Governo, apresentado por Ana Carla Abrão, secretária de Reformas Econômicas, durante o Rio Innovation Week, aposta em uma infraestrutura pública para garantir a interoperabilidade de dados. O objetivo declarado é devolver ao cidadão o controle sobre suas informações financeiras, permitindo que ele escolha, com consentimento explícito, compartilhar seu histórico com agentes diversos — ampliando as possibilidades de crédito, renegociação de dívidas, contratação de seguros e investimentos personalizados. A retórica é sedutora: descentralização, transparência, concorrência. Mas o que parece claro é que a transição não será simples, tampouco rápida.

“A grande incógnita segue sendo a capacidade do Governo de atuar não só como regulador, mas como orquestrador. Um sistema descentralizado, por definição, requer coordenação.”

O Brasil já conta com mais de 40 milhões de pessoas integradas ao Open Finance, número relevante considerando que o sistema começou a ser implementado em 2021. No entanto, o novo salto de escala anunciado pelo Governo impõe desafios distintos: alcançar não só os bancarizados digitalmente, mas também os que ainda operam nas margens — os informais, os endividados crônicos, os desbancarizados por opção ou exclusão.

A criação de um órgão gestor para acompanhar e fiscalizar essa expansão está em estudo. E deve estar mesmo: não há Open Finance funcional sem confiança pública, e não há confiança pública sem governança clara, segurança digital robusta e mecanismos ágeis de resolução de conflitos. A experiência do consumidor com o sistema bancário tradicional brasileiro é, muitas vezes, marcada por opacidade, taxas escondidas e lentidão na solução de problemas. Levar essa memória para dentro do Open Finance pode minar todo o potencial transformador que se almeja.

Do potencial à prática: confiança será o divisor

Fernando Nery, CEO da fintech Portão 3, foi direto ao ponto ao comentar a proposta: o sistema pode ser uma virada estrutural, desde que a sociedade confie no modelo. Isso envolve um pacto não só regulatório, mas também educacional. Como garantir que o cidadão médio, com pouca familiaridade com termos técnicos e arcabouços de segurança digital, compreenda o que significa “consentir” com o compartilhamento de seus dados financeiros? E como impedir que instituições menos éticas manipulem esse consentimento em seu benefício?

Há ainda o risco de aumento de desigualdades. Se o acesso à personalização de crédito e serviços se tornar um privilégio dos mais informados ou mais conectados, a promessa de inclusão pode se inverter. Mais uma vez, o Brasil está diante do dilema clássico: transformar um instrumento poderoso de democratização em ferramenta efetiva de inclusão exige políticas públicas ativas, investimento contínuo e fiscalização implacável.

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O momento, por outro lado, é oportuno. A digitalização de serviços financeiros acelerada pela pandemia, a consolidação do Pix como sistema de pagamento dominante e o avanço de fintechs competitivas criaram um terreno fértil. O brasileiro médio, ainda que cético, já realiza transações financeiras via smartphone, acessa crédito em aplicativos e se acostumou a serviços mais ágeis. O Open Finance surge como uma peça complementar e necessária para dar fluidez e inteligência a esse novo universo.

A grande incógnita segue sendo a capacidade do Governo de atuar não só como regulador, mas como orquestrador. Um sistema descentralizado, por definição, requer coordenação. E isso inclui harmonizar interesses entre players gigantes do sistema bancário tradicional e fintechs em expansão, garantir interoperabilidade técnica, criar padrões de segurança e fornecer educação financeira de massa.

170 milhões de brasileiros na mira do chamado Open Finance inclusivo (Foto: Valia)
170 milhões de brasileiros na mira do chamado Open Finance inclusivo (Foto: Valia)

Se bem executado, o avanço do Open Finance pode ser, sim, uma ruptura positiva com o modelo bancário historicamente concentrado e pouco transparente. Mas a pressa é inimiga da sustentabilidade. A adesão massiva que o Governo espera exige mais do que uma boa proposta e um evento de lançamento. Exige política pública consistente, proteção ao consumidor e um compromisso duradouro com a criação de um ecossistema financeiro realmente centrado no cidadão.

Por enquanto, o anúncio é promissor. Mas a promessa, como tantas outras no campo econômico, precisará passar pelo teste da realidade. E essa realidade — complexa, desigual e ainda pouco conectada — costuma cobrar caro de soluções simplistas.


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