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Júlio Emílio Braz fala da sua escrita com prazer

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O escritor

Júlio Emílio Braz é ilustrador, roteirista e escritor de literatura infantojuvenil. Autodidata, sua carreira literária começou quando ficou desempregado. Ele escreveu desde roteiro para histórias em quadrinhos (publicadas no Brasil, Portugal, Bélgica, França, Cuba e EUA) até livros de bolso de faroeste, com diversos pseudônimos. Após receber elogios, começou a se destacar, tendo novas oportunidades para publicar seus contos em algumas editoras. Escreveu contos de faroeste com 39 pseudônimos diferentes. Depois de começar a escrever livros ficou conhecido mundialmente e ganhou prêmios como o Austrian Children Book’s Awards e o Blue Cobra Award do Swiss Institute for Children’s Books. Desde então, Júlio passou a escrever comédias, suspense e ação. Um de seus livros de maior sucesso é “Esperando os Cabeças Amarelas”. É autor de obras inesquecíveis, entre eles “Saguairu”, que obteve o Prêmio Jabuti em 1989. Destacam-se ainda os livros “Uma Pequena História de Natal”, “Anjos no Aquário”, “Crianças na Escuridão”, “Felicidade Não Tem Cor” e “Corrupto”. Escreveu em parceria com a escritora Léia Cassol a obra “Uma História Apaixonada & A Gota: uma biografia bem apressada”. Hoje tem por volta de 169 livros publicados, todos destinados a crianças e adolescentes. A obra “Crianças na Escuridão” já foi traduzida para o alemão e para o espanhol.

Júlio, gostaria que falasse um pouco sobre sua carreira para os nossos leitores.

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Em termos de ofício, tenho o melhor ofício do mundo, pois, faço o que gosto e apesar de muitos não acreditarem (até muitos autores), escrever não é diletantismo, mas profissão. Parafraseando Stephen King“Não sou o melhor autor do mundo, mas sinto-me compelido a escrever”. Isso é antigo. Começou quando eu ainda era um leitor. A bem da verdade começou até antes, quando eu ouvia as histórias de meus parentes lá em Minas (a ausência da televisão tem tais vantagens. Na falta dela, eu tinha que me virar com as histórias de meus tios e minha imaginação) e continuou quando eu ouvia as novelas de rádio na antiga Rádio Nacional. Escrever mesmo virou tábua de salvação nos tempos de escola: ser o autor de belas redações me fazia o xodó de algumas proteções que estendiam suas asas protetoras sobre mim quando eu aprontava. Meus primeiros prêmios e premiações surgiram aí (inclusive a primeira máquina de escrever, uma Remington Rand portátil, comprada com parte de um quarto lugar em um prêmio escolar chamado Maratona Machado de Assis, do qual participei de má vontade, admito!). Profissionalmente comecei escrevendo roteiros de quadrinhos para a extinta editora Vecchi no Rio de Janeiro, depois livros de bolso de bang-bang, sketches de humor para a televisão (Os Trapalhões, na TV Globo) e atualmente, estou na literatura infantojuvenil.

Sua carreira literária começou quando estava desempregado. Como foi isso?

Eu era gerente de uma retífica em Honório Gurgel, bairro de subúrbio do Rio de Janeiro, e perdi o emprego. Não aparecia nada para fazer e um amigo de meu irmão, que trabalhava na Vecchi, falou que eles estavam buscando roteiristas para as revistas de quadrinhos de terror que eles publicavam. Fui lá e através de Ota Barros, o editor, comecei a escrever para a revista Spektro.

Ser autodidata, facilitou a sua vida como autor e ilustrador em qual sentido?

O autodidata é um insaciável, quer saber mais e sua busca pelo conhecimento é absolutamente caótica. Tudo serve. Tudo vale a pena. A cultura geral é o resultado mais apreciável e ajuda bastante a criar minhas histórias. A curiosidade gera uma insatisfação permanente, que resulta na leitura de quatro jornais por dia, a assinatura de uma infinidade de revistas e uma viagem interminável pelos sites, blogs e buracos do ciberespaço, além da aquisição de livros quase como um vício (ajuda bastante ter duas livrarias em frente a casa, mais várias bancas de jornais, sendo uma pelo menos também sebo). Vale também conhecer o Estante Virtual, uma verdadeira perdição para quem é apaixonado por livros.

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Quando você teve o primeiro arroubo de escrever para o público infantojuvenil?

Foi quando um amigo, Roberto Kussumoto, que ilustrava para a Editora FTD, me apresentou ao editor da área naquela época, Lino de Albergaria. Ele foi muito solícito e me pediu que enviasse alguma coisa. Eu voltei para casa e como já tinha uma ideia retirada de uma matéria da revista Domingo, do bom e velho Jornal do Brasil, sobre animais em extinção do Brasil (eu coleciono ideias e temas que retiro dos livros jornais e revistas que leio ou de anotações que faço), escrevi o livro na semana do Natal de 1986. Ocorre que quando enviei o livro, o Lino já não estava na FTD e o editor que o substituiu não se interessou pelo livro (a propósito, seu título é Saguairu e foi publicado pela Atual Editora). Aí eu fui procurando até bater na porta da Atual Editora, onde o editor Paulo Condini me deu a primeira oportunidade no gênero e que em 1989 me deu o primeiro prêmio literário, o Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, de autor revelação.

Qual o erro que um escritor que escreve para esse público, não pode cometer jamais?

