Mães que trabalham: como manter presença?
Ainda estamos debatendo — com o mesmo desconforto e a mesma falta de soluções práticas — um tema que atravessa gerações: como as mães que trabalham podem manter presença efetiva na vida de seus filhos? A pergunta, que parece simples, carrega uma complexidade brutal. Nela se entrelaçam questões de gênero, economia, políticas públicas, cultura corporativa e até mesmo um moralismo disfarçado de preocupação com a infância. E, talvez o mais grave, é que seguimos culpabilizando as mulheres por não conseguirem estar em dois lugares ao mesmo tempo: no trabalho e em casa.
Não há novidade no fato de que a maioria das mulheres brasileiras trabalha fora. Segundo dados recentes do IBGE, mais de 53% das mães com filhos de até 14 anos estão inseridas no mercado de trabalho. Elas saem cedo, enfrentam transporte público precário, jornadas longas, salários muitas vezes inferiores aos dos homens e, ainda assim, ao chegar em casa, são esperadas com a expectativa da maternidade plena — aquela idealizada, presente e afetuosa o tempo todo. Mas como conciliar uma presença real com um sistema que exige a ausência constante?
“Como a sociedade pode garantir condições para que todos os cuidadores — mães, pais, avós ou quem estiver à frente da criação — estejam presentes sem precisar sacrificar sua saúde, seu sustento ou sua dignidade?.”
A verdade incômoda é que essa cobrança recai exclusivamente sobre as mulheres. Raramente se pergunta a um pai como ele faz para manter presença na vida dos filhos enquanto trabalha. A maternidade é vista como obrigação total, e a paternidade, como um bônus eventual. Essa assimetria já seria suficiente para expor o desequilíbrio estrutural. Mas há mais.
Durante muito tempo, presença foi confundida com quantidade. Como se o número de horas sob o mesmo teto fosse suficiente para garantir uma relação saudável entre mãe e filho. Na era do trabalho remoto, inclusive, esse mito parece ter ganhado nova força. No entanto, o que a psicologia contemporânea aponta é que a qualidade do vínculo afetivo — mesmo em tempos mais curtos — tem mais impacto no desenvolvimento emocional da criança do que a mera convivência prolongada e distraída.
Presença não é quantidade de tempo, é qualidade de vínculo
Mas como garantir essa qualidade em uma rotina estafante, marcada por culpas e cobranças? O primeiro passo é a redistribuição das tarefas, tanto domésticas quanto parentais. Isso significa envolver os pais de forma ativa e responsável. Presença não é ajuda. É corresponsabilidade. Não há mais espaço para discursos que elogiam o pai que “ajuda a cuidar” do próprio filho. Ele não é ajudante; ele é pai.
Além disso, políticas públicas eficazes fazem toda a diferença. O Brasil ainda engatinha em licenças parentais mais justas. Enquanto a licença-maternidade oficial é de 120 dias, prorrogável em alguns casos para 180, a licença-paternidade segue limitada a ínfimos cinco dias na maioria dos contratos. A ampliação da licença para ambos os genitores e a criação de horários flexíveis deveriam ser regra, não exceção. Países que avançaram nesse sentido mostram impactos positivos na presença parental e no desenvolvimento infantil.
Outra questão urgente é o acesso a creches públicas e de qualidade. Muitos municípios brasileiros simplesmente não oferecem vagas suficientes, obrigando mães a escolherem entre trabalhar ou deixar seus filhos em situações de risco. O déficit de infraestrutura educacional na primeira infância ainda é um obstáculo concreto à presença das mães no trabalho e dos filhos em ambientes seguros de aprendizagem.
A tecnologia também poderia ser aliada, mas tem sido, muitas vezes, mais um fator de opressão. A hiperconexão exige disponibilidade permanente das profissionais — mesmo fora do expediente — tornando ainda mais difícil a desconexão necessária para estar com os filhos de maneira atenta e afetiva. É preciso que as empresas entendam que produtividade não se mede por horas logadas, mas por entregas consistentes e saudáveis. Trabalhar exaustivamente e depois oferecer uma presença emocional esgotada é a receita para um colapso afetivo anunciado.

No fundo, é necessário mudar a pergunta. Em vez de “como as mães que trabalham podem manter presença?”, deveríamos perguntar: “como a sociedade pode garantir condições para que todos os cuidadores — mães, pais, avós ou quem estiver à frente da criação — estejam presentes sem precisar sacrificar sua saúde, seu sustento ou sua dignidade?”.
Enquanto seguimos empurrando o dilema exclusivamente para as mulheres, seguimos falhando com elas e com as crianças. Presença não se resolve com culpa. Se resolve com estrutura, com empatia e com escolhas coletivas mais inteligentes. Porque nenhuma mulher deveria ter que escolher entre ser mãe e ser profissional — e nenhuma criança deveria crescer acreditando que amor e ausência são sinônimos inevitáveis.
Última atualização da matéria foi há 2 semanas
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