Paulo Vellinho analisa o cenário industrial
O empresário Paulo Vellinho, que foi presidente da Fiergs — Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, na década de 70, já participava de movimentos associativistas em 1961, quando profissionalmente estava ligado à empresa Springer-Admiral. É considerado um dos sábios do mundo empresarial em nosso país. Ainda nem se falava em terceirização, e a Springer, que em 1958 fabricava seis geladeiras por dia, já trabalhava com esse conceito. O ar-condicionado era privilégio de poucos, e o Rio Grande do Sul abrigou a primeira indústria da América Latina. Atualmente é consultor de empresas e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão do governo estadual. “Sem dúvida a virada definitiva da Springer foi em 1957, quando se conscientizou que sem tecnologia de processo e de produto, padrão internacional e sem uma marca de prestígio também internacional, ela a empresa, não tinha futuro, pois, seu horizonte estava limitado simplesmente ao Rio Grande do Sul. A empresa estava em uma encruzilhada. Foi neste ano que ela encontrou o seu novo caminho, pois, a parceria com a Admiral Corporation americana, abriu um leque de oportunidades, pois, possuía a Linha Branca (ar condicionado, geladeira, etc.) e a Linha Marrom (imagem e som); que para a Springer, uma empresa regional com capital local, com acionistas sérios, mas financeiramente limitados. (…)”, afirma o consultor.
Paulo, o senhor é um dos grandes visionários do mundo empresarial brasileiro. Essa visão se apura ao longo das vivências e do dia a dia, ou acredita que isso se dá de forma natural, como um dom não adquirido?
A vida é uma caixa de surpresas e considero um exercício inútil planejar o amanhã, pois, o tempo perdido planejando o desconhecido é também o tempo perdido para fazer bem o dia de hoje. O segredo da história de qualquer um é o encontro da vocação com o trabalho realizado… com amor. Acredito no destino… acredito nos dons… cada um recebe os seus, basta utilizá-los com imaginação, criatividade e determinação… sucesso assegurado.
Podemos dizer que 1 de janeiro de 1953 é o momento de virada em sua carreira profissional, ou seja, quando o vendedor se tornou um grande líder empresarial?
Em janeiro de 53 eu tinha 25 anos… 100% de ousadia… 100% de inexperiência… 0% de prudência. Foi o período da minha vida profissional que mais realizei, pois, a inexperiência é parceira da ousadia, pois, quem nunca fez não sabe o que é erro, enquanto a experiência anda de mãos dadas com a prudência, uma vez que o erro marca mais do que o sucesso. Naquele dia a Springer era Indústria e Comércio, mais Comércio do que Indústria. Foi quando aconteceu a primeira grande virada da sua história.
Quais desafios marcantes o senhor teve na direção da Springer naquela época, e que considera fundamentais para o homem de negócios que veio a tornar-se?
Sem dúvida a virada definitiva da Springer foi em 1957, quando se conscientizou que sem tecnologia de processo e de produto, padrão internacional e sem uma marca de prestígio também internacional, ela a empresa, não tinha futuro, pois, seu horizonte estava limitado simplesmente ao Rio Grande do Sul. A empresa estava em uma encruzilhada. Foi neste ano que ela encontrou o seu novo caminho, pois, a parceria com a Admiral Corporation americana, abriu um leque de oportunidades, pois, possuía a Linha Branca (ar condicionado, geladeira, etc.) e a Linha Marrom (imagem e som); que para a Springer, uma empresa regional com capital local, com acionistas sérios, mas financeiramente limitados, com pouco capital de giro, optar por iniciar a parceria pelo ar condicionado foi um gesto de coragem: lançar um produto novo com restrições culturais (matar velhos e crianças, por exemplo) e contrariando as pesquisas… a decisão foi tomada… enfrentar os preconceitos… porém, com cinco vigorosas alavancas: vanguarda, ousadia, determinação, imaginação e criatividade. Em 1957 a Springer inaugurou a Terceirização lastreada naquilo que hoje se denomina sistemistas.
Ainda falando daquela época, acredita que alguns desafios gerenciais, seriam amenizados se o senhor estivesse com toda tecnologia disponível dos dias atuais?
Acho que não, pois, naquele tempo a inovação tecnológica e o design andavam em marcha mais lenta do que hoje, o que não impediu que fossem cumpridos os mesmos valores industriais que se praticam hoje: tecnologia de processo, de produto, padrões de qualidade zero defeito e pós-venda rigoroso… A Springer sempre praticou o maior respeito para o cliente, mesmo sem PROCON.
Empreender no Brasil é um desafio, isso é um fato. O que o empreendedor deve ter em mente para que os momentos ruins e as instabilidades econômicas não o façam perder o foco daquilo que planejou?
Realmente empreender é um desafio que secunda o seu embasamento, a vocação. Vocação significa fazer aquilo que se gosta, o que habilita o empreendedor para os desafios que virão, aqueles previsíveis que constam do “Business Plan” e os imprevisíveis, que podem ser decorrentes de crises econômicas mundiais e as domésticas. Estas são as piores, pois, é consequência de políticas que fracassaram, pontuadas por alta inflação, recessão econômica, desemprego culminando com falências e concordatas a um custo social e econômico imensuráveis. O grande culpado é o Governo e a grande vítima a empresa, com um detalhe: os responsáveis pelas políticas econômicas não só “lavam as mãos” frente ao acidente mais ainda tem coragem de culpar os empresários ao denominá-los como incompetentes. Face a essas realidades resta ao empreendedor lutar até a “morte” pela sobrevivência da empresa com todas as sequelas decorrentes.
