Suicide Blonde: ode a Kylie Minogue?
Em setembro de 1990, o INXS lançava “Suicide Blonde”, single explosivo que antecipava o disco X, o sétimo da banda australiana. Com batidas pulsantes, gaita de boca distorcida, guitarras afiadas e o vocal sedutor de Michael Hutchence, a faixa marcou um momento de transição: o fim dos anos 80 e o anúncio de uma década onde o pop e o rock flertariam com a eletrônica, o cinismo e o fetiche de celebridade. Mas o que pouca gente sabia — ou preferiu ignorar — era que a canção era também uma homenagem cifrada a uma figura então emergente no mundo pop: Kylie Minogue.
Kylie, a “princesinha australiana” recém-saída das novelas (Neighbours) e em plena ascensão como estrela do pop fabricado de Stock Aitken Waterman, namorava Hutchence na época. E foi justamente ela quem inspirou o título da música, ao se referir ao tom de seu cabelo como “suicide blonde” — loiro suicida —, por conta de um clareamento feito pouco antes de um evento. Hutchence, enfeitiçado pela irreverência e pelo magnetismo da jovem cantora, teria levado a expressão para o estúdio. O resto é história — e alguma controvérsia.
“Mesmo com a referência direta a Kylie, a música jamais foi assumida oficialmente como “sobre ela”. Isso, no entanto, alimentou o mito. Hutchence e Kylie eram o casal sexy da Austrália, dois ídolos de mundos diferentes que se encontraram na intersecção da fama, da química e do caos.”
De maneira muito australiana (ou seja, com sarcasmo e libido), o INXS criou uma canção que fundia sensualidade, alienação e tensão. Os versos cantam uma figura feminina impetuosa, quase niilista, dona de si — um retrato que casa bem com o que Kylie começava a construir artisticamente, apesar da embalagem pop-polida dos produtores britânicos. O título, ambíguo e provocador, foi visto por alguns como de mau gosto, por outros como icônico. Em 1990, não se discutia tanto o impacto psicológico de nomes assim; em 2025, Suicide Blonde talvez nem chegasse a ser aprovada por um comitê de revisão de conteúdo. Mas naquele tempo, palavras como “suicide” ainda carregavam aura de glamour trágico, especialmente no rock.
Mesmo com a referência direta a Kylie, a música jamais foi assumida oficialmente como “sobre ela”. Isso, no entanto, alimentou o mito. Hutchence e Kylie eram o casal sexy da Austrália, dois ídolos de mundos diferentes que se encontraram na intersecção da fama, da química e do caos. Ele, o roqueiro libertino e fatal. Ela, a estrela pop recém-desencantada do universo teen. Juntos, eram gasolina e fósforo.
Um ícone sonoro, uma ironia visual
Musicalmente, Suicide Blonde foi inovadora. A introdução — uma amostra distorcida de gaita tocada por Charlie Musselwhite — conferia um toque blueseiro filtrado por sintetizadores. A guitarra dançante de Tim Farriss e a produção luxuosa de Chris Thomas (que já havia trabalhado com os Sex Pistols e Elton John) criaram um som moderno, com forte apelo comercial, mas sem perder a sofisticação que o INXS já cultivava desde Kick (1987).
O videoclipe, em preto e branco estilizado, trazia modelos, sensualidade e simbolismo enigmático — um passo à frente dos clipes coloridos e descompromissados da MTV da época. Nada ali era literal. Tudo era excesso e ambiguidade. O título, se era uma homenagem a Kylie, também funcionava como crítica à artificialidade pop, à estética da morte performática e ao esvaziamento de sentido na cultura de celebridades. A loira suicida era o ícone e o sintoma.
Mas seria Kylie Minogue esse ícone? Em partes. Ela era o ponto de partida, não o destino. Suicide Blonde não é uma canção sobre uma pessoa, mas sobre um arquétipo. Um retrato da mulher desejada, distante, fria, poderosa — uma espécie de diva decadente com vestígios de humanidade e muita encenação. Hutchence, com sua voz embriagada de libido e melancolia, canta como quem admira e teme essa figura. O pop sexualizado de Kylie — que viria a se tornar muito mais ousado nos anos 2000 — encontra ali seu espelho distorcido, seu duplo sombrio.
Hoje, com 35 anos de distância, ouvimos a canção com outros ouvidos. A estética do grunge, que logo chegaria para obliterar o hedonismo dos anos 80, parecia inconcebível diante do brilho sensual de Suicide Blonde. E ainda assim, a música antecipava o desencanto. O refrão repetitivo, quase obsessivo, martela uma ideia fixa: o fascínio pela superfície, pela imagem, pelo artifício. Isso a torna mais atual do que nunca, em tempos de filtros, algoritmos e vidas encenadas em redes sociais.
Se foi ou não uma ode a Kylie Minogue, talvez importe menos do que o fato de que Suicide Blonde capturou o espírito de um momento: o fim da inocência no pop. Uma loira platinada que talvez nunca tenha existido, mas que todos nós projetamos, desejamos ou tememos. A diva, o fetiche, o aviso.

E, como toda boa musa pop, Kylie sobreviveu ao título — e ao tempo.
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