Renato Mandaliti analisa os caminhos do judiciário
O brasileiro se tornou um povo litigante, onde tudo se resolve na esfera judiciária, sobretudo pela dificuldade das empresas de resolverem suas situações conflituosas antes de se tornarem processos judiciais, que acabam por ocupar, de forma excessiva e, eventualmente, desnecessária, a esfera do Judiciário. E esta ocupação maciça do Judiciário, por este contencioso, dificulta que outras demandas da sociedade sejam tratadas com a atenção que merecem e causa extrema morosidade da Justiça. De acordo com o advogado Daniel Mello, o volume de processos que atola o sistema judiciário poderia ser menos se as partes envolvidas utilizassem mecanismos para identificar as reais motivações das ações e propusessem soluções que evitassem a judicialização dos casos. As Operações Legais, ou “Legal Operations” em inglês, compõem uma metodologia aplicada nas empresas que cobre todas as áreas da gestão jurídica e utiliza tecnologia de ponta para colocar o cliente no centro da experiência, diminuindo o número de processos e minimizando seus custos para a organização. Através da aplicação da metodologia de Operações Legais é possível alavancar resultados operacionais e financeiros de empresas e profissionais de serviços jurídicos. “As Operações Legais têm o propósito de criar um ambiente de excelência para execução das atividades inerentes à advocacia”, afirma o CEO da Finch Soluções, Renato Mandaliti.
A Finch surgiu em 2013. Qual o grande insight para o surgimento da empresa?
A Finch nasceu com a ideia de revolucionar as atividades e os processos relacionados à gestão do contencioso de massa do maior escritório de advocacia do Brasil à época (em número de advogados), o JBM Advogados, com a finalidade de aumentar sua produtividade e seus ganhos de eficiência.
Em seguida, a partir de 2015, a empresa iniciou um processo acelerado de crescimento, conquistou novos clientes e adquiriu outras empresas de tecnologia de ponta, expandindo sua área de atuação para se tornar uma tech-enabled-service company, que utiliza uma plataforma de soluções que combina tecnologia e pessoas para otimização de grandes volumes de fluxos recorrentes, manuais e de baixo valor agregado.
Quais os grandes pilares da Finch?
A Finch atua em três pilares:
Automatização de atividades (soluções para backoffices): Através da automação de fluxos, a plataforma Finch auxilia na redução de custos, além de aumentar a produtividade e a eficiência da área jurídica em até 35%. As soluções jurídicas constituem módulos especializados neste segmento e incluem: captura de novas ações, cadastro automatizado, elaboração automática de peças jurídicas, gestão de ofícios, processos judiciais, acordos, custas, reembolsos, alvarás e de atividades pré-litígio. A plataforma também permite a aplicação de suas soluções a backoffices de qualquer segmento de mercado e incluem geração automática de narrativas, cadastro automatizado, gestão de transações, ofícios, fluxos e demais processos de backoffice.
Jurimetria: Consiste no entendimento de dados estruturados e não estruturados, para tomada de decisões estratégicas de negócio. Através da coleta, do tratamento e da transformação de dados em conhecimento, a Finch utiliza a jurimetria para analisar e interpretar as informações jurídicas e recomendar decisões assertivas, que ajudam a criar estratégias vencedoras de negócios e agregam valor substancial para seus clientes.
Legal Operations (Operações Legais): Compreende o desenvolvimento e a aplicação de metodologia proprietária para otimizar a performance de empresas e profissionais de serviços jurídicos, alavancando resultados operacionais, financeiros e contábeis de departamentos jurídicos e escritórios de advocacia. É uma atividade de consultoria que consiste em organizar e sistematizar todas as competências de atividades ligadas a serviços jurídicos, conectados entre si e com o Poder Público (Judiciário).
E os grandes diferenciais?
O grande diferencial da Finch é seu profundo conhecimento de gestão da área jurídica, pois, nasceu de um escritório de advocacia. Nossos profissionais conhecem as necessidades dos clientes e suas soluções agregam valor efetivo. Outro diferencial importante é a abrangência das soluções, uma vez que os clientes não precisam combinar ferramentas de vários provedores para atendimento de suas necessidades. A Finch é um “one-stop shop” para departamentos jurídicos e escritórios de advocacia.