Como ser uma empresa diferenciada, valorizada e, ao mesmo tempo, inovadora num mundo cada vez mais dinâmico?
É um desafio cultural baseado em um posicionamento orientado permanentemente na busca do infinito através da perfeição naquilo que se faz e naquilo que se busca. Buscar ser o “Bench Mark” [busca das melhores práticas numa determinada indústria e que conduzem ao desempenho superior] não é uma pretensão absurda, mas um estado de espírito não só do empreendedor, mas sim a mola mestra da atividade empresarial, sempre plural no sucesso e singular nas adversidades. O CEO, na minha opinião é em última análise o grande condutor da equipe, mas tem nas suas mãos a última palavra nas decisões táticas e estratégicas. Para o CEO não existe a palavra “eu não sabia”.
Em uma de suas entrevistas, o senhor afirmou que o Brasil é o melhor país, mas é ingrato. É da nossa cultura que vem essa ingratidão?
A ingratidão é como disse acima o Governo adotar políticas econômicas e sociais equivocadas, que geram crises como referimos acima, e não bastasse isso chamar-nos de incompetentes e de costas voltadas para o social quando demitimos colaboradores. Os governantes não sabem e não querem saber a dor que sentimos no ato de demitir e o custo para a empresa da quebra da estrutura de uma equipe bem treinada.
Educação e negócios devem andar juntos em qual sentido em nossa sociedade?
Na minha opinião a educação de qualidade é o alicerce do conhecimento, o alicerce da sociedade. Educação de qualidade é resultado de um objetivo nacional que pressupõe que a matéria-prima chamada homem também seja de qualidade: saneamento básico, água e esgoto, sem o qual não existe saúde física e mental; nutrição das crianças e da gestante de modos a preservar essas duas imperiosas condições para termos uma sociedade viável; a educação de qualidade se completa com a valorização do professor (qualidade e remuneração) a partir do Ensino Fundamental… Médio e Superior. Foi a partir destes postulados que o Japão tornou-se a segunda potência do mundo, perdendo recentemente esta posição para a China.
O senhor foi presidente do Sistema Fiergs. Qual o papel desta instituição e de outras equivalentes no século do conhecimento e das aflições?
Na minha opinião o Sistema Fiergs que integra àquele da CNI (Confederação Nacional da Indústria) tem como imposição acompanhar o Estado da Arte naquilo que ele representa: independência de atitude na defesa de suas responsabilidades para com a Indústria; postura rígida quando se trata da preservação da dignidade que deve reger o seu comportamento, ou seja, não se dobrar frente ao poder político e para tal requer-se um cuidadoso comportamento. A entidade jamais deve ser politizada o que não impede que a estrutura diretiva possa ter opções políticas, mas jamais submeter às Entidades à sua ideologia pessoal ou às vontades do poder político. Por exemplo, quando o Sistema 5 S dobrou-se ao Sr. Gilberto Carvalho, quando o mesmo pretendeu retirar 30% da receita sindical (o sistema concordou com 25%) naquele ano, na minha opinião o 5 S fraquejou, dobrou-se a imposição do poder, transferiu recursos valiosos para o “saco sem fundo” do Governo, sacrificou indelevelmente os programas da atividade educacional e social do SENAI, SESI, IEL.
Como tem enxergado a classe empresarial do Brasil como um todo neste momento de turbulência?
Na minha opinião a classe empresarial não só industrial, mas como um todo, tem sido ao longo dos anos uma observadora de fatos consumados enquanto existe uma dicotomia lamentável entre as empresas e as entidades de classe que parecem ser dois atores independentes. Os principais integrantes do poder econômico internacional são o poder financeiro, o automobilístico, farmacêutico e as empreiteiras, que na minha opinião são responsáveis em grande parte pelas políticas socioeconômicas oriundas dos laboratórios desses quatro poderes. Se observarmos os fatos reais verificaremos que grande parte das diretrizes que nos conduzem nos colocam na posição de expectadores de fatos consumados. Por exemplo, a extinção do polo eletroeletrônico e automobilístico, redutos de uma tecnologia avançada, foram determinados por políticas econômicas oriundas da aplicação de uma frase simples, mas simplória: “abertura da economia exige eficiência”. Esqueceram seus mentores que durante décadas os empresários brasileiros, especialmente industriais foram vítimas de uma inflação crônica que destruiu tudo que significa “preços relativos”. Algemaram os pés e as mãos dos industriais, os jogaram em uma piscina e ordenaram que nadassem. Não sobreviveram em sua maioria.
Quando entrevistamos cientistas políticos, todos são unânimes em dizer que faltam líderes em praticamente todos os setores da sociedade brasileira. Como podemos formá-los, já que em uma certa ocasião o senhor afirmou que liderança é algo inato?
A liderança é um dom, mas para exercê-la necessita-se de espaço. A falta de líderes significa não existir espaço para desenvolvê-los talvez por duas razões: o “stop and go” da nossa economia submetida às crises quase permanentes e, por outro lado, a perpetuação frente às suas entidades de lideranças tanto sindicais como associativas que teimam em não deixar o poder… e suas mordomias. Por exemplo, para tal perpetuação, às entidades de classe e as diretorias cada vez mais numerosas praticamente cooptam empresários de valor ao acenar-lhes com o “Status quo” de integrante da entidade e seu prestígio decorrente.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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