Sua Página
Fullscreen

Bernd Bergmair: o ex-chefão da MindGeek

Anúncios
Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Poucos nomes na indústria adulta digital provocaram tanta curiosidade e silêncio calculado quanto o de Bernd Bergmair. Nascido em Linz, na Áustria, em 1968, filho de agricultores e educado em instituições tradicionais como a Johannes Kepler University Linz, Bergmair não parecia predestinado a ser o centro das atenções. E, de certo modo, não foi — preferiu sempre operar nas sombras. Mesmo assim, seu nome se tornou quase mitológico, associado à MindGeek, conglomerado que controlou gigantes como Pornhub e RedTube, símbolos do consumo massificado de pornografia online.

A trajetória de Bergmair é um manual de ascensão discreta. Dos corredores do Goldman Sachs em Nova York nos anos 1990 às aquisições estratégicas no universo digital, ele construiu um portfólio calculado. Em 2006, tornou-se proprietário do RedTube. Em 2013, vendeu o site para a então Manwin (mais tarde rebatizada de Aylo). Essa transação sinalizava um padrão: Bergmair não era um mero especulador, mas um estrategista de longo prazo, com olho clínico para setores subestimados e altamente lucrativos.

“No fim das contas, a biografia de Bernd Bergmair não é só um relato sobre um empresário austríaco discreto. É um espelho do capitalismo global em sua versão 3.0: redes anônimas de propriedade, intermediação financeira sofisticada, fortunas construídas em territórios cinzentos da lei e da moral.”

O mistério, porém, sempre foi seu modus operandi. Quando o Financial Times revelou, em dezembro de 2020, que “Bernard Bergemar” (nome usado em processos judiciais) era, na realidade, Bernd Bergmair — o verdadeiro controlador da MindGeek — a imprensa global se agitou. Parlamentares no Canadá abriram inquéritos sobre as práticas do Pornhub. O que emergia não era apenas a figura de um investidor, mas de alguém que controlava um império cultural silenciosamente, com poder para moldar hábitos digitais de centenas de milhões de usuários.

Essa discrepância — um magnata invisível à frente de um dos setores mais visíveis da internet — é, por si só, um sintoma de nosso tempo. Vivemos na era da hipervisibilidade, onde influenciadores disputam cada clique e cada like, mas a verdadeira engrenagem do lucro permanece escondida. Bergmair encarnava esse paradoxo: invisível para as massas, onipresente na infraestrutura que elas consumiam.

O enigma moral e financeiro

Não faltam camadas críticas na história de Bergmair. Quando investigações independentes descobriram que ele não estava vivendo discretamente na China — como registros oficiais indicavam —, mas sim em uma mansão em Londres, sua imagem pública ganhou contornos de thriller corporativo. A presença de sua esposa brasileira, Priscila Bergmair, adicionou um toque de drama quase literário. Ela, em entrevistas, pediu publicamente que o marido cortasse laços com a empresa, sugerindo conflitos internos sobre ética e reputação.

A MindGeek/Aylo não era apenas mais uma empresa de entretenimento adulto. Tornara-se um ponto nevrálgico de debates sobre exploração, consentimento e moderação de conteúdo. Ter metade das ações dessa engrenagem digital significava carregar uma responsabilidade pública — algo que Bergmair, por sua própria postura discreta, parecia não querer abraçar. Em março de 2023, a venda da MindGeek para a Ethical Capital Partners (com posterior rebranding para Aylo) encerrou um ciclo. Era o fim do “chefão invisível?” Talvez. Mas também o início de um novo capítulo para uma indústria em mutação.

Estima-se que sua fortuna pessoal gire entre 1 e 2 bilhões de dólares. Essa cifra não é apenas símbolo de sucesso financeiro, mas do poder de intermediar fluxos globais de atenção e desejo — os dois maiores motores da internet. O ponto crítico, porém, não é apenas o dinheiro. É o dilema ético de quem lucra sem se mostrar, de quem gerencia riscos de imagem ao mesmo tempo em que alimenta um sistema baseado na superexposição dos outros.

Leia ou ouça também:  Martine Rothblatt: pioneira da mídia de massa

Bergmair não é um vilão de novela nem um herói do capitalismo digital. Ele é, antes, um arquétipo da economia contemporânea: investidores opacos, fortunas bilionárias, empresas que funcionam como “invisíveis arquitetos” do comportamento humano. Nesse sentido, sua história dialoga com as de outros magnatas que construíram impérios em setores considerados marginais ou tabu, mas hoje centrais na economia digital.

Ainda assim, a trajetória deixa perguntas: por que a indústria adulta permanece tão pouco regulada, mesmo sendo um dos setores mais lucrativos da internet? Como empresas gigantescas puderam operar anos com donos ocultos? E mais: será que a venda da MindGeek para a Ethical Capital Partners realmente marca uma guinada ética, ou é apenas rebranding para acalmar críticos e investidores?

No fim das contas, a biografia de Bernd Bergmair não é só um relato sobre um empresário austríaco discreto. É um espelho do capitalismo global em sua versão 3.0: redes anônimas de propriedade, intermediação financeira sofisticada, fortunas construídas em territórios cinzentos da lei e da moral. E talvez seja exatamente isso que mais incomoda — não o fato de um bilionário controlar sites adultos, mas o fato de não sabermos, por anos, quem realmente controlava.

Ao olhar para Bergmair, não vemos apenas um homem; vemos uma estrutura de poder. E é nessa estrutura que se desenrola a verdadeira narrativa: não sobre sexo, mas sobre controle, anonimato e influência global. Se no passado os magnatas construíam ferrovias e bancos, hoje constroem plataformas e algoritmos — e lucram vendendo atenção, desejo e dados. Bernd Bergmair pode ter deixado a MindGeek, mas o sistema que ajudou a consolidar está mais vivo do que nunca.

Bergmair não é um vilão de novela nem um herói do mundo digital (Foto: Panos Pictures)
Bergmair não é um vilão de novela nem um herói do mundo digital (Foto: Panos Pictures)

Seu caso é um lembrete incômodo: em tempos de superexposição, os verdadeiros donos do espetáculo continuam atrás das cortinas. E, no teatro da internet, quem controla os bastidores controla tudo.


Compartilhe este conteúdo com seus amigos. Desde já obrigado!

Facebook Comments

Anúncios
Pular para o conteúdo
Verified by MonsterInsights