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A Economia Criativa de Lala Deheinzelin

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Lala Deheinzelin é futurista e pioneira no setor da Economia Criativa como estratégia de Desenvolvimento e Sustentabilidade. Foi indicada pela P2P Foundation, como uma das 100 Mulheres que estão co-criando a sociedade colaborativa, na categoria de “Pioneiras e Defensoras nos Negócios e Economia Ética”. Segundo, Ross Dawson, está entre às três maiores futuristas das Américas Latina e Central. Cofundadora do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP, parte do United Nations Millennium Project, é autora do livro “Desejável Mundo Novo” e coordenadora do movimento Crie Futuros. Em 2002 ingressou no SEBRAE como assessora do presidente nacional, no intuito de apresentar a Economia Criativa como estratégia de desenvolvimento local sustentável em diversos estados. Em 2012 após workshops na RIO+20, é convidada pela ONU e organizações não governamentais para assessorar e elaborar estratégias de desenvolvimento para Moçambique e Cabo Verde. Projetos esses que estrearam o tema da Economia Criativa e colaborativa na World Trade Organization. Em 2015, sistematiza os conhecimentos e ferramentas que aplicou em 4 continentes, diversos países e diferentes setores e que hoje denomina Fluxonomia, um sistema de gestão de processos e organizações para as mudanças de modelos socioeconômicos do século XXI, baseado nas economias criativas, compartilhada, colaborativa e multimoedas.

Lala, qual foi o start para você deixar a carreira de atriz e começar a se dedicar ao estudo da transdisciplinaridade?

Praticamente não fui atriz. Eu tive muito tempo de atuação nas artes, mas fazendo organização setorial, direção, criação, produção, coreografia e por um pequeno momento eu fui atriz. A minha pequeníssima passagem na televisão foi para conhecer esse meio e essa linguagem, da mesma maneira que eu passei por um monte de outros meios e de outras linguagens para poder conhecer, mas nunca foi minha intenção (e nem é o meu forte) ser atriz.

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Poderia falar um pouco mais sobre este estudo?

Eu sempre atuei nessa área. Na origem sou do setor cultural. Eu comecei no teatro e na dança, sendo que esse é um dos diferenciais que tenho em relação à outros experts em Economia Criativa. A outra vantagem (digamos assim) é que eu tive uma experiência muito diversa e muito vasta. Eu passei por todos os setores. Eu passei por corporações, pelo Terceiro Setor, por governos locais, instituições de fomento como o Sistema S, Cooperação Internacional e outros. Com isso entrei mesmo na Economia Criativa com esse nome a partir de 2004, quando aconteceu a UNCTAD ELEVEN que foi no Brasil. Foi a partir dali que o Sistema ONU percebeu que essa era uma estratégia de desenvolvimento que eles não tinham contemplado. Nesse encontro de 2004 ficou decidido que seria criado um Centro Internacional de Economia Criativa para poder articular as ações das várias agências do Sistema ONU em torno desse tema, porque esse é um tema transversal já que ele tem a ver com trabalho, com propriedade intelectual, com cultura, com desenvolvimento, etc. Era o início do Governo Lula (Gilberto Gil era o ministro da Cultura) e o Brasil se ofereceu para sediar esse Centro Internacional. Aí fui convidada para fazer o desenho desse Centro.

Nesse momento eu convidei a Ana Carla Fonseca e aí começou a história, ou melhor, a história foi iniciada pela Edna dos Santos e depois a gente começou a trabalhar com essa ideia de Centro. Infelizmente o Centro não avançou por descontinuidade política e por brigas internas como tantas outras coisas… Comecei a trabalhar com o Sistema ONU e na agência que estava fazendo o trabalho de articulação dessas outras agências que era uma agência ligada ao PNUD – Unidade Cooperação Sul-Sul. E aí foi muito interessante, já que eu já era futurista desde a metade dos anos 90 e nesse trabalho em 4 continentes, pude notar como era importante atualizar a ideia de Indústria Criativa para uma ideia de Economia Criativa mais ampla e mais includente e com objetivo de Sustentabilidade e de crescimento sustentável mais do que de crescimento econômico. Era super importante trabalhar pra além da ideia de setores, pois, a visão setorial não é tão eficaz (isso já está claro para quem trabalha com desenvolvimento). Então eu comecei a me dedicar e sempre pensando em não-modelos, porque eu vi o estrago causado por aplicação de modelos importados na China, na Colômbia e em outros países. Vi a importância de desenvolver ferramentas para trabalhar a Economia Criativa com foco em Sustentabilidade e melhor ainda, combinada com processos colaborativos em rede, pois, aí realmente se consegue resultados extraordinários.

