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Leonardo Boff analisando a teologia da libertação

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Leonardo Boff ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1959 e foi ordenado sacerdote em 1964. Em 1970, doutorou-se em Filosofia e Teologia na Universidade de Munique, Alemanha. Ao retornar ao Brasil, ajudou a consolidar a Teologia da Libertação no país. Lecionou Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis (RJ) durante 22 anos. Seus conceitos teológicos sobre a doutrina Católica com respeito à hierarquia da Igreja, expressos no livro “Igreja, Carisma e Poder”, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, depois se tornando Papa Bento XVI. “A grande mídia é operada por um grupo de famílias, ideologicamente, alinhadas ao sistema capitalista dominante e por isso são concentradoras de poder ideológico, político e econômico. Mais que meios de informação e formação, são empresas para se fazer dinheiro. Toda concentração é antidemocrática, pois implica a imposição da opinião de um pequeno grupo sobre toda a sociedade. Essa mídia teme a censura. Mas é ela que pratica sistematicamente censura aos leitores sonegando informações que seriam importantes. (…) Meu irmão é muito rigoroso nos conceitos e na exatidão das fórmulas teológicas. Com a divulgação e popularização da Teologia da Libertação, ele via o risco de ela perder sua força transformadora”, afirma o teólogo.

O senhor concedeu uma entrevista para o jornal “Folha de S.Paulo” que quase não aproveitou nada do que disse. Diante disso, qual a sua visão sobre a grande mídia em nosso país?

A grande mídia é operada por um grupo de famílias, ideologicamente, alinhadas ao sistema capitalista dominante e por isso são concentradoras de poder ideológico, político e econômico. Mais que meios de informação e formação, são empresas para se fazer dinheiro. Toda concentração é antidemocrática, pois implica a imposição da opinião de um pequeno grupo sobre toda a sociedade. Essa mídia teme a censura. Mas é ela que pratica sistematicamente censura aos leitores sonegando informações que seriam importantes para se ter uma leitura do mundo mais completa e isenta.

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Em uma certa ocasião, o senhor afirmou que Bento XVI foi um papa frustrado. Como chegou a tal conclusão?

A palavra não é bem frustrado. Antes sentiu-se um fracassado. Mas um papa que não teve o carisma de governar uma igreja com uma população do tamanho da China. Ele sempre foi professor e nunca deixou de sê-lