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As grandes contradições do sexo tântrico

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O sexo tântrico, para muitos ocidentais, é uma promessa de transcendência erótica embalada em incensos, gurus sorridentes e workshops caríssimos. Desde os anos 1970, ele se tornou um produto de exportação cultural da Índia para o mundo — ou, para sermos mais exatos, uma versão filtrada, simplificada e frequentemente deturpada de uma prática milenar com raízes espirituais muito mais complexas do que as brochuras sugerem. Para além das posições exóticas ou das maratonas de carícias lentas, o tantra nasceu como um sistema filosófico e ritualístico que atravessa o corpo para chegar ao espírito. Só que no Ocidente, quase sempre, o caminho se inverte: é pelo fetiche do corpo que se chega a uma ilusão de iluminação.

O fascínio pelo sexo tântrico também alimenta um paradoxo contemporâneo: a busca de um erotismo “mais profundo” em um tempo dominado pelo imediatismo dos aplicativos, do swipe para a direita e dos vídeos de trinta segundos. Nessa pressa cronometrada, a promessa de horas de preliminares, respirações coordenadas e contemplação do parceiro soa como uma viagem à Idade Média — e é justamente aí que reside seu charme. Vende-se o tantra como um antídoto à pressa e ao consumo desenfreado. Mas, ironicamente, vende-se. A espiritualidade vira mercadoria, o orgasmo diferido vira argumento publicitário, e a suposta comunhão do casal se converte em produto premium para quem pode pagar.

“Nada disso invalida o potencial real do sexo tântrico para transformar relações, mas talvez seja hora de parar de tratá-lo como um parque temático exótico ou um atalho para o êxtase. Há algo de profundamente libertador em desacelerar, respirar junto, estar presente, mas isso exige sinceridade e continuidade, não apenas um pacote de fim de semana.”

Do ponto de vista histórico, o tantra não se limita a sexo. É um conjunto de práticas rituais, mantras, meditações e visões cosmológicas que integram corpo, mente e divino. Mas o Ocidente pop sempre preferiu o aspecto sexual, que rende mais capas de revista e posts virais. Assim como o ioga virou um fitness exótico sem metafísica, o tantra virou um roteiro para “turismo sexual espiritualizado”. E é aqui que mora a maior contradição: busca-se autenticidade numa experiência já filtrada pelo marketing. A lente esconde mais do que revela.

Outra ironia do sexo tântrico na versão ocidental é sua associação com performance. Vende-se a ideia de que, com a técnica certa, a pessoa pode durar horas, controlar o clímax, multiplicar orgasmos. É quase um manual de hacking do corpo. Porém, a promessa de performance é o oposto da entrega meditativa que o tantra propunha. A busca por controle se transforma em ansiedade por resultados — um paradoxo delicioso para os publicitários, mas frustrante para quem realmente queria liberdade.

Entre a promessa espiritual e o mercado carnal

Não se trata aqui de demonizar o sexo tântrico, mas de olhar com lupa suas contradições culturais. Para muitos casais, esse tipo de prática de fato pode trazer intimidade, paciência e novas formas de se conectar. Mas é preciso distinguir entre um caminho espiritual disciplinado — que pode levar anos para se compreender — e um produto embalado para o consumo rápido, vendido em um fim de semana intensivo. A primeira opção exige estudo, humildade e, muitas vezes, um mestre sério. A segunda promete resultados imediatos e fotos bonitas para as redes sociais.

Outro ponto raramente debatido é o pano de fundo ético. As tradições tântricas originais incluem juramentos, códigos de conduta e práticas meditativas que não têm nada a ver com turismo espiritual. Quando se pinça apenas o aspecto sexual, corre-se o risco de reduzir uma cosmovisão inteira a uma técnica de “sexo gourmet”. A espiritualidade vira tempero erótico. Não que seja proibido reinterpretar tradições — toda cultura vive de adaptações — mas é curioso que justamente uma prática que pregava a dissolução do ego e dos desejos se torne palco para selfies e métricas de performance sexual.

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O mais curioso é que essa apropriação pop do tantra reflete o espírito do nosso tempo: em vez de negar o consumo, incorpora-o como um rito. Workshops caríssimos, livros ilustrados, apps para controlar a respiração do casal. É o mesmo capitalismo do bem-estar que transformou mindfulness em produto e ioga em indústria. O tantra, assim, deixa de ser um caminho para libertar do ego e se torna um investimento para polir a própria imagem, como se fosse mais um item de currículo ou de “melhoria pessoal”.

Nada disso invalida o potencial real do sexo tântrico para transformar relações, mas talvez seja hora de parar de tratá-lo como um parque temático exótico ou um atalho para o êxtase. Há algo de profundamente libertador em desacelerar, respirar junto, estar presente, mas isso exige sinceridade e continuidade, não apenas um pacote de fim de semana. E, se formos honestos, a maioria dos ocidentais que busca o tantra não está atrás de iluminação, mas de erotismo mais intenso. Não há mal nenhum nisso — o problema é vender erotismo como transcendência instantânea.

Fascínio pelo sexo tântrico também alimenta um paradoxo contemporâneo (Foto: Wiki)
Fascínio pelo sexo tântrico também alimenta um paradoxo contemporâneo (Foto: Wiki)

O sexo tântrico talvez sobreviva justamente porque suas contradições são sua força de venda. Ele se apresenta como algo que falta no cotidiano: tempo, presença, ritualidade, profundidade. E enquanto nossa cultura permanecer carente dessas dimensões, continuará importando, reinventando e consumindo versões simplificadas de tradições ancestrais. O risco não é praticar sexo tântrico “à ocidental”, mas acreditar que, por causa disso, tocamos a transcendência. Afinal, como toda boa mercadoria espiritual, ele vende mais sonhos do que realidades — e talvez esse seja, paradoxalmente, o seu verdadeiro orgasmo coletivo.


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