A Finch é uma empresa pioneira, já que criou o primeiro app jurídico e o primeiro robô de automação jurídico. Essas inovações foram revolucionárias em sua visão?
O JBM Advogados foi pioneiro em muitas soluções de gestão da área jurídica. O aplicativo e o primeiro robô de automação foram colocados em prática em 2012 pelo escritório. Estas e outras soluções foram transferidas para a Finch na sua criação, que também importou a cultura da inovação. Ao mesmo tempo, em que foram revolucionárias, essas e outras inovações não foram bem compreendidas pelo mercado jurídico na época, que enxergava nelas a diminuição da importância dos profissionais do direito. Todavia, felizmente, o tempo mostrou que não se buscava diminuir a importância, nem substituir o profissional do direito, mas sim seu aperfeiçoamento a partir da aquisição de novas habilidades para adaptação a um novo mundo que surgia.
Foi a partir dessas inovações que surgiu o interesse pela chamada computação cognitiva?
Para nós, a inovação sempre foi um traço cultural muito marcante. Em 2012, antes mesmo da criação da Finch, já havíamos começado a investir no desenvolvimento e aplicação da Inteligência Artificial no mundo jurídico. Este interesse nasceu a partir de uma necessidade operacional: a elaboração de cartas de auditoria em que se fazia necessário estabelecer a probabilidade de perda para cada um dos milhares de processos judiciais repetitivos. Basicamente, a solução passava pelo desenvolvimento de um sistema computacional que fizesse a predição automática de probabilidade de perda em processos judiciais repetitivos e esse sistema envolvia a aplicação de técnicas de Inteligência Artificial não muito divulgadas na época.
Em que momento começa o investimento da Finch em Inteligência Artificial?
Para criação da Finch em 2013, transferimos do JBM Advogados todas as pessoas e ativos envolvidos na execução das atividades não privativas de advogado, incluindo os softwares de fluxos e de gestão de processos, os robôs de automação e os algoritmos de Inteligência Artificial desenvolvidos até então.
Nessa época, o Mandaliti Advogados recebeu uma demanda curiosa: encontrar e catalogar todas as decisões judiciais dos últimos dez anos proferidas em processos movidos contra operadoras de saúde envolvendo aplicação de multa diária, litigância de má-fé e danos morais. Afora a dificuldade na criação desse banco de dados, a captura inicial das decisões foi feita pelos robôs de automação e, posteriormente, com ajuda de 25 advogados, chegamos a uma base de 13.372 decisões judiciais sobre os temas pesquisados. Tendo a base em mãos, os 25 advogados demoraram 45 dias para classificar cada uma das decisões levando-se em conta a comarca, o número do processo, a vara, o juiz, a decisão, o valor envolvido, etc.
Nesse momento, já tínhamos na Finch uma versão inicial de um sistema baseado em machine learning que poderia ser utilizado para ler e interpretar documentos, mas que precisava ser previamente treinado. Então, selecionamos 1 advogado entre os 25 para treinar a máquina durante 3 dias. Após o treinamento, a máquina demorou aproximadamente 14 horas para processar e estruturar as 13.372 decisões e extrair informações como juiz vara, comarca, decisão, etc. A grande surpresa foi a máquina ter alcançado em algumas informações 92% de acuracidade em comparação ao trabalho feito pelos 25 advogados. Assim, percebemos que havíamos encontrado algo bem interessante e que precisava ser melhor desenvolvido.
A classificação e a interpretação de documentos jurídicos vêm daí?
Sim. A classificação e a interpretação de documentos representam atividades de estruturação de dados. Em geral, decisões judiciais e documentos jurídicos contêm dados não estruturados e que precisam ser estruturados para uma análise mais efetiva. Esta é uma das aplicações de Inteligência Artificial que fazemos na Finch.
Outra aplicação de Inteligência Artificial utilizada na Finch consiste na predição de resultados de ações judiciais (jurimetria). Uma vez conhecido o histórico e estruturados os dados de decisões judiciais, nosso módulo de jurimetria extrai padrões e estabelece tendências, como resultados de julgamentos, possíveis valores de condenação, de provisionamento, momentos mais adequados para realização de acordos e seus valores.
