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Os 20 anos do famigerado Mensalão

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Em junho de 2005, o Brasil foi sacudido por um dos maiores escândalos políticos de sua história recente: o Mensalão. Passadas duas décadas, as marcas deixadas por aquele episódio ainda reverberam na memória coletiva do país. Mais do que um caso de corrupção, o Mensalão expôs as entranhas do sistema político brasileiro e seus vícios estruturais, criando um marco histórico que moldaria o debate público, a atuação do Judiciário e a percepção da sociedade sobre os poderes da República.

Naquele ano, o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), figura folclórica da política nacional, revelou à imprensa que o Governo Federal, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pagava uma mesada a parlamentares da base aliada para garantir apoio no Congresso. O valor — daí o nome “Mensalão” — seria de R$ 30 mil mensais para cada parlamentar, conforme apontaram investigações posteriores. A denúncia levou à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e, eventualmente, a uma denúncia do Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF), encabeçada pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e sustentada mais tarde pelo relator Joaquim Barbosa.

“Em um país que ainda busca consolidar sua democracia, o Mensalão deve servir menos como um espetáculo e mais como lição histórica.”

Ao longo do processo, 40 pessoas foram acusadas de envolvimento, incluindo ministros, deputados federais, empresários e dirigentes partidários — muitos ligados ao alto escalão do Partido dos Trabalhadores. As condenações, que se estenderam ao longo de 2012 e 2013, consolidaram o julgamento do Mensalão como um divisor de águas. Pela primeira vez, políticos poderosos foram punidos de forma efetiva pelo STF, em uma decisão transmitida ao vivo para o país inteiro. O impacto midiático foi avassalador. Figuras como José Dirceu, outrora braço-direito de Lula, foram condenadas à prisão, o que deu à operação uma aura de redenção moral da Justiça brasileira.

No entanto, vinte anos depois, a análise do Mensalão exige mais do que indignação moral. É preciso ponderar seu legado institucional e suas consequências de longo prazo. Um dos efeitos colaterais mais evidentes foi a politização do Judiciário. Joaquim Barbosa, alçado a herói nacional, saiu do julgamento com popularidade suficiente para ser cogitado como presidenciável. Essa personalização da justiça — ainda que bem recebida por muitos — abriu espaço para que julgamentos futuros, como o da Lava Jato, fossem conduzidos em clima de espetáculo, comprometendo garantias legais e estimulando uma narrativa maniqueísta entre “os bons” e “os maus”.

O legado do escândalo: justiça seletiva e politização do combate à corrupção

Além disso, o Mensalão não interrompeu o sistema de corrupção que pretendia denunciar. Pelo contrário, a sequência histórica revelaria um modelo ainda mais amplo de desvios com o Petrolão, revelado anos depois. O que mudou, na prática, foi a sofisticação dos esquemas e a ampliação do protagonismo do Ministério Público e do Judiciário, que passaram a ocupar um papel central na cena política — muitas vezes à revelia de seu papel constitucional. Se por um lado houve avanço no combate à impunidade, por outro, abriu-se espaço para abusos de autoridade, prisões midiáticas e julgamentos permeados por interesses políticos.

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Outra consequência pouco discutida foi o efeito sobre o financiamento de campanhas políticas. O escândalo revelou que o caixa dois era prática corriqueira e estrutural, e não um desvio isolado. As reformas posteriores, como a proibição de doações empresariais em 2015, tentaram corrigir esse desequilíbrio, mas criaram novas distorções: partidos passaram a depender quase exclusivamente do fundo público eleitoral, que cresceu vertiginosamente e se tornou alvo de críticas quanto à transparência e ao uso dos recursos.

Do ponto de vista simbólico, o Mensalão ajudou a formar uma geração inteira de brasileiros mais cética em relação à política. O desencanto com os partidos, a descrença nas instituições e a aversão à classe política como um todo abriram caminho para discursos antipolíticos que culminariam, anos depois, na eleição de outsideres e na ascensão de projetos autoritários que prometiam “limpar” Brasília. Paradoxalmente, o escândalo que deveria fortalecer a democracia acabou por minar parte de seus pilares, ao disseminar a ideia de que a corrupção é um traço cultural irredimível do país.

A histórica matéria da Folha assinada por Renata Lo Prete (Foto: Reprodução)
A histórica matéria da Folha assinada por Renata Lo Prete (Foto: Reprodução)

Passados 20 anos, o Mensalão permanece como um símbolo complexo. Foi, sim, um marco de responsabilização, mas também uma mostra de que o enfrentamento da corrupção, quando não acompanhado de reformas estruturais e de respeito ao devido processo legal, pode se tornar uma arma política — ora nas mãos da imprensa, ora nas de promotores e juízes.

Em um país que ainda busca consolidar sua democracia, o Mensalão deve servir menos como um espetáculo e mais como lição histórica. Ele mostrou que o combate à corrupção não pode ser episódico, nem seletivo. E que, no fim das contas, a ética pública precisa de instituições sólidas, mas também de uma cultura política que não dependa da comoção — e sim da vigilância permanente.


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