Em 1995 você formou-se como futurista. Quais são os pilares que sustentam essa profissão?

Muita boa pergunta. Ser futurista é trabalhar para o presente, porque a bem da verdade o que acontece é que a gente não tem como indivíduos e como sociedade, a tecla “refresh” do computador (aquela tecla que a gente aperta e atualiza). Vivemos norteados por coisas que já não valem mais. Então o trabalho do futurista na realidade é colocar a gente no contexto atual, mostrando o que já mudou no mundo e que não dá mais para ficarmos operando da mesma maneira. Isso é super importante sabermos. Olhar para o futuro é manter-se atualizado e não estar fora do seu tempo. Quem não está olhando para o futuro está no século XX e não no século XXI. Ser futurista é apertar a tecla refresh, tendo atitudes de escolha de vida pessoal, de vida profissional e de organização empresarial que sejam condizentes com o futuro. Eu vou te dar um exemplo divertido: na passagem do século XIX para o século XX, as cidades que cresciam mais eram movidas por cavalos, ou seja, as cidades que tinham cavalos tinham muito cocô de cavalo… O desafio dos futuristas e dos urbanistas era o que fazer com tanto cocô de cavalo. Enquanto eles discutiam isso, os carros substituíram os cavalos… Eu uso isso como metáfora do quanto muitas vezes nós estamos super dedicados a pensar em soluções para coisas que não serão mais o futuro. Não podemos pensar em “fraudas de cavalos” que era a solução que eles estavam pensando naquela época. Não pensar em fraudas de cavalos quer dizer em não pensar em coisas que não farão sentido. Do ponto de vista mais pessoal, a questão sempre é presente. Não é possível pensar em futuro sem presença, sem estar no presente. São como se fossem duas pernas. Isso é o que eu tenho na minha vida pessoal e é o que a gente trabalha na Fluxonomia. É o que eu noto e o que eu acredito ser necessário para nós como pessoa, como profissional ou como empreendimento. Uma perna está no futuro (ela serve para te nortear) e a outra perna está super no presente (percebendo o entorno). Quanto mais a gente consegue perceber o que está acontecendo no entorno e se abrir para novos tipos de informação, melhor preparados estaremos.

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Você atuou em governos e organizações sociais. Como essas instituições se colocaram e se colocam diante dos desafios futuristas?

