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Paleta feminina: cores e mudanças

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Nos últimos anos, o uso de paletas cromáticas consideradas “femininas” na decoração e no design de interiores tem deixado de ser apenas uma tendência para se firmar como uma estratégia deliberada de transformação de espaços. Tons como rosa millennial, lavanda, nude, coral suave, verde-menta e amarelo pálido passaram a integrar o vocabulário estético não só de residências, mas também de escritórios, cafés, lojas e até ambientes corporativos de setores tradicionalmente masculinos, como a engenharia e a tecnologia.

A mudança não é superficial — ela fala de um novo paradigma de design que reconhece o poder simbólico das cores e sua influência sobre a percepção dos espaços e das pessoas que os habitam. Mas será que estamos, de fato, diante de uma revolução estética com profundidade, ou apenas diante de uma apropriação estilizada de uma estética antes marginalizada?

“Em tempos nos quais a arquitetura e o design estão cada vez mais conectados com a ética, a saúde e o bem-estar, pensar a paleta feminina é pensar como o simbólico molda o real.”

Historicamente, tons suaves associados ao universo feminino foram relegados ao campo do pueril, do frágil e do decorativo. No entanto, na década atual, especialmente após a pandemia, designers e arquitetos começaram a reinterpretar essas cores à luz de novos valores: acolhimento, tranquilidade, empatia e bem-estar emocional. O lar deixou de ser apenas um espaço funcional e passou a ser também um refúgio psíquico. Nessa mudança, as paletas femininas mostraram sua força.

O rosa, por exemplo, tradicionalmente ligado à infância feminina, ganhou múltiplas camadas de sentido. O rosa blush, o millennial pink ou o rosa seco agora ocupam paredes inteiras, tetos, mobiliários, e são combinados com materiais como concreto, madeira bruta e aço escovado. Essa convivência entre o delicado e o industrial sinaliza uma mudança mais profunda: o feminino não mais precisa ser submisso ou complementar. Ele pode ser central, estrutural, e, ao mesmo tempo, elegante e poderoso.

Da delicadeza ao impacto: por que cores “femininas” mudam tudo

O mesmo vale para o lavanda e o lilás, que evocam uma estética mais espiritual, ligada ao bem-estar, à aromaterapia e aos cuidados com a saúde mental. Esses tons, antes vistos como “adolescentes”, são hoje recursos sofisticados para compor ambientes sensoriais — em clínicas terapêuticas, spas urbanos, apartamentos compactos e coworkings alternativos.

Por trás da explosão dessas cores está também o avanço de movimentos sociais que discutem gênero, identidade e representatividade no design. A estética feminina — antes tida como menor — passou a ser valorizada como símbolo de inclusão e sensibilidade.

Contudo, esse processo não escapa à crítica. Há quem questione se a inserção das cores “femininas” na decoração não seria apenas uma estratégia de marketing — mais um exemplo de “pinkwashing” (a apropriação estética do feminino com fins comerciais, sem compromisso real com as pautas de equidade). De fato, grandes marcas de decoração passaram a lançar linhas “delicadas” voltadas ao público feminino, em que o discurso da liberdade de escolha convive com padrões reforçados de gênero. Seria uma emancipação estética ou apenas uma nova embalagem para o mesmo velho estereótipo?

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Além disso, a hipervalorização do rosa e suas variações levanta outro ponto: será que a ideia de feminino ainda está excessivamente atrelada à suavidade e à doçura? Onde cabem o feminino raivoso, o disruptivo, o escuro? Uma paleta verdadeiramente emancipadora deveria incluir tons de vinho profundo, preto, azul-petróleo e verde musgo. A complexidade do feminino vai além da delicadeza.

No entanto, seria injusto desprezar os impactos positivos dessa estética nos espaços e nas pessoas. Estudos recentes em neuroarquitetura indicam que cores como rosa e lavanda podem reduzir os níveis de cortisol, melhorar o foco e aumentar a sensação de conforto. Em ambientes como hospitais pediátricos, creches, consultórios e mesmo casas de repouso, a paleta feminina pode ser um recurso terapêutico legítimo.

Paletas cromáticas consideradas “femininas” ganham vários mercados (Foto: Google)
Paletas cromáticas consideradas “femininas” ganham vários mercados (Foto: Google)

O ponto de equilíbrio talvez esteja na intenção do projeto e na diversidade das escolhas. A presença de cores tradicionalmente femininas nos ambientes pode, sim, representar avanço — desde que não seja fruto apenas de uma imposição de tendência, mas de uma decisão crítica, contextual e aberta à pluralidade. Afinal, o feminino não é uma paleta — é uma constelação de experiências.

Em tempos nos quais a arquitetura e o design estão cada vez mais conectados com a ética, a saúde e o bem-estar, pensar a paleta feminina é pensar como o simbólico molda o real. Uma parede rosa pode parecer apenas decorativa, mas às vezes é um manifesto silencioso contra a rigidez estética que marcou gerações. E se isso for feito com consciência e liberdade criativa, então as cores — essas sim — estarão de fato mudando ambientes e mentalidades.

Última atualização da matéria foi há 4 meses


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