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Dennis Hopper: furioso até o seu exício

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Poucos nomes no cinema americano carregam uma aura tão explosiva e indomada quanto a de Dennis Hopper. Nascido no Kansas em 1936 e moldado pelos extremos de Hollywood e da contracultura, Hopper foi ao mesmo tempo, astro e marginal, cineasta e maldito, visionário e autodestrutivo. Viveu com intensidade, trabalhou com genialidade errática e morreu, em 2010, como viveu: em guerra contra tudo — inclusive contra o próprio corpo, destruído pelo câncer de próstata, enquanto brigava judicialmente com a última mulher.

Para alguns, era um ícone beat remanescente de uma era de ouro da transgressão artística; para outros, um narcisista furibundo que passou a vida cuspindo na indústria que lhe dava de comer. A verdade, como sempre, está entre essas duas versões. Mas uma coisa é certa: Hopper nunca se rendeu. E por isso, mesmo depois de morto, continua mais vivo que muito protagonista domesticado do streaming atual.

“Artista visual nas horas vagas, Hopper teve suas fotografias expostas em museus respeitáveis e sua vida virada do avesso por múltiplos casamentos, internações e ressacas morais. Foi amado e temido, às vezes na mesma sala.”

Seu primeiro grande destaque foi ainda nos anos 1950, como coadjuvante em “Rebel Without a Cause”, ao lado de James Dean, com quem teve uma breve amizade, mas que virou obsessão — Hopper passou anos repetindo que Dean era “o único verdadeiro ator que conheceu”. A morte trágica de Dean, pouco depois das filmagens, cimentou um romantismo trágico em sua mente e um apetite por personagens à beira do colapso.

Décadas depois, ele ainda se referia a Dean como uma espécie de divindade perdida. Isso não é casual: Hopper sempre procurou extremos, e seu próprio comportamento refletia isso. Nos anos 1960, se afundou nas drogas e se exilou artisticamente em performances erráticas e filmes esquecíveis. Mas então veio a redenção — e ela tinha nome e gasolina: Easy Rider.

Easy Rider, ou como cuspir fogo em celuloide

Em 1969, Dennis Hopper dirigiu, coescreveu e estrelou Easy Rider, ao lado de Peter Fonda e Jack Nicholson. Foi um dos filmes que melhor capturaram o espírito anárquico da contracultura americana. Era uma mistura de road movie, manifesto beat e bad trip psicodélica — tudo em forma de um tapa na cara do establishment. Hopper, de barba desgrenhada e olhar paranoico, parecia o próprio Cristo com ácido na corrente sanguínea.

O filme custou centavos e rendeu milhões. Ganhou prêmios, reconhecimento crítico e, talvez o mais improvável de tudo, abriu portas para que a nova Hollywood dos anos 1970 florescesse — aquela que nos daria Scorsese, Coppola, De Palma. Hopper, o rebelde, virou símbolo de uma nova era.

Mas, é claro, ele não conseguiria sustentar o sucesso. Em vez de seguir uma carreira de ouro, Dennis se embrenhou em projetos insanos (como The Last Movie, de 1971, que ele mesmo dirigiu e que quase enterrou sua carreira). Passou os anos seguintes chapado em Taos, Novo México, convivendo com armas, explosivos e delírios criativos. Quando Hollywood voltou a procurá-lo nos anos 1980, Hopper era uma lenda decadente, um personagem mais fascinante que os que interpretava.

Foi então que ele ressurgiu, como um espectro da própria história. Em Apocalypse Now (1979), foi o fotógrafo drogado e verborrágico que parecia mais um alter-ego do que uma performance. Em Veludo Azul (1986), de David Lynch, viveu Frank Booth, um vilão tão repulsivo quanto hipnótico, que cheirava óxido nitroso enquanto gritava obscenidades e apavorava o espectador. A performance rendeu aplausos e temor: Hopper era de novo relevante — e perigoso.

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Na década de 1990, se tornou o queridinho de diretores alternativos e foi reciclado pela cultura pop: apareceu em True Romance, de Tony Scott, com roteiro de Tarantino, protagonizou vilões caricatos em Speed e Waterworld e passou a ser celebrado como um ícone de tudo o que Hollywood fingia ter superado. Ele era o passado que não se deixava enterrar.

Artista visual nas horas vagas, Hopper teve suas fotografias expostas em museus respeitáveis e sua vida virada do avesso por múltiplos casamentos, internações e ressacas morais. Foi amado e temido, às vezes na mesma sala. Era um tipo raro de estrela: aquela que você não queria ter por perto, mas também não conseguia parar de observar.

Nos últimos anos, apesar de doente, não deixou de trabalhar. Quando morreu, em 2010, havia acabado de ser homenageado com uma estrela na Calçada da Fama — cerimônia que compareceu de cadeira de rodas, coberto por um sobretudo, como um fantasma que ainda queria acender um último cigarro. Morreu como viveu: cercado de conflitos, orgulho, caos e arte.

Dennis Hopper é o tipo de figura que não cabe em discursos laudatórios ou críticas convencionais. Ele era uma contradição ambulante, um catalisador do melhor e do pior que o cinema pode produzir. Furioso até o fim — ou como ele mesmo disse certa vez, “viver rápido, morrer velho e deixar um corpo danificado, mas interessante.”

Dennis Hopper ao lado da filha e da neta na Calçada da Fama (Foto: Mario Anzuoni)
Dennis Hopper ao lado da filha e da neta na Calçada da Fama (Foto: Mario Anzuoni)

E deixou mesmo.


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