Escrever menosprezando a inteligência de seu público e, pior, pensando na criança que ele foi. Eu não escrevo para mim, mas para os outros e a minha única ambição é sempre escrever uma boa história.

No que as suas raízes ligadas a sua cidade natal Manhumirim, lhe ajudaram na formação do escritor que se tornou hoje?

Principalmente, no que tange a contação de histórias, uma atividade bem comum as pessoas que vivem em cidades pequenas e têm uma vida mais comunitária, onde todo mundo se conhece e se encontra. Outra coisa gostosa também é a questão da vida comunitária: as pessoas se cumprimentam, se ajudam, olham nos olhos umas das outras. A cidade grande tem este quê de impessoalidade, de linha de produção fordiana, que nos transforma em ilhas ou solitários, pois, não enxergamos a maioria dos que estão à nossa volta. A invisibilidade é um dom dos outros na grande cidade, pois, não enxergamos aqueles que estão à nossa volta.

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Em que momento você acredita que achou o ponto ideal da ilustração e do texto conforme havia planejado no início do seu trabalho?

Certa vez perguntaram a Carlos Drummond de Andrade [poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro, 1902 – 1987] se ele se considerava um autor pronto e ele respondeu: “Autor pronto está morto!”. É o que penso também. Ainda não cheguei a este ponto ideal e acredito que jamais chegarei a não ser, claro, quando for fazer companhia ao Drummond. Aliás, eu gosto de me definir como socrático, ou seja, “sei que nada sei” e a minha burrice constitutiva e desejada me faz buscar sempre o que sei ser impossível, a perfeição.

Quantas pessoas em nosso país sabem que você é um dos autores mais prolíficos do Brasil, com mais de 169 livros publicados?

Em certa ocasião, dei uma entrevista durante uma feira de livros em Curitiba para um jornalista da Gazeta do Povo e ele me pediu que sugerisse um título para a matéria. Eu sugeri “O Maior Escritor Desconhecido do País”. Brincadeira, claro, mas realmente acredito que só quem sabe de mim são os que me leem há mais de trinta anos e com quem venho tropeçando cada vez mais frequentemente pelo país. Aliás, importa realmente ser conhecido? Um amigo meu, também escritor, certa vez disse que escrevia para a posteridade. Afirmei que escrevia por algo menor, simplesmente por alguma notoriedade. Mas depois de tanto tempo, quer saber? Eu escrevo pelo prazer de escrever. O resto é irrelevante, pois, eu já descobri o verdadeiro sentido da vida: ela acaba e tudo o que eu levo e que eu não trouxe, é a roupa. Todo o resto é transitório.

Como analisa o mercado de livros para o público infantojuvenil?

O mercado infantojuvenil ainda é o maior vendedor neste país até por conta de sua ligação com o universo das escolas e não apenas porque as escolas adotam os livros e a garotada os lê, mas por que é nas escolas que está se criando (ou se tentando criar) a primeira geração efetivamente leitora deste país. Apesar das bobagens que volta e meia pipocam na imprensa, temos um grande público leitor nascendo aí. Não importa se leem como eu li, no papel, ou na tela do computador, e muito menos, não importa o que estão lendo. Se lhes dá prazer, se os estimula a continuar lendo e por conta disso, aguça seu senso crítico, eu dou cambalhotas de felicidades. Não vai haver um Brasil digno de se viver enquanto não formos uma sociedade de leitores que se transformarão em uma sociedade de verdadeiros eleitores e não simples e inconsequentes votantes.

Gostaria que falasse sobre o livro “Crianças na Escuridão” e o que esse trabalho representa intimamente para um autor que já publicou tantas obras como você?

“Crianças na Escuridão” é o meu livro favorito (pelo menos até hoje). Acredito que foi o mais próximo que cheguei de algo que poderíamos chamar de perfeição. Claro que ele não é perfeito, mas tem uma narrativa fluida, dinâmica e que toca a qualquer um em qualquer lugar. O tema é brasileiro e talvez de países pobres, mas como disse o ministro da Cultura da Áustria, por ocasião da premiação de sua tradução para o alemão em 1997, ele fala de um problema bem mais universal relacionado às crianças de qualquer parte do mundo, inclusive dos países ricos e dos ricos em sociedades pobres e miseráveis como a nossa, a solidão das crianças. Eu só tenho uma tristeza relacionada a este livro: eu o escrevi em 1991 e o problema das crianças abandonadas no Brasil não só não acabou como cresceu absurdamente. Aliás, este é o grande problema de nações que não têm educação e leitura como bem inestimável e que não investem nisso (e não apenas dinheiro, mas comprometimento dos bons, verdadeiros): os problemas existem, mas não são vistos e, portanto, se eternizam. Os problemas são sempre dos outros e não nossos, cidadãos sob o mesmo teto verde-amarelo.

Você também já escreveu roteiros para programas de televisão, onde podemos citar “Os Trapalhões” como um exemplo. Quando assiste um programa de TV, tem a percepção que os roteiros prejudicaram ou elevaram aquele programa, ou isso é mais complexo do que podemos imaginar?

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Em termos de escrita, acho um roteiro de televisão constrangedoramente mais fácil de escrever, pois, o diretor, os atores e as câmeras, bem como a grande tecnologia, farão o resto (ou destruirão o que se escreveu). Produzir é que se apresenta complexo, por ser caro.

Última atualização da matéria foi há 3 anos


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