Rolf Kuntz fala do coma político em nossa nação
Rolf Kuntz é livre docente em Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista do jornal “O Estado de S. Paulo”. É autor dos livros “François Quesnay: economia” (Atica, 1984), da coleção Grandes Cientistas Sociais, “Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista” (Max Limonad, 2002) e “Capitalismo e Natureza – ensaio sobre os fundadores da economia política” (Brasiliense, 1982). Kuntz é mestre e doutor em Filosofia pela USP. Tem interesse especial pela obra de David Hume, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adam Smith. “Há o reconhecimento do problema e a promessa de enfrentá-lo, mas nenhum sinal claro de como isso será feito. Não se conhece um plano organizado de ataque à questão fiscal, seja na administração orçamentária, seja na formulação e apresentação de reformas. Políticos e analistas comentam as dificuldades políticas e o desafio das negociações com partidos, mas pouco se tem falado, dentro e fora da equipe de Governo, sobre o desenho da reforma da Previdência. Quanto a vender estatais ou usar reservas em moeda estrangeira para reduzir a dívida pública, parece-me um equívoco. Só tem sentido liquidar patrimônio para diminuir o endividamento quando há um plano claro e bem orientado de ajuste, como se tem feito na Petrobras e em algumas grandes empresas privadas”, avalia o escritor e jornalista.
Quais as maiores virtudes que enxerga no Governo Bolsonaro?
Para começar, vejo pouquíssimas virtudes. As mais importantes são o reconhecimento da crise fiscal e a escolha de algumas pessoas promissoras para a área econômica. Mas nem a seleção dessa equipe foi baseada só em critérios técnicos. A ideologia é visível, por exemplo, na preferência dada a economistas com passagem por Chicago. Afinal, Harvard, Colúmbia e Stanford serão ninhos de comunistas incompetentes, como devem ser, na opinião dos bolsonarianos, as universidades brasileiras de maior renome!
Os seus conselheiros podem ser considerados o seu grande “Calcanhar de Aquiles?”.
O Calcanhar de Aquiles de Bolsonaro é ele mesmo. Ou, se quiser algo mais amplo, pense em sua família. Um de seus filhos posou usando boné da campanha de reeleição de Donald Trump e indicou dois dos mais assustadores componentes da equipe, os ministros das Relações Exteriores e da Educação. Por enquanto, os generais do primeiro escalão ministerial são as garantias mais visíveis de algum respeito a princípios da democracia liberal e a algum bom senso na área externa.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil. A aproximação do novo Governo com Washington, pode desequilibrar em algum sentido essa relação que se mostrou bastante proveitosa até aqui?
O risco não está na aproximação com Washington, mas na subordinação aos padrões políticos de Donald Trump, custosos para os Estados Unidos (veja os danos do protecionismo a setores importantes da indústria americana) e desastrosos para a ordem multilateral. Toda ameaça ao multilateralismo é um risco também para o Brasil, mas isso parece muito acima da percepção de Bolsonaro e de seu exército sub-brancaleônico.
Quais as maiores ameaças externas que podem atrapalhar o Governo Bolsonaro em seu início de mandato?
As maiores ameaças, por enquanto, são o aperto monetário nos Estados Unidos (e logo mais na União Europeia e no Reino Unido) e as tensões comerciais. Essas tensões já afetaram o comércio internacional e o crescimento global neste ano. Mas poderão produzir efeitos piores, se a guerra comercial se intensificar. Qual será a duração da trégua negociada em Buenos Aires por Donald Trump e Xi Jinping? Em prazo mais longo, o enfraquecimento da ordem multilateral poderá ampliar a insegurança comercial e talvez financeira e comprometer seriamente o crescimento global.
O principal problema do Brasil é fiscal. Existe algum sinal que o Governo eleito está preparado para combater esse grave problema?
Há o reconhecimento do problema e a promessa de enfrentá-lo, mas nenhum sinal claro de como isso será feito. Não se conhece um plano organizado de ataque à questão fiscal, seja na administração orçamentária, seja na formulação e apresentação de reformas. Políticos e analistas comentam as dificuldades políticas e o desafio das negociações com partidos, mas pouco se tem falado, dentro e fora da equipe de Governo, sobre o desenho da reforma da Previdência. Quanto a vender estatais ou usar reservas em moeda estrangeira para reduzir a dívida pública, parece-me um equívoco. Só tem sentido liquidar patrimônio para diminuir o endividamento quando há um plano claro e bem orientado de ajuste, como se tem feito na Petrobrás e em algumas grandes empresas privadas. Sem o plano, ativos serão queimados e a dívida voltará a crescer.
