Sua Página
Fullscreen

O Advogado do Diabo: jaz no maligno?

Anúncios
Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Há filmes que envelhecem como vinho, outros como leite. O Advogado do Diabo (1997) é um raro exemplar que mantém o aroma intacto, ainda que o barril seja de puro enxofre. Dirigido por Taylor Hackford e baseado no romance de Andrew Neiderman, o longa é um coquetel de drama jurídico, suspense psicológico e pitadas sobrenaturais, onde o protagonista, Kevin Lomax (Keanu Reeves), se vê seduzido pela tentação não só do sucesso, mas do próprio diabo, encarnado de forma quase carismática por Al Pacino. É um filme sobre vaidade, poder, corrupção e a facilidade com que se assina, sem ler as letras miúdas, o contrato com as trevas.

O enredo é sedutor como um vendedor de enciclopédias na década de 80: Kevin, jovem advogado do interior da Flórida, nunca perdeu um caso. Sua reputação chama a atenção de John Milton (Pacino), chefão de uma firma de advocacia em Nova York que parece ter a chave de todos os cofres — e de todas as almas. A escalada profissional do rapaz vem acompanhada de luxos e excessos, mas também de rachaduras na vida pessoal e moral. No subtexto, o filme é um tratado sobre como a ambição sem freio não só corrompe, mas transforma a integridade em pó de mármore.

“O ponto mais provocativo do filme não é o diabo com nome de presidente americano (John Milton, em referência ao autor de Paraíso Perdido), mas a mensagem incômoda de que ele não precisa sujar as mãos para corromper.”

Há que se reconhecer: O Advogado do Diabo é tão teatral quanto plausível. A atuação de Pacino é uma missa negra de carisma e cinismo, enquanto Reeves entrega um Kevin dividido entre o amor pela esposa Mary Ann (Charlize Theron) e a fome de glória. A fotografia, saturada de tons quentes e ambientes suntuosos, cria um contraste simbólico entre a sedução do poder e a frieza do vazio moral. Tudo soa familiar porque, em essência, a narrativa fala de um dilema humano ancestral: a escolha entre a ética e a vantagem imediata.

E se em 1997 a história já parecia um exagero satânico do mundo corporativo, em 2025 o filme funciona quase como um documentário de época. O glamour tóxico do poder, a retórica afiada de quem manipula leis para torcer a realidade, a tentação de “vencer” a qualquer custo — tudo isso ainda está no cardápio diário das elites políticas, financeiras e jurídicas. A diferença é que, hoje, não é preciso encontrar o diabo numa sala luxuosa: ele pode estar respondendo mensagens no WhatsApp.

Entre a tentação e o contrato

O ponto mais provocativo do filme não é o diabo com nome de presidente americano (John Milton, em referência ao autor de Paraíso Perdido), mas a mensagem incômoda de que ele não precisa sujar as mãos para corromper. Basta criar um ambiente onde o sucesso vale mais do que a consciência, e o resto se resolve sozinho. A tentação, no caso de Kevin, é menos sobre dinheiro e mais sobre provar a si que é invencível — uma vaidade que, no fundo, é a mais eficiente das armadilhas.

Leia ou ouça também:  Cassiano Gabus Mendes: o último ato

O roteiro joga o espectador contra o próprio espelho. Ao acompanhar Kevin, é difícil não se perguntar: “E eu? Qual seria o meu preço?”. O diabo de Pacino não grita nem bate o pé à toa; ele ri, observa e oferece, sem jamais obrigar. A sedução está em deixar que a vítima sinta que tomou todas as decisões. É a corrupção com luvas de veludo, um mal que não precisa forçar portas, apenas deixá-las destrancadas.

Culturalmente, o filme também serve como lembrete de que a ficção jurídica de Hollywood — sempre com tribunais impecáveis e advogados engomados — é mais um espetáculo do que um retrato fiel da justiça. Mas Hackford, aqui, subverte o glamour habitual: não importa quão bem-vestido esteja o advogado, a lama sob o terno é a mesma.

A crítica mais mordaz, porém, está no desfecho circular, em que Kevin parece ter aprendido a lição… apenas para cair de novo na armadilha, sob outra roupagem. É a insinuação de que a natureza humana é recidiva, que o orgulho é um vírus com altíssima taxa de reinfecção.

O Advogado do Diabo é um raro exemplar que mantém o aroma intacto (Foto: HBO)
O Advogado do Diabo é um raro exemplar que mantém o aroma intacto (Foto: HBO)

Assistir a O Advogado do Diabo em 2025 é, portanto, mais do que revisitar um clássico: é constatar que, se o diabo existe, ele está muito confortável, pois, não precisa mais oferecer nada em troca. Nós já chegamos com o contrato assinado.


Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Facebook Comments

Anúncios
Acessar o conteúdo
Verified by MonsterInsights