Lucio Lage analisa a politização da Covid
Lucio Lage é um escritor que deixa uma impressão fantástica em quem o conhece. É uma pessoa empática, coesa e perspicaz em suas colocações. Doutorando em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro) é pesquisador colaborador do Laboratório DELETE- Detox e uso consciente de tecnologias, também pertencente ao IPUB/UFRJ. Acabou de lançar seu sexto livro, o quarto pela Editora Barra Livros, em uma Live que reuniu mais de 200 pessoas entre formadores de opinião, engenheiros, especialistas da área de saúde mental, professores, doutores e filósofos. A obra “A Vida Após o Novo Coronavírus: Novos Comportamentos”, vem gerando comentários e interessantes discussões por parte de especialistas em comportamento humano e saúde mental. O professor Lucio Lage está sendo convidado para palestras e encontros onde o tema não poderia ser mais pertinente ao momento atual. O livro aborda o comportamento humano impactado pela pandemia do novo coronavírus analisando o problema sob a perspectiva do passado, presente e futuro (antes, durante depois da pandemia). Sinaliza para processos de mudanças setoriais e não globais ou lineares como muitos estão propalando. Esta setorialidade está marcada pela cultura e diversidade dos povos, das nações, dos continentes e de como cada grupo social vivenciou e assimilou este impacto.
Professor, teremos uma sociedade mais “fria” no pós-Covid?
Não podemos generalizar, pois, quando falamos de sociedade precisamos definir qual delas: a europeia, a do Oriente, a americana do norte? Em meu novo livro “A Vida Após o Novo Coronavírus: Novos Comportamentos” destaco que não teremos um mundo totalmente novo como muitos falavam no início e que começam a rever suas versões. Cada cultura de cada conjunto social que forma a humanidade está reagindo de forma diferente, portanto, terá uma vivência pós-vírus diferente um dos outros. Da mesma forma aqueles que perderam entes queridos para Covid-19 terão uma perspectiva diferente daqueles que não tiveram este dano. As mudanças não serão lineares em todo o mundo.
Quais serão os novos (e marcantes) comportamentos após da pandemia?
Novos comportamentos pós-pandemia dependerão da cultura dos vários países e como isto os afetou. No nosso novo livro aprofundamos este debate e destacamos que as características de cada nação determinarão este cenário. Quando as autoridades de saúde e governamentais comunicarem que o vírus se foi, muitos comportamentos como usar álcool em gel, usar máscaras e outros, cairão por terra. Um comportamento que poderá ser melhorado é a aceitação das populações de ir ao Posto de Saúde tomar uma vacina pelo medo que a Covid está deixando em todos nós. Recentemente no Brasil, as Secretarias de Saúde imploravam para a população participar das campanhas de vacinação, o que pode mudar após a pandemia.
O que não mudou antes e que não mudará depois da pandemia?
A prioridade para os aspectos econômicos e políticos não deverão mudar muito em função dos interesses destes dois vetores. Economia e Política regerão o mundo com o fomento também da Tecnologia, depois que a Saúde não for a preocupação maior de hoje.
Alguns setores sofrerão mais que outros no chamado “novo normal?”.
Sofreu e continuará sofrendo mais, toda a cadeia do varejo/comércio, especialmente quem não tinha canal digital de venda ou não foi ágil para criá-lo como muitos fizeram, principalmente restaurantes. O comércio foi muito impactado com fechamento em definitivo de vários estabelecimentos, exceto os que operaram no “modo sobrevivência” usando a alternativa digital (e-commerce). Na mesma linha, o setor de serviços onde o digital era impossível tiveram também grandes impactos.
Muitos repelem quando a frase “novo normal” é dita. Por que o senhor acredita que isso acontece?
O conceito de normalidade é tão amplo quanto relativo, pois, o que é normal para os chineses como comer determinados animais é assustador para o Ocidente. O que estamos vivendo é uma fase que todos esperam terminar e ter uma vida como a que tínhamos antes deste vírus, o que a torna provisória e não “novo normal”. Mas se acreditarmos que nunca mais poderemos abraçar as pessoas, cumprimentar com aperto de mãos, usar máscara indefinidamente, assistir futebol sem público ou achar que sexo virtual é uma solução definitiva, então teremos novas práticas que poderão ser chamadas de novo normal. Mas quem deseja isto no planeta Terra?
As mulheres foram mais impactadas com o isolamento social?
Sim, porque existem muitas profissões onde há prevalência de mulheres como cuidadoras, babás, empregadas domésticas, massoterapeutas e profissionais do sexo que perderam seus rendimentos com o isolamento social e o medo de contaminação. No nosso novo livro detalhamos mais esta perspectiva e citamos outros casos e profissões.
Teremos um crescimento da chamada Síndrome da Cabana?
Esta síndrome foi mencionada a primeira vez no limiar dos séc. XIX e XX, mais precisamente no ano de 1900 e está associada a permanência em isolamento por muito tempo, gerando comportamentos diferenciados pós-isolamento. Apesar de todo este tempo não é considerada um transtorno mental e precisa ser observada por especialistas por algum tempo os comportamentos das pessoas que estão ou que estiveram em isolamento. Não se pode afirmar que isto crescerá, até porque transtornos como ansiedade, depressão e compulsões podem vir à tona nestas condições ou ampliadas no caso de quem já tem algum destes diagnósticos. Por serem mais importantes e consagrados como diagnóstico podem minimizar o destaque a esta síndrome.
O Sistema de Saúde (público e privado) estará pronto para lidar com esse transtorno?
A politização da doença da Covid dificultou muito seu enfrentamento e não só no Brasil. Por aqui não estamos preparados para o combate técnico, não só porque foi uma experiência nova para o país, mas também porque são frágeis as infraestruturas de saúde no Brasil e casuísticas as ações para melhorá-las.
Teremos uma vida ainda mais híbrida com o processo digital acelerado?
É melhor que ela seja híbrida mesmo, ou seja, que ainda seja possível fazer muitas coisas presencialmente com as virtuais, para que o ser humano não seja completamente robotizado. Isto vale para EaD, e-commerce e home office. Os recursos digitais são vitais para agilização de muitos processos, mas também são causadores de danos físicos e psicológicos como retratamos em dois outros livros nossos: “Dependência Digital: tecnologias transformando pessoas, relacionamentos e organizações” e “Convivendo bem com a Dependência Digital” ambos da editora Barra Livros.
Como esse processo impactará as novas gerações?
No nosso livro “Novos Humanos 2030: como será a humanidade em 2030 convivendo com as tecnologias digitais”, abordamos os caminhos que a humanidade está trilhando ao longo desta década e os transtornos mentais dentro deste contexto. Há necessidade de muita preparação dos seres humanos para o mundo em plena transformação. O desafio é ser digital sem deixar de ser humano.
A comunidade científica sairá fortalecida ou ainda sofrerá com o desdém do movimento anticiência?
Depende da perspectiva do observador. Como o vírus tomou toda a cena mundial, o segmento de Saúde e a Ciência, em geral, ficou em evidência, contudo, não se pode assegurar que ela terá prevalência em um mundo competitivo, econômica, política e tecnologicamente. Estes três vetores sempre tomam a cena, principalmente depois que existir vacina em profusão e todos esquecerem do vírus. Isto pode mudar se na Agenda Mundial da Saúde for inserida uma discussão sobre o consumo de alimentos de origem animal e seus desdobramentos para a saúde humana.
Última atualização da matéria foi há 3 anos
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