Vamos voltar ao cenário internacional. Com a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, acordos com países árabes podem ser quebrados ou na hora do “vamos ver” (e do que podemos perder comercialmente falando) essas arestas serão aparadas?
A ideia de mudar a embaixada é mais uma bobagem de um grupo despreparado e um tanto abobalhado diante das funções de Governo. Algum membro desse grupo sub-brancaleônico terá perguntado quanto o Brasil ganhará e quanto poderá perder com esse lance? O próprio Trump terá feito esse cálculo? Quantos Governos tomaram esse caminho até hoje? Cabe ao Governo brasileiro andar atrás de Trump como um cachorrinho obediente? O mesmo tipo de estupidez e imprevidência é ostensivo na ideia de um possível abandono do Acordo de Paris e no palavrório antiglobalista balbuciado por gente da equipe.
O senhor disse em um artigo em julho passado, que o Governo será o mais inovador da história nacional se conseguir trazer o Brasil para o século XXI. Podemos sonhar com essa possibilidade neste momento?
Seria preciso um enorme otimismo, ou irrealismo, para sonhar com isso neste momento. Quando se vêm as preocupações manifestadas por Bolsonsaro e por seu ministro da Educação, é mais fácil pensar no Processo dos Macacos, de 1925, quando um professor foi levado a um tribunal, no Tennessee, por ensinar a teoria da evolução numa escola estadual. O professor foi condenado, apesar do enorme esforço do advogado Clarence Darrow, mas o processo expôs nacional e internacionalmente o surto provinciano de estupidez. Já precisamos de um Sobral Pinto e de um Raymundo Faoro no período militar. Precisaremos de um Clarence Darrow?
Quais serão as principais diretrizes para isso ocorrer?
Para evitar uma resposta enorme, vamos indicar só algumas condições básicas: 1. arrumação das finanças públicas (incluída a reforma da Previdência; 2. reestruturação do orçamento e melhor uso de recursos do Tesouro; 3. enorme volume de investimentos em infraestrutura, com mobilização de capitais privados; 4. ampliação e modernização da capacidade produtiva das empresas: 5. abertura comercial para integração nas cadeias globais de produção e ganhos de produtividade: 6. muito mais investimentos — privados e públicos — em inovação; 7. menor burocracia e maior segurança jurídica para os negócios; 8. modernização do sistema tributário, hoje um entrave ao investimento e à competitividade; 9. Ampla revisão da política educacional, com recuperação dos níveis fundamental e médio e expansão de um ensino técnico voltado para a atualização tecnológica e o atendimento das novas demandas do sistema produtivo; 10. aprofundamento da reforma do ensino médio, com abertura de múltiplas possibilidades para os estudantes. Adoção de padrões internacionais (Pisa, por exemplo), para definição de metas. Itens como oferta de crédito a juros toleráveis surgirão como decorrência de um quadro fiscal mais saudável.
O desprezo ao Mercosul (mostrado principalmente pelo ministro Paulo Guedes logo após o triunfo eleitoral) foi um tiro no pé?
Qualquer manifestação desse tipo é um tiro no pé. Em alguns casos, como nas ameaças de adoção de diplomacia trumpiana, ocorrem tiros nos quatro pés.
A sua experiência como analista, faz crer que as reformas sairão do campo das intenções?
Que reformas? Não temos ainda propostas claras e razoavelmente definidas para a Previdência, para o sistema tributário ou para qualquer outra área importante. No caso da Previdência, a ideia de possível fatiamento para se conseguir algum avanço no começo do Governo é um detalhe relevante, mas insuficiente para caracterizar um projeto.
Ricardo Vélez Rodríguez, conseguirá tirar ou pelo menos dar um rumo para a “hibernação tropical” da educação nacional?
Se as preocupações ideológicas, moralistas e religiosas continuarem predominantes, a hibernação poderá converter-se em coma. Diante desse risco, vale a pena torcer pela manifestação de uma ampla incompetência administrativa. Se o Governo fracassar na execução de seus planos – daqueles indicados nas preocupações até agora manifestadas – o sistema educacional talvez escape do desastre.
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