Leon Eliachar: o silêncio de um craque
Leon Eliachar foi, durante décadas, um nome incontornável no jornalismo de humor brasileiro. Figura ímpar, transitou com elegância e inteligência pelo território do riso crítico, deixando uma marca que, embora hoje pareça esmaecida, ainda reverbera nas entrelinhas de uma imprensa que reluta em rir de si mesma. Sua morte, em 1987, silenciou uma pena afiada e irônica, mas o esquecimento paulatino de sua obra é o que realmente inquieta. Refletir sobre Eliachar é não apenas um exercício de memória — é um chamado ao resgate de uma tradição de humor sofisticado, que se perdeu entre memes rasos e manchetes histéricas.
Nascido em 1922, no Egito, filho de judeus de origem síria, Eliachar chegou ao Brasil ainda pequeno. A pluralidade de origens talvez lhe tenha dado, desde cedo, a capacidade de ver o país com olhos de quem está dentro, mas também com o estranhamento de quem olha de fora. Essa ambiguidade tornou-se sua assinatura. Escrevia para rir — sim —, mas sobretudo para fazer pensar. Suas colunas, sobretudo no jornal Última Hora, eram exemplos da precisão cirúrgica com que desmontava a política nacional com duas ou três frases bem colocadas, quase sempre polidas, mas nunca inofensivas.
“Relembrar Eliachar é relembrar uma era em que se podia ser mordaz sem ser histérico, crítico sem ser vulgar, espirituoso sem ser raso.”
Em 1956, Eliachar foi laureado com o primeiro prêmio na IX Exposição Internacional de Humorismo, realizada em Bordighera, na Itália — uma consagração internacional que confirmava o alcance de sua verve. Seu humor se destacava por uma inteligência rarefeita no Brasil da época — e talvez também no de hoje. Em vez de recorrer ao escracho fácil ou ao insulto, Eliachar preferia os jogos de palavras, as trocadilhas e a ironia gentil, mas cortante.
Entre suas principais obras estão O Homem ao Quadrado (1960), O Homem ao Cubo (1963), A Mulher em Flagrante (1965), O Homem ao Zero (1967), 10 em Humor (1968, em colaboração com nomes como Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, Ziraldo, Henfil, Jaguar e outros) e O Homem ao Meio (1979). Em todos eles, Eliachar explorava as múltiplas camadas da existência urbana, das relações humanas e do absurdo cotidiano com um humor que exigia leitura atenta e pensamento crítico.
O humor como resistência (e como elegância)
Diferentemente de outros humoristas políticos de sua geração, Eliachar não era panfletário. Seu humor não vinha com bandeira, mas com bisturi. Não apelava para o grotesco nem para a escatologia. Era um humor de salão, refinado — e por isso mesmo perigoso para os poderosos. Era o tipo de cronista que fazia o leitor rir e depois, ao fim da gargalhada, perceber que tinha levado um tapa na cara. Eliachar sabia que o bom humor não é aquele que alivia, mas o que ilumina. E fazia isso sem gritaria.
No entanto, o Brasil mudou — e não para melhor nesse aspecto. O humor político nacional, com raras exceções, tornou-se gritado, polarizado, estereotipado. Raras são hoje as vozes que sabem rir das instituições sem cair na armadilha da caricatura rasteira. O legado de Eliachar, nesse sentido, deveria ser estudado e resgatado. Seu estilo conciso, elegante e ao mesmo tempo crítico é uma escola que quase ninguém frequenta mais. O silêncio que se seguiu à sua morte é também, infelizmente, o reflexo do silêncio que se faz sobre seu trabalho hoje.
Sua vida, infelizmente, teve um fim tão trágico quanto absurdo. Leon Eliachar foi assassinado com um tiro no rosto, em seu apartamento, no Rio de Janeiro, em 1987. Segundo notícias da época, o crime foi encomendado por um rico fazendeiro paranaense cuja esposa mantinha um romance com o cronista. O assassino, Roy Santos Baumer, deixou a prisão em julho de 2000. Eliachar foi sepultado no Cemitério de São João Batista, em Botafogo. O desfecho violento de uma vida dedicada à inteligência e à ironia é um contraste brutal — quase irônico, não fosse trágico demais.

É sintomático que, tão poucos falem de Leon Eliachar. Talvez porque seu humor não se preste a viralizações fáceis. Talvez porque exija mais do leitor do que o hábito moderno permite. Talvez porque, como tantos intelectuais da segunda metade do século XX, ele tenha sido engolido por uma cultura digital que privilegia o ruído em vez da reflexão.
Mas é justamente por isso que ele deve ser lembrado. Relembrar Eliachar é relembrar uma era em que se podia ser mordaz sem ser histérico, crítico sem ser vulgar, espirituoso sem ser raso. Em tempos de polarizações barulhentas e falta de autocrítica, sua ausência é um silêncio ensurdecedor. E talvez o humor brasileiro precise, mais do que nunca, reaprender a escutar esse silêncio.
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