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O vibrador de abelhas de Cleópatra

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Dizem as más línguas — e os historiadores entediados — que Cleópatra, entre governar impérios e seduzir generais com a facilidade de quem manda no Nilo, teria inventado um brinquedo sexual rudimentar que hoje chamamos, com o romantismo tecnológico do capitalismo tardio, de vibrador. Segundo o folclore, ela enchia uma pequena cabaça com abelhas vivas, lacrava o recipiente e deixava que os insetos, furiosos, vibrassem o artefato com a intensidade da luxúria egípcia. Obviamente, ninguém tem certeza de nada, mas a história é irresistível. Não porque revela uma rainha libidinosa, mas porque expõe nossa fascinação contemporânea por imaginar o passado com o fetiche do presente: gostamos da ideia de Cleópatra como uma espécie de Elon Musk do erotismo, desenhando protótipos enquanto planeja guerras.

A parte mais deliciosa desse folclore não é o teor sexual, mas o exagero histórico. Cleópatra, para muitos, foi reduzida a um estereótipo: a sedutora fatal, a mulher que dominou o mundo com a inteligência da coxa. E quando uma lenda dessas surge, reforçando a sexualização quase caricata, ela encontra terreno fértil num imaginário que prefere a fofoca ao arquivo. É como se o legado político e cultural de uma das mulheres mais influentes da Antiguidade fosse insuficiente sem um capítulo picante que justifique o fascínio. É a lógica universal do entretenimento: “uma rainha que governou impérios não é suficiente — precisa tremer.”

“O folclore sobre o “vibrador de abelhas” é também um lembrete de como a invenção popular pode ser mais criativa que a historiografia. Não há documento que confirme a existência do objeto, e dificilmente existirá. Mas há uma compulsão coletiva por imaginar o passado com um viés que nos divirta. É a arte de inventar ruínas com luz neon.”

Mas há algo ainda mais curioso nessa mitologia erótica. Ela espelha o desconforto histórico com a sexualidade feminina. Quando se inventa uma história desse calibre, não é tanto para admirar a criatividade de Cleópatra, mas para explicá-la, domesticá-la, reduzi-la a algo reconhecível: “ah, então é por isso que ela era tão poderosa, veja só, tinha um truque mágico.” O corpo feminino vira tecnologia militar, arma diplomática e ferramenta de manipulação — sempre útil quando se quer escapar da verdade mais incômoda de todas: ela era inteligente, política, culta e extremamente eficiente. A lenda das abelhas serve, portanto, como um dispositivo de contenção simbólica, mesmo travestido de fantasia erótica.

E, claro, há o pitoresco aspecto zoológico da coisa. Alguém realmente acreditaria que a rainha do Egito, detentora de riqueza, ciência e acesso a filósofos, cientistas e inventores, precisasse recorrer a um enxame de abelhas para chegar lá? O anacronismo é tão absurdo que vira poesia involuntária. É como imaginar Júlio César usando um micro-ondas para esquentar o jantar ou Marco Antônio clicando em “curtir” em papiros interativos. É a modernidade tentando colonizar o passado com o delírio humorado de quem bebeu demais.

Quando o boato vale mais que o fato

O que torna essa lenda tão resistente não é a plausibilidade, mas o benefício narrativo. Cleópatra é uma figura magnética justamente porque encarna a fusão entre poder e transgressão, e a história das abelhas entrega uma metáfora pronta, cartonada, fácil de digerir. De um lado, a mulher que governa; do outro, a mulher que goza. E, para o imaginário popular, a segunda é sempre mais interessante — ou, ao menos, mais vendável.

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A cultura contemporânea tem um vício de sexualizar o passado de forma cômica e pornográfica, como se o sexo fosse o único tradutor universal das motivações humanas. É uma forma de apropriação cultural emocionalmente eficiente: não sabemos o que pensavam os egípcios, mas sabemos o que pensamos quando ouvimos “vibrador.” A história vira um parque temático do desejo moderno, e Cleópatra, que viveu cercada de intrigas, alianças geopolíticas, guerra civil e diplomacia sofisticada, vira uma influencer do erotismo.

O folclore sobre o “vibrador de abelhas” é também um lembrete de como a invenção popular pode ser mais criativa que a historiografia. Não há documento que confirme a existência do objeto, e dificilmente existirá. Mas há uma compulsão coletiva por imaginar o passado com um viés que nos divirta. É a arte de inventar ruínas com luz neon. Não queremos saber o que realmente aconteceu — queremos a versão que renderia cliques, curtidas e emojis de fogo.

Ao mesmo tempo, a história nos mostra como a figura de Cleópatra continua sendo apropriada, moldada e sexualizada conforme as ansiedades da época. Se a era vitoriana a transformou em femme fatale exótica; Hollywood a transformou em Liz Taylor, rainha vamp; a era digital a transforma em meme: a monarca que descobriu o sex toy antes da bateria recarregável.

Gostamos da rainha Cleópatra como uma espécie de Elon Musk do erotismo (Foto: wiki)
Gostamos da rainha Cleópatra como uma espécie de Elon Musk do erotismo (Foto: wiki)

No fundo, o vibrador de abelhas funciona como metáfora do nosso romance com o exagero: preferimos a lenda ao legado, o boato ao fato, a abelha ao governo. E quem poderia culpá-la? Afinal, até as abelhas sabem que, no fim, a história que vibra mais alto é sempre a que ganha.

Última atualização da matéria foi há 1 semana


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