Como as Operações Legais fazem parte desse ecossistema?
As Operações Legais têm o propósito de criar um ambiente de excelência para execução das atividades inerentes à advocacia. Tais atividades são complexas, pois, precisam equilibrar o bom atendimento aos clientes e a pressão por resultados no ambiente empresarial. Neste contexto, existem muitas iniciativas e cada vez mais ofertas de soluções para consumo por profissionais do mundo jurídico. Entretanto, assegurar que a solução mais adequada e eficiente seja a adotada em cada caso ainda não é uma realidade encontrada com frequência. As Operações Legais estabelecem uma metodologia baseada em áreas de atuações estratégicas para priorização do que deve ser feito em primeiro lugar diante do contexto de cada departamento jurídico e escritório de advocacia, com foco em resultado e eficiência.
As Operações Legais estão quebrando paradigmas?
Sim. Primeiro, diante da grande incerteza para tomada de decisões em cenários jurídicos cada vez mais complexos, a área oferece práticas de gestão jurídica orientada por dados e fatos obtidos com aplicação de jurimetria, por exemplo.
Segundo, as Operações Legais tornam a inovação cada vez mais presente no cotidiano jurídico, promovendo interações eficientes entre os agentes do chamado ecossistema jurídico que eliminam gargalos operacionais, como interações com o Poder Judiciário baseadas em automação.
Por fim, Operações Legais rompem o conceito equivocado de que inovar em gestão jurídica significa, necessariamente, utilizar robôs e tecnologias novas como panaceia para todos os problemas. Nossa metodologia parte do princípio de que a tecnologia se destina a resolver determinados problemas e a dar respostas seguras para certas hipóteses formuladas, mas a compreensão desse cenário, a definição de prioridades, os métodos de trabalho e as interações entre as diferentes pessoas envolvidas na operação serão algo inerente à natureza humana por muito tempo.
Muitas empresas brasileiras já utilizam as Operações Legais?
Muitas empresas utilizam conceitos e práticas de Operações Legais no seu dia a dia, mas nem sempre têm a dimensão clara do que estão fazendo e quais devem ser os próximos passos. Assim, muitas vezes, elas estabelecem fluxos operacionais ou práticas que garantem segurança e governança jurídica, dada a sensibilidade dos temas sob sua responsabilidade, mas nem sempre exploram esse aspecto em todas as dimensões inerentes as Operações Legais.
Por exemplo, a maioria dos departamentos jurídicos entrega ao departamento financeiro de suas empresas pareceres e relatórios de processos que são considerados suficientes para a realização de provisões para contingências. Esse é um elemento básico de Operações Legais. Todavia, boa parte dessas empresas não conhece exatamente as principais causas por trás dessas contingências jurídicas, não possui indicadores de desempenho claros para acompanhá-las ou tão pouco produz informações estratégicas para aprimoramento do tratamento do tema. Com isso, as Operações Legais surgem em um contexto no qual os desafios que já estão presentes no cotidiano jurídico são tratados por uma perspectiva mais abrangente e, principalmente, orientada por resultados.
Existe alguma dificuldade para uma maior implementação dessa metodologia?
A maior dificuldade reside ainda na sensibilidade dos temas sob responsabilidade dos gestores jurídicos, pressão por redução de custos e melhora de performance, tudo ao mesmo tempo. Acaba sendo difícil para esses profissionais dedicarem tempo e recursos para atuar com inovação e iniciar uma atuação orientada por Operações Legais.
Existe ainda uma quantidade crescente de legaltechs apresentando a sua solução jurídica como sendo a melhor forma, senão a única, para resolver questões complexas de gestão jurídica. Uma grande parte dessas legaltechs está fazendo um trabalho fantástico e propondo formas muito criativas para enfretamento de problemas cotidianos da gestão jurídica.
Contudo, ainda há muito a ser feito, aproveitando as práticas atuais adotadas por departamentos jurídicos e escritórios de advocacia que tangenciam as Operações Legais para, então, potencializar os resultados dessas práticas com soluções construídas para o caso em concreto. As Operações Legais proporcionam um ambiente de excelência para a prática da advocacia e, neste aspecto, propõem-se a adaptar a solução ao desafio enfrentado, e nunca o contrário.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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