Em relação a como empresas, governos e sociedades devem se articular para promover esse desenvolvimento, a questão é lembrar que não pode estar dentro de uma única área do Governo. Isso não funciona. Temos aqui a Economia Criativa normalmente situada dentro da área de cultura que é uma área muito fraquinha. Digo fraquinha de possibilidades, de verbas, estruturas, etc. Os lugares onde funciona a Economia Criativa não está dentro de uma área, sendo ela uma política de Estado. É o que acontece nos EUA que não tem um Ministério da Cultura, pois, sabe que isso é prioridade. Sabem que atrás da cultura vão os produtos, sendo que isso acontece também na China. No Reino Unido começou assim e logo depois se criou uma Secretaria (um Ministério especial de Economia Criativa). A coisa normalmente funciona quando está organizada numa agência de desenvolvimento, sendo essa agência a que coordenaria todas as outras. É preciso pensar como um ecossistema, porque a Economia Criativa não é um produto. A Economia Criativa é um processo que envolve àqueles que fazem os produtos originais (com o elemento criativo e intangível), mas também todo mundo que está ligado ao comércio, ao marketing, a comunicação, a distribuição, enfim, todos os que vão criar o ecossistema para que esse produto inicial possa ter um processo que se transforme em economia e geração de rendas. Aonde isso é mais fácil de acontecer? A causa da Sustentabilidade é uma causa que junta todo mundo e o que a gente tem visto é que cidades e territórios têm sido o laboratório onde todas essas coisas são praticadas. Quando a gente pensa e olha uma cidade ou um território, não é uma visão setorial, mas é uma visão integrada. O que é fundamental para que isso possa acontecer é ter os “modens” e as “interfaces”, os que podem articular com os governos, com as empresas e com a sociedade. Aí entra, por exemplo, o papel do Sistema S e de instituições semelhantes que são fundamentais. Em lugares que a gente vê avanços na Economia Criativa, normalmente é alguma instituição do Sistema S que está por trás. Essas entidades (que estão mais livres da falta da continuidade e da luta partidária que está no Governo) seriam àquelas que deveriam desenhar e propor as novas normas, os novos procedimentos, as novas formas de estrutura organizacional para que o Estado possa se organizar e fomentar o setor.

O que é a rede Fluxonomia 4D?

Neste percurso extremamente variado que eu tive o privilégio de viver passando praticamente por todos os setores da sociedade (e sendo futurista há 20 anos), eu percebi que faltam três coisas:

Um conjunto de ferramentas (um corpo de conhecimento, novas práticas, etc) que seja sintético ao invés de analítico, que sirva várias áreas e que seja de fácil compreensão e acesso; Precisamos de um processo de uso dessas ferramentas ao longo do tempo, pois, não adianta ter só o conhecimento, você precisa ter aplicação desse conhecimento, com quem nós fazemos esse processo de acompanhamento de uso das ferramentas que é uma comunidade. Então o objetivo da Fluxonomia é preparar as pessoas que vão ser os facilitadores dessa transição dentro de governos, dentro de empresas, dentro de instituições e como profissionais autônomos, ou seja, que ela sirva para todo mundo e simultaneamente ofereça esse corpo de conhecimento tendo um processo de uso desses conhecimentos e a comunidade para aplicar os conhecimentos. Que conhecimentos são esses? Eles são uma combinação de estudos do futuro com às quatro novas economias que são a criativa, a compartilhada, a colaborativa e aquilo que eu chamo de moedas 4D. A visão de riqueza e resultados não é só moeda, mas sim recursos e resultados culturais, sociais, ambientais e financeiros.

Então, chama-se Fluxonomia porque o foco é em processos e não em produtos sendo essa a chave. Na verdade, se a gente for olhar tudo é fluxo. A vida é fluxo, as cidades são fluxos de pessoas, a economia é fluxo de bens, a psicologia é fluxo de ideias e assim por diante. Quando você observa as coisas com esse olhar do fluxo, fica mais fácil de entender a origem desta visão sistêmica, sintética e integrada. A Fluxonomia serve para fazermos a travessia e para que essa transição seja oportunidade e não crise, preparando qualquer tipo de profissional para poder fazer essa travessia. Ela é o resultado das minhas décadas (muitas) de trabalho nessas áreas todas. Eu passei os últimos dois anos só organizando esse conhecimento e essas ferramentas que fui construindo ao longo desse trabalho muito diverso, para poder passar para o maior número possível de pessoas para que elas sejam ferramentas de transição.

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No começo do ano 2000, a internet e as empresas do ciberespaço eram vistas como a “nova economia”. Neste momento quais outros setores estão inseridos na Economia Criativa?

