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Comuna de Paris: uma revolução fracassada

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Há 154 anos, um dos episódios mais marcantes e controversos da história moderna europeia chegava ao fim: a Comuna de Paris. Entre 18 de março e 28 de maio de 1871, a capital francesa foi palco de uma insurreição popular que, embora curta, deixou uma herança simbólica duradoura para movimentos revolucionários de esquerda — ainda que tenha fracassado em seus objetivos imediatos. O aniversário do fim da Comuna é uma boa oportunidade para rever seus méritos e limites com o distanciamento crítico que o tempo proporciona.

A Comuna surgiu num contexto turbulento. A França estava devastada pela Guerra Franco-Prussiana (1870–1871), o imperador Napoleão III havia sido derrotado e preso, e o país vivia a transição para uma república ainda vacilante. Em meio a essa instabilidade, o povo de Paris — empobrecido, faminto e cada vez mais desconfiado das elites políticas — se rebelou contra o governo provisório liderado por Adolphe Thiers. O estopim foi a tentativa do governo de tomar os canhões da Guarda Nacional, instalados em Montmartre e financiados por subscrição popular.

“Como bem disse o falecido historiador Eric Hobsbawm, a história é feita tanto de vitórias quanto de derrotas que inspiram.”

A revolta não foi um simples motim: transformou-se numa administração autônoma, com ideias radicais para a época. A Comuna defendia o sufrágio universal (para homens), educação gratuita, laica e obrigatória, separação entre Igreja e Estado, autogestão dos trabalhadores e igualdade de salários. Também propôs reformas simbólicas, como a remoção de monumentos ligados ao Império e o banimento de práticas religiosas das escolas. Alguns decretos chegaram a ser de vanguarda, como a igualdade entre filhos legítimos e ilegítimos, e o incentivo à ocupação de fábricas abandonadas por cooperativas de trabalhadores.

No entanto, apesar do impulso inovador, a Comuna foi marcada por profundas contradições. Primeiro, houve a ausência de um plano estratégico sólido. Os communards não marcharam sobre Versalhes, onde estava o governo central, perdendo uma oportunidade crucial de desestabilizar o inimigo. A descentralização — embora ideologicamente coerente — dificultou a coordenação militar e política. Além disso, embora proclamassem o poder do povo, os líderes da Comuna muitas vezes atuaram de forma autoritária, reprimindo opositores internos e censurando a imprensa não alinhada.

A utopia e suas contradições

A falta de apoio fora de Paris também foi um fator determinante para o fracasso. A Comuna não conseguiu mobilizar outras cidades francesas de forma significativa. Lyon, Marselha e outras tentaram resistir, mas foram rapidamente sufocadas. A Comuna foi, essencialmente, uma experiência isolada numa cidade sitiada, tanto física quanto politicamente. Enquanto isso, o governo de Thiers reorganizava suas tropas com o apoio da Prússia recém-vitoriosa, que permitiu ao exército francês sitiar Paris — ironicamente, pouco após derrotar o país em guerra.

A “Semana Sangrenta”, entre 21 e 28 de maio de 1871, selou o destino da Comuna. O exército francês entrou na capital com fúria e promoveu um massacre. Estima-se que mais de 20 mil communards e simpatizantes foram mortos, e outros milhares foram presos ou deportados para colônias como a Nova Caledônia. A repressão foi brutal e marcou uma das maiores carnificinas urbanas da história da França moderna.

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Ainda assim, a Comuna de Paris tornou-se um símbolo poderoso. Karl Marx escreveu que foi a primeira vez que a classe trabalhadora tomou o poder, mesmo que por pouco tempo. Para ele e para muitos socialistas e anarquistas posteriores, a Comuna era um laboratório de autogestão e um ensaio geral para a revolução proletária. Já para os conservadores da época, o episódio foi visto como uma ameaça à ordem e à propriedade, justificando a repressão sem clemência.

Capital francesa foi palco mais uma vez de grande insurreição popular (Foto: DMT)
Capital francesa foi palco mais uma vez de grande insurreição popular (Foto: DMT)

Do ponto de vista histórico, a Comuna representa mais um gesto de ruptura do que uma proposta viável de transformação social. Seu caráter improvisado, a ausência de uma estrutura de defesa consistente, o isolamento político e o radicalismo mal calibrado contribuíram para o colapso rápido da experiência. Mas ignorar sua importância seria um erro: ela influenciou gerações inteiras de pensadores, ativistas e movimentos, de Lênin a Rosa Luxemburgo, passando pelos revolucionários de 1968 e até mesmo por protestos urbanos contemporâneos.

Em tempos de crescente desigualdade e tensões sociais globais, a Comuna de Paris permanece como uma advertência e um emblema. Uma advertência de que mudanças abruptas sem articulação ampla e sem preparo estratégico podem resultar em tragédia. E um emblema da capacidade humana de imaginar outras formas de organizar a sociedade — mesmo que efêmeras, mesmo que fadadas ao fracasso. Afinal, como bem disse o falecido historiador Eric Hobsbawm, a história é feita tanto de vitórias quanto de derrotas que inspiram.


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