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A Lua e Eu: linda e nostálgica…

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Há músicas que parecem não ter sido compostas — apenas descobertas, como se já estivessem flutuando no ar à espera de alguém suficientemente sensível para lhes dar forma. “A Lua e Eu”, de Cassiano e Paulo Zdanowski, é uma dessas. Um lamento suave, quase fantasmagórico, sobre o tempo que passa e o amor que não volta. É mais que uma canção: é um epitáfio cantado com doçura. Quando Cassiano entoa “Mais um ano se passou / e nem sequer ouvi falar seu nome”, é como se estivesse medindo a passagem do tempo com as batidas do próprio coração.

O Brasil de 1976, ano do lançamento, ainda vivia a ressaca do milagre econômico e a rigidez dos quartéis. A música popular, mesmo quando romântica, carregava um subtexto de resistência. Cassiano, sempre discreto, não bradava slogans: preferia falar de ausências. Mas as ausências, naquele contexto, eram também políticas. “A Lua e Eu” é, ao mesmo tempo, confissão pessoal e meditação sobre o abandono coletivo — de um país que via seus sonhos envelhecerem diante do espelho. “Quando olho no espelho / estou ficando velho e acabado” não soa apenas como um lamento amoroso, mas como uma metáfora cruel sobre o desencanto de uma geração.

“Cassiano morreu em 2021, sem o devido reconhecimento em vida. Ironia poética: foi esquecido como o narrador de sua canção, vagando por uma estrada de pegadas alheias. Mas, ao contrário do personagem, ele deixou rastros luminosos.”

Cassiano e Zdanowski conseguiram transformar o mais banal dos temas — a saudade — em filosofia. O eu lírico não busca redenção nem esperança; ele apenas constata a decadência. E o faz com uma elegância que beira o sublime. O vento que o faz lembrar a amada, as folhas que caem mortas “como eu” — tudo é matéria simbólica de uma natureza que participa do drama humano. É a melancolia posta em escala cósmica, onde o sentimento pessoal se dissolve na paisagem.

O instrumental é econômico, quase minimalista. Um groove lento, algumas cordas, uma batida que mais balança o ar do que o corpo. Cassiano sabia que, às vezes, a emoção não precisa de grandiloquência: precisa de silêncio. Sua voz, rouca e cálida, parece cansada de tanto esperar — e é justamente isso que a torna irresistível. Ninguém canta a solidão como quem a viveu, e Cassiano a viveu até o fim.

A solidão como arte e destino

Há algo de existencial em “A Lua e Eu” que ultrapassa o campo da música. É uma canção sobre o envelhecer, sobre o passar das horas sem notícias, sobre o corpo e a memória como espaços de ruína. Quando Cassiano canta “Procuro encontrar / não sei onde está você”, há uma desolação que não é apenas amorosa — é metafísica. Ele não busca uma pessoa, mas um sentido. A Lua, cúmplice e indiferente, é o espelho desse absurdo: ilumina, mas nada responde.

E, paradoxalmente, é nessa impotência que reside a beleza. Cassiano transforma a falência em estética. Como um Vinicius de Moraes do soul, entende que “a beleza é fundamental”, mesmo quando vem manchada de tristeza. Sua música não promete consolo — oferece reconhecimento. Todos nós, um dia, seremos esse homem caminhando pela estrada, cercado de pegadas que não são as de quem amamos.

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É curioso como a letra, simples e direta, esconde um peso filosófico quase nietzschiano: o enfrentamento sereno do tempo e da perda. “As folhas caem mortas como eu” é verso de quem já entendeu que a morte não está no futuro — está em tudo que se repete sem resposta. Cassiano canta como quem se despede do mundo em câmera lenta, e talvez por isso a canção seja tão perene: ela é sobre o inevitável.

Hoje, quase meio século depois, “A Lua e Eu” sobrevive como uma espécie de oração profana. Tocada em novelas, regravada por artistas jovens, ouvida por gente que talvez nem saiba quem foi Cassiano. E ainda assim, cada nota carrega o mesmo impacto, a mesma melancolia suspensa. Há algo de eternamente humano nesse retrato da espera e do esvaziamento.

Cassiano morreu em 2021, sem o devido reconhecimento em vida. Ironia poética: foi esquecido como o narrador de sua canção, vagando por uma estrada de pegadas alheias. Mas, ao contrário do personagem, ele deixou rastros luminosos. “A Lua e Eu” é um desses rastros — um feixe de luz sobre a escuridão do esquecimento.

Cassiano e Zdanowski transformaram um tema banal em filosofia (Foto: André Arruda)
Cassiano e Zdanowski transformaram um tema banal em filosofia (Foto: André Arruda)

E no fim, talvez seja isso que a canção nos ensina: o tempo passa, o amor some, o corpo envelhece, mas a arte — essa sim — continua caminhando ao lado da Lua. Cassiano se foi, mas sua melancolia ficou, serena e bela, pairando sobre nós como um lembrete suave de que até a tristeza, quando bem composta, pode ser uma forma de eternidade.


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