A Economia Criativa surge pela primeira vez na Austrália, não com esse nome e sim com o nome de Indústria Criativa no começo dos anos 90, tendo a ideia de que a Austrália poderia ser uma nação criativa. Ela se desenvolve de fato na metade dos anos 90 no Reino Unido quando Tony Blair assume o governo como primeiro-ministro e o país está numa crise total e não sabe por onde crescer. Ele junta uma força tarefa com todos os ministros e lideranças, além de empresários, academia e outros. Essa foi a grande força que foi desde o princípio uma força tarefa multidisciplinar e com uma visão de Estado perguntando como eles deveriam crescer. A conclusão que se chegou foi que a única saída para o Reino Unido era crescer a partir do seu patrimônio intangível (Beatles, Rolling Stones, Shakespeare, Mary Quant…), enfim, pela Indústria Criativa. A partir dali isso vira uma política de Estado do país e de ação conjunta de todos os Ministérios passando a significar a segunda maior economia da nação (eles criaram toda a estrutura para isso). Esse é o grande x da questão. Esse conceito inicial era de Indústria Criativa que eram setores criativos que são 11 ou 13 – tudo que está ligado às artes, serviços criativos como moda, design e arquitetura, além de conteúdos como publicações, vídeos, cinema e televisão. Só que depois isso se amplia, pois, se percebe que fora os setores criativos, existe um universo muito grande que é tudo aquilo que está nos territórios, tudo aquilo que tem a ver não com artes, mas com cultura (que são coisas muito diferentes). As artes são um pedaço muito pequeno da cultura, já que cultura é o jeito de viver e que se caracteriza um lugar, uma comunidade, uma cidade ou um território. Então vem a ideia de cidades e territórios criativos.

A Economia Criativa é um conceito mais amplo do que a Indústria Criativa. Mais amplo do que cidades criativas, tendo a percepção que qualquer empreendimento vai ter o seu valor a partir de intangíveis. O que quer dizer isso? Se você fabrica ovos, por exemplo, o seu ovo é indistinto, o seu ovo não tem um valor especial…, mas se você faz “O Ovo da Galinha Feliz”, o seu ovo é desejado por esses atributos intangíveis. Essa é um pouco a maneira que se conforma a coisa. A questão não é desenvolver a Economia Criativa, mas desenvolver as cidades, os territórios ou o país (como foi o caso do Reino Unido ou como é o caso da China) através da Economia Criativa. Essa é a única estratégia efetivamente sustentável que temos para o futuro. Não é um desenvolvimento através de fazer infraestrutura como temos feito, mas é um desenvolvimento a partir dos patrimônios intangíveis. Ele, na verdade é um conceito que se aplica a todos os segmentos além do artístico e por favor, seria importante separarmos o que é arte e o que é cultura, já que muitas vezes se usa a palavra cultura querendo significar arte. A Economia Criativa não é só relacionada aos artistas, pois, ela é ligada a todos que estão interessados em gerar coisas que tenham valor a partir de criatividade, conhecimento, relações e experiências.

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Quais os principais desafios do desenvolvimento sustentável no setor público?

O primeiro dos grandes desafios está ligado a uma mudança de mentalidade, porque nossas lideranças de governo e dentro das empresas ainda estão muito focados nos modelos do passado, em modelos que fizeram sentido a partir dos anos 70 e 80, ou seja, ainda não entramos no século XXI. Toda questão ainda está focada em infraestrutura na parte “hardware” digamos que na parte “software” dos processos e da gestão. Toda essa questão da Sustentabilidade da Economia Criativa não está tão priorizada como deveria, sendo que estamos atrasados. A China desde o ano passado no plano quinquenal que se iniciou, decidiram que às duas prioridades do país são Economia Criativa e a Economia Verde. O segundo desafio está ligado a modelos, porque mesmo onde já se percebe a importância em se trabalhar com Economia Criativa, muitas vezes não se tem noção da dimensão do que estamos falando e continua parecendo que a Economia Criativa é apenas o setor artístico. Não há a verdadeira dimensão do que é Economia Criativa, portanto, que modelo podemos utilizar para trabalhar com isso. Os modelos que existentes foram sobretudo criados para o setor artístico. Esses modelos vêm, por exemplo, do Reino Unido e estão mais ligados a Indústria Criativa do que esse conceito mais amplo da Economia Criativa e tem foco em crescimento econômico. Não estão tão desenhadas para visões ligadas ao desenvolvimento e Sustentabilidade. O terceiro dos desafios está ligado a mensuração. Como eu falei antes, a gente tem enorme dificuldade de mensurar e tangibilizar o intangível. Todo o valor e resultado permanece oculto porque é como se não houvesse as réguas para isso. Essa mudança de réguas ou de formas de medir tem que acontecer em várias escalas. Numa escala nacional é, por exemplo, a mudança do PIB (Produto Interno Bruto). O PIB é uma forma de mensurar riqueza e qualidade de vida muito pouco eficiente, já que grandes desastres ecológicos ou mesmo o tráfico aumentam a régua do PIB. Em compensação tudo que é investido no ser humano, no cuidar, na educação é considerado despesa e não investimento. Essa mesma necessidade de reformar a forma de medir está presente em todos os âmbitos.

