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Padres, freiras e a libido oculta

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A castidade é uma dessas instituições que, no papel, parece uma catedral moral perfeita: paredes altas, vitrais de disciplina, silêncio puro entre colunas de devoção. Mas, como tudo que diz respeito à vida humana, a teoria sempre se contorce quando encontra a carne. Padres e freiras, afinal, não deixam seus corpos na porta do convento. Não desmaiam seus hormônios em água benta. Não armazenam seus desejos em relicários trancados com três chaves. A libido é uma entidade persistente, quase teimosa, que se infiltra em horas de oração, madrugadas insones e confissões internas que ninguém escuta. A questão não é moralizar o instinto, mas encarar o que se prefere evitar: o religioso também é animal.

O tabu em torno do assunto funciona como um muro de silêncio. E muro alto, convenhamos, é convite para gente espiar por cima. Quando se fala em “libido clerical”, entram imaginários que variam entre o sagrado e o profano, entre o romantizado e o vulgar. Há quem veja nesse tema apenas escândalo sexual — e qualquer busca rápida confirma que, quando quebra, o sigilo da castidade muitas vezes respinga em tragédias éticas. Mas há também uma dimensão menos visível, a do cotidiano íntimo: como é viver décadas sem tocar, sem ser tocado, sem explorar o próprio desejo? Como é negociar com o corpo quando o voto exige que ele seja silêncio?

“O tabu não protege ninguém — apenas impede a conversa que poderia humanizar o sagrado em vez de criminalizá-lo ou transformá-lo em produto. Porque, quer a Igreja queira ou não, o corpo fala. E, quando silenciado, ele fala mais alto.”

Não existe resposta homogênea porque não existe libido homogênea. Alguns encontram sublimação no trabalho pastoral; outros no ativismo social; outros transformam sua energia sexual em afetos comunitários intensos, às vezes até demais. Há também aqueles que travam batalhas diárias e tortuosas, com momentos de vitória e recaídas que ninguém vê. Conversas privadas entre teólogos, psicólogos e padres veteranos revelam uma espécie de “ética da gestão interna”: exercícios, rotinas, meditação, afastamento de estímulos, acompanhamento entre pares. Mas tudo isso ainda opera sob a sombra da repressão, nunca da compreensão.

E aí entra o fator menos comentado — quando o interdito se torna fetiche. Não pela Igreja, mas pelo mercado. A indústria adulta percebeu há décadas que o imaginário do proibido é combustível erótico poderoso. E assim surgiram categorias inteiras baseadas em fantasias de freiras tentadas, padres sedutores, conventos que mais parecem novelas noturnas de mau gosto. A exploração comercial desse tabu opera como um espelho distorcido e grotesco: enquanto instituições religiosas tentam controlar o desejo, a indústria pornográfica o multiplica e revende embalado em fantasia moral invertida. Não é coincidência: aquilo negado com veemência quase sempre se torna um objeto de fascínio coletivo.

Entre o voto e o corpo: o conflito permanente

Quando analisamos o fenômeno sem o riso fácil e sem a condenação automática, percebemos que o problema central está no modelo de celibato obrigatório. Ele supõe uma uniformidade psíquica que não existe. Espera-se que homens e mulheres renunciem não apenas ao sexo, mas à intimidade emocional profunda que o sexo frequentemente acompanha. Não é apenas a carne que se restringe: é o afeto. E o afeto, quando comprimido, busca saídas subterrâneas. Daí surgem paixões platônicas intensas, vínculos transferenciais, segredos que se tornam pesadelos.

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Não se trata de sugerir que todo padre ou freira vive em tormento, ou que o celibato é impossível. Para muitos, ele faz sentido como forma de entrega total à comunidade, à espiritualidade, ao estudo. Mas para outros — e são muitos — trata-se de uma renúncia que se torna ferida permanente, um conflito entre vocação e fisiologia. Quando a instituição se recusa a falar sobre o tema, o que se cria é uma cultura de silêncio e, pior, de culpa. E culpa é o tipo de fogo que não ilumina, apenas queima.

Enquanto isso, do lado de fora, seguimos consumindo imagens e fantasias sobre essa mesma renúncia. Talvez porque, no fundo, a libido dos religiosos nos confronta com algo incômodo: se até aqueles que dedicaram a vida ao divino não escapam dos desejos da carne, então ninguém escapa. Somos todos menos anjos do que gostaríamos — e mais semelhantes uns aos outros do que admitimos.

Enquanto isso, seguimos consumindo imagens e fantasias sobre essa renúncia (Foto: Wiki)
Enquanto isso, seguimos consumindo imagens e fantasias sobre essa renúncia (Foto: Wiki)

No fim, a questão talvez não seja se padres e freiras sentem desejo, mas por que fingimos que não sentem. O tabu não protege ninguém — apenas impede a conversa que poderia humanizar o sagrado em vez de criminalizá-lo ou transformá-lo em produto. Porque, quer a Igreja queira ou não, o corpo fala. E, quando silenciado, ele fala mais alto.


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