Enxaqueca custa R$ 170 bilhões ao ano
Poucas doenças são tão negligenciadas e, ao mesmo tempo, tão incapacitantes quanto a enxaqueca. Apesar de ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das condições mais debilitantes da atualidade, ainda paira sobre ela uma aura de banalidade. É “só uma dor de cabeça”, dizem. Mas essa percepção equivocada não apenas agrava o sofrimento de quem vive com a doença, como custa caro — muito caro. De acordo com um estudo do instituto WifOR GmbH, divulgado recentemente, o Brasil perdeu, apenas em 2022, o equivalente a R$ 168 bilhões do seu Produto Interno Bruto (PIB) por conta da enxaqueca. Esse valor representa cerca de 1,6% da economia nacional. E, ao que tudo indica, o quadro não apresenta melhora significativa em 2025.
A enxaqueca não é apenas uma dor de cabeça forte. Trata-se de uma condição neurológica crônica, caracterizada por crises que podem incluir dor intensa, náusea, vômitos, sensibilidade à luz e ao som, entre outros sintomas debilitantes. Mais de 32 milhões de brasileiros convivem com ela, o que significa cerca de 15% da população. Pior: metade desses pacientes esconde o diagnóstico por medo do estigma. Essa ocultação, muitas vezes sustentada pela vergonha e pela incompreensão social, contribui para que muitos não busquem tratamento adequado — ou o façam apenas após anos de sofrimento.
“É preciso enfatizar que a enxaqueca não tem cura, mas pode ser controlada com tratamentos personalizados. Existem abordagens farmacológicas e não farmacológicas que reduzem a frequência e a intensidade das crises.”
A história da empresária Marina Goulart, de 43 anos, é reveladora. Desde a adolescência, ela convive com crises severas que a impedem de trabalhar, conviver socialmente e manter uma rotina saudável. Ainda assim, durante muito tempo, sua única estratégia foi o uso excessivo de analgésicos — sete por dia, segundo conta. Essa automedicação não é apenas ineficaz, como agrava o quadro, podendo causar dores de cabeça por uso excessivo de remédios e retardar ainda mais o diagnóstico correto. O mais grave, no entanto, é o componente social dessa história: Marina hesitava em contar sua condição por medo do julgamento, especialmente no ambiente de trabalho.
Ela não está sozinha. Segundo pesquisa apresentada no Migraine Trust International Symposium (MTIS), 51% dos pacientes escondem que têm enxaqueca. Entre os entrevistados, 62% não revelam o diagnóstico no trabalho, 37% não falam com os amigos e 27% sequer se abrem com o próprio cônjuge. Esse silêncio é alimentado por uma visão preconceituosa de que a enxaqueca é uma desculpa para preguiça, falta de disposição ou fragilidade emocional. É o tipo de ignorância que perpetua o sofrimento silencioso de milhões.
O custo invisível: sofrimento, estigma e improdutividade
O impacto dessa negligência coletiva não é apenas emocional. Os dados econômicos são assustadores. Os R$ 170 bilhões estimados de prejuízo anual refletem perdas de produtividade, afastamentos, aposentadorias precoces e sobrecarga nos sistemas de saúde pública e privada. A faixa etária mais afetada, entre 20 e 59 anos, representa exatamente a parcela da população em sua fase mais ativa e produtiva. O Brasil, portanto, não está apenas ignorando um problema de saúde pública, mas permitindo que uma doença tratável corroa sua força de trabalho e seu potencial de crescimento.
A negligência no diagnóstico também é parte do problema. Um estudo publicado no The Journal of Headache and Pain revela que, em média, um paciente com enxaqueca demora 17 anos desde os primeiros sintomas até consultar um especialista. Durante esse tempo, a qualidade de vida despenca, o uso inadequado de medicamentos se consolida e as crises se tornam mais frequentes e intensas. O neurologista Mario Peres, presidente da Associação Brasileira de Cefaleia em Salvas e Enxaqueca (Abraces), alerta: “As pessoas tomam analgésicos porque entendem que estão com dor de cabeça, e esse comportamento apenas posterga o tratamento correto. Não é só uma dor de cabeça.”
É preciso enfatizar que a enxaqueca não tem cura, mas pode ser controlada com tratamentos personalizados. Existem abordagens farmacológicas e não farmacológicas que reduzem a frequência e a intensidade das crises. No entanto, o primeiro passo para qualquer tratamento eficaz é a consulta médica. E este passo ainda é bloqueado por desinformação, estigma e negligência das políticas públicas.
O que temos, portanto, é um problema de saúde pública mal reconhecido, pouco debatido e profundamente subestimado. Em um país onde tanto se discute produtividade, crescimento econômico e redução de custos na saúde, é alarmante que uma das principais causas de incapacidade do mundo seja tratada como um capricho ou um incômodo menor.

A resposta precisa vir em várias frentes: campanhas de conscientização que mostrem que enxaqueca é uma doença séria, formação de profissionais da saúde capazes de reconhecer e tratar o problema, incentivo à pesquisa científica e políticas públicas de saúde voltadas ao diagnóstico precoce e tratamento gratuito. O custo da inércia — financeiro, social e humano — é alto demais para continuar sendo ignorado.
Com tantos avanços na medicina e na informação, é inaceitável que uma doença que afeta milhões continue sendo escondida, subtratada e subestimada. A enxaqueca cobra um preço altíssimo de seus portadores — e, como mostram os dados, também do país inteiro. O Brasil não pode mais pagar esse preço calado.
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