Dentro das empresas acontece algo semelhante. As áreas que estão ligados ao patrimônio mais precioso que as empresas têm que é o seu intangível (seu conhecimento, sua criatividade, sua capacidade de inovar) são áreas ligadas normalmente ao RH (Recursos Humanos), a comunicação e a pesquisa, que são áreas também que são consideradas despesas e não investimento. Toda forma de medir, em geral, tem que ser reformulada nas várias instâncias da vida. O quarto desafio tem a ver com governança transdisciplinar, porque a grande questão da Economia Criativa é que ela não se faz sozinha. A Economia Criativa por definição é um processo envolvendo atores de áreas diferentes. Você tem alguém da área de cultura e artesanato que tem um ponto de partida digamos. Depois você tem design, tem comunicação, tem comercialização, você tem tecnologia, uma série de outras áreas que estão ligadas. Isso acontece desde o nível micro do próprio desenvolvimento de um produto ou de um negócio até o nível macro de gestão pública, onde esse é um tema que tem a ver com diversos Ministérios e não apenas com um só. Por Por isso, por exemplo, que o Plano de Economia Criativa que foi desenvolvido dentro do Ministério da Cultura (está na casa que se chama Brasil Criativa) é uma proposta de desenvolvimento para o país a partir da Economia Criativa, sendo que ele está na Casa Civil, reunindo 10 Ministérios, pois, a Economia Criativa tem a ver com o Ministério de Ciência e Tecnologia, de Relações Exteriores, de Trabalho, de Turismo, do Desenvolvimento Social entre outros. Esse desafio de uma governança transdisciplinar está presente em todos os níveis. Não temos essa transdisciplinaridade nem na formação (estudo) porque a academia e a escola estão tão compartimentadas, sendo que também não temos isso nas empresas e nem no Governo. A gente consegue poucos avanços porque estamos tentando com uma cabeça compartimentada resolver problemas que são sistêmicos.

O setor privado tem conseguido bons resultados quando este assunto (Novas Economias) é trazido à baila?

O que as empresas buscam são resultados (lucro, meta e faturamento) ok? Hoje não é possível ter lucro, meta e faturamento sem incorporar as Novas Economias. Não é possível sem a Economia Criativa, ou seja, se você não tem um diferencial, se você não usa bem os talentos que têm internamente, se você não sabe do que é que você está cuidando, qual é o seu propósito, em que você serve a tua comunidade, se você não conta a história porque você é único, ou seja, se você não trabalha com a Economia Criativa não terá lucro, meta ou faturamento. Não é possível alcançar essas coisas sem a Economia Compartilhada. Veja, por exemplo, as cervejas. Existe todo esse boom de cervejas artesanais por quê? Porque elas (cervejarias) são Economia Criativa, sendo que cada uma delas têm um público alvo, uma causa e um diferencial. São muitas, mas tudo bem, afinal cada uma atende um tipo de público e elas são viáveis por compartilhamento de espaço, sendo que são várias cervejas produzidas na mesma fábrica e muitas vezes usando instalações e horários ociosos das grandes fábricas de cervejas. Em relação a colaboração, tampouco é possível lucro, meta e faturamento sem formas de gestão mais horizontais, sem desburocratizar. A questão toda que a gente vive (e que é um drama) é que se não adotar essas Novas Economias e não trabalhar numa visão de futuro vão desaparecer. A gente sabe que em 20 anos, cerca de 40% das 500 maiores empresas que hoje em dia estão na Forbes não vão existir. Vai haver uma mudança muito grande e vão sobreviver quem conseguir ter visão de futuro, estando adequado a esse futuro e aprendendo como incorporar às Novas Economias. Então a resposta é que não existe uma escolha. Não é possível não usar às Novas Economias. Ou usa ou morre! Tem um livro muito bom feito pela Shareable, que é tanto publicação como organização que fomenta esse movimento das “Sharing Cities” (Cidades Compartilhadas) que se chama “Share or Die: Voices of the Get Lost Generation in the Age of Crisis” [algo como “Compartilhe ou Morra: vozes da geração perdida na era da crise”] dos autores Malcom Harris e Neal Gorenflo.

