Jean-Paul Gaultier: o enfant terrible adorado
O mundo da moda, afeito às suas figuras excêntricas e aos modismos que vêm e vão com a brisa das estações, sempre teve uma predileção especial por personagens que desafiam o bom senso. Entre eles, um nome cintila com o brilho impertinente de uma estrela que nunca quis se comportar: Jean-Paul Gaultier. O estilista francês, dono de uma fortuna estimada em 300 milhões de dólares, é um dos poucos criadores que conseguiu manter sua irreverência e, ainda assim, conquistar o mainstream — inclusive o mais comercial e perfumado dele.
Gaultier construiu sua carreira como um sabotador interno da indústria da moda. Ele nunca precisou implodir o sistema — preferiu subvertê-lo por dentro, com espartilhos, kilts masculinos, lingerie à mostra, marinheiros sensuais e corsets cônicos que redefiniram o corpo feminino. Quando Madonna usou um de seus icônicos bustiês na turnê Blonde Ambition de 1990, o mundo entendeu que Jean-Paul Gaultier não era apenas mais um francês excêntrico com gosto por rendas: era um estrategista da imagem, um provocador com estética própria e um olho clínico para a cultura pop.
“Gaultier nunca quis só vestir corpos, mas provocar debates — nem que fosse à base de lantejoulas. Ele reinventou a figura do estilista como artista-pop, curador cultural, e showman.”
Nascido em 1952 nos arredores de Paris, ele nunca foi a uma escola de moda. Autodidata, começou a mandar seus desenhos para casas de alta-costura quando ainda era adolescente. Pierre Cardin, que o contratou como assistente em 1970, viu ali mais que talento: viu um furacão prestes a explodir dentro de um ateliê. Gaultier absorveu o know-how da alta-costura, mas cuspia esnobismo. Para ele, a moda precisava descer do salto e caminhar pelas ruas, pelos clubes, pelas margens.
Suas coleções dos anos 80 e 90 são uma ode ao marginal, ao queer, ao grotesco-chique — tudo embrulhado num papel de presente francês com laço azul-marinho.
A heresia como estratégia estética
A grande sacada de Gaultier foi entender que a “heresia” vende. Mas não qualquer heresia: aquela que vem embalada em tecidos nobres, com modelagem impecável e perfume caro. Ele é o tipo de designer que veste tanto o corpo quanto o discurso. No mundo dele, homens podem usar saias sem parecerem “afeminados”, mulheres podem usar espartilhos sem parecerem submissas, idosos podem ser musas de passarela, e modelos andróginos podem ser protagonistas sem precisar justificar seu corpo.
Jean-Paul Gaultier usou a moda como sátira. Sua estética é uma paródia afetuosa — mas afiada — da cultura ocidental. Em suas coleções, o kitsch é rei, o fetichismo é elevado ao status de arte, e o tradicionalismo vira peça de museu. Ele foi pioneiro ao colocar modelos tatuados, de diferentes etnias, tamanhos e idades na passarela, muito antes de a diversidade virar regra de edital ou estratégia de marketing ESG. Não por militância explícita, mas por intuição artística — e, quem sabe, uma certa birra com os padrões.
Mesmo nos perfumes — segmento que o transformou num nome ainda mais global — Gaultier deixou sua marca com frascos que lembram bustos humanos, fragrâncias que equilibram doçura e ousadia, e campanhas que desafiam normas de gênero antes que isso virasse cartilha publicitária.
Mas nem tudo são plumas e purpurinas.
Há quem critique Gaultier por transformar o subversivo em mercadoria — e com razão. O enfant terrible virou enfant rentable, o rebelde de 300 milhões de dólares que, após aposentar-se dos desfiles em 2020, virou curador da própria lenda em forma de exposições, colaborações e produtos licenciados. O discurso punk ganhou moldura dourada e assinatura olfativa. A vanguarda virou lembrança embalada a vácuo.
Entretanto, seria ingênuo pedir a um artista que não monetizasse seu próprio impacto. Gaultier nunca fingiu ser anticapitalista — apenas anti-enfadonho. No fim das contas, o que ele vende é exatamente o que o mundo deseja consumir: diferença empacotada com charme. Ele não tenta camuflar o artifício; ao contrário, exibe-o com orgulho, como quem diz: “É tudo uma grande encenação, mas eu dirijo o espetáculo”.
E é esse domínio do palco que talvez seja seu maior legado. Gaultier nunca quis só vestir corpos, mas provocar debates — nem que fosse à base de lantejoulas. Ele reinventou a figura do estilista como artista-pop, curador cultural, e showman. E mesmo quando exagera — o que faz com gosto — é difícil não o admirar por conseguir manter sua autenticidade em um universo que costuma devorar seus próprios ícones.
A moda hoje talvez esteja mais careta do que nunca, com sua fome por métricas, likes e colaborações calculadas. Mas o fantasma de Jean-Paul Gaultier — ou melhor, sua gargalhada de marinheiro parisiense — continua a assombrar e a inspirar. Se é para vender, que se venda com inteligência, irreverência e, claro, perfume bom.

Porque no fim, o enfant terrible adorou o mundo — e o mundo, com todos os seus filtros, adorou de volta.
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