Qual a sua visão sobre o universo da Economia Compartilhada?

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Um dos aspectos muito interessantes da Economia Compartilhada é que ela serve a qualquer tipo de iniciativa. Algumas têm mais facilidade para adotá-las como os coletivos criativos ou as ONGs porque tem estrutura menos hierárquica e mais flexível, menos burocratizada, mais adaptáveis e inclusive elas estão na frente. A Economia Compartilhada é útil para qualquer tipo de empreendimento, sendo que ela é muito útil para a Gestão Pública, aliás, ela é fundamental para a Gestão Pública. Ela deveria ser uma das prioridades, pois, cabe ao Estado antes de qualquer coisa, otimizar o uso dos recursos disponíveis sendo que a gente vê uma capacidade ociosa de materiais, equipamentos e espaços (muitos espaços). Há muitos anos nas grandes metrópoles, o número de moradias vazias é igual ao número de pessoas que não têm moradia. Então não precisa construir mais moradias, precisa otimizar o uso daquilo que já tem. Essa é uma grande estratégia de futuro. O que ela faz é pegar valores que já estavam implícitos em comunidades que praticavam o compartilhamento entre si, comunidades de afinidades pequenas, mas hoje graças as novas tecnologias, é possível fazer isso em escala e isso é fascinante. Com isso nós podemos resolver coisas que pareciam impossíveis de ser solucionadas. Agora com os recursos, com as pessoas e os conhecimentos disponíveis e usando essa combinação criativa, colaborativa e compartilhada, a gente pode sim fazer com que um futuro de abundância sustentável seja real para todos.

Quais os fundamentos que caracterizam a chamada Economia Criativa?

Para entender melhor a Economia Criativa é importante a gente imaginar ela como se fosse uma cebola tendo uma camada dentro da outra. O primeiro “miolinho” disso são as artes, as linguagens artísticas. Depois temos uma segunda camada que além das artes têm os serviços criativos (moda, design, arquitetura e publicidade) e tudo aquilo que produz conteúdo (indústria de conteúdo) como audiovisual, cinema, TV, rádio, mercado editorial entre outros. Essas duas primeiras camadas ou essas duas primeiras bolinhas são os setores criativos. Deveríamos chamar estes dois grupos de Indústria Criativa, porque é uma visão setorial. Depois teremos uma terceira camada que inclui essas e mais algumas que extrapolam, que são as cidades criativas e territórios criativos que é uma visão mais sistêmica, mais integrada, por considerar tudo aquilo que caracteriza uma determinada comunidade. Temos ainda uma camada maior que engloba essas anteriores que eu chamo de Economia Criativa, que seria todo tipo de economia gerada a partir de recursos intangíveis. Na economia tradicional geramos riquezas a partir de recursos tangíveis como terra, ouro e petróleo. Na Economia Criativa essa riqueza é gerada a partir de recursos intangíveis como cultura, criatividade, reconhecimento e experiências.

Nesse quesito estão incluídos o turismo, a área de software e se a gente pega o exemplo de Xangai, o mapa de Economia Criativa daquela cidade é super interessante porque inclui uma área que é ligada a vida, com celebrações e todo mercado ligado às festas, além de cuidados pessoais e de belezas. Tudo isso está dentro da Economia Criativa. Toda parte de consultoria está dentro da Economia Criativa já é que feito a partir da inteligência. Toda parte de seguros está dentro da Economia Criativa já que um seguro é um intangível, pois, você está trabalhando com uma coisa que é uma crença e não é um tangível. Em suma, a Economia Criativa é um tipo de economia que é gerada por recursos intangíveis e não por recursos tangíveis, por isso ela é absolutamente essencial, já que ela é uma nova forma de gerar riqueza. Na verdade, ela sempre existiu. O que é novo é a percepção de que essa é a prioridade, pois, o grande desafio que temos no momento é como que chegamos a uma situação de Sustentabilidade. Como o planeta é um só e os recursos tangíveis (materiais) são escassos, evidentemente a solução está em continuar a gerar riqueza a partir de recursos intangíveis e que são abundantes. O último exemplo muito simples é que uma vez eu estava dando uma palestra e uma pessoa se levantou e disse: “Calma lá, então quer dizer que tudo é Economia Criativa, até o ovo?”; eu disse: tudo não, o ovo não é Economia Criativa, mas se for “O Ovo da Galinha Feliz” poder ser, porque aí o que você está vendendo não é um tangível (o ovo em si), mas o intangível que está na ideia da galinha feliz (sustentabilidade, orgânico e outros).

Como o Brasil está no contexto global da Economia Criativa?

Em relação como o Brasil tem se projetado no cenário da Economia Criativa, existem boas experiências, porém, elas são isoladas. Tanto do ponto de vista de empresas quanto no campo fertilíssimo das empresas sociais, nessa junção do econômico com o social que é um futuro (toda a coisa de comércio justo, produção justa e tais), mas não há um movimento de Economia Criativa. Ela não é prioridade. Não se percebeu ainda que não é só desenvolver a Economia Criativa, mas é perceber que a Economia Criativa é um caminho para desenvolver o país. Tem que virar uma causa prioritária como foi no Reino Unido. No Reino Unido começou como uma decisão de Estado junto com todos os setores, com todos os Ministérios, com academia e com os empreendedores. É prioridade também na China. Eu cito bastante a China por aqui (não defendendo o modelo político obviamente), mas é inegável a competência que a China tem com uma eficiência extraordinária. Quando a gente vê a estrutura de suporte que China tem para desenvolver sua Economia Criativa, não surpreende o fato de eles serem o maior exportador de Indústrias Criativas do mundo.

O que aconteceu é que “perdemos o pé”. Parecia que iríamos avançar até 2008, sobretudo no começo em 2006 e 2007, onde parecia que a coisa ia mais infelizmente não foi. Não foi por brigas internas de governos, por não ter integração entre o federal, o estadual e o municipal, além do terrível desperdício que é a falta de continuidade política. Então o que é que se precisa? É preciso mudar as normas, é preciso mudar as estruturas, é preciso mudar todo o arcabouço jurídico/tributário. O papel do Sistema S e de instituições como a Fecomercio é fundamental, porque elas têm continuidade e acesso a todos os atores da sociedade. Essas instituições são e serão cada vez mais os preponentes das novas normas, das novas estruturas e das novas políticas que podem fazer com que as coisas avancem. Enquanto a gente não mudar as estruturas e novas normas, não adiante mudar de conceito, pois, mesmo quem quer fazer algo não irá conseguir. Eu percebo que estamos vivendo uma transição que não é só no Brasil (ela é global). Assim como nós passamos da Monarquia para a República, esse modelo de República que já tem uns 200 anos vai ter que se transformar, pois, ele não atende mais as necessidades de gestão. Ele não é capaz de mudanças exponenciais. Enquanto não podermos ir além deste modelo, vão nos faltar normas e estruturas suficientes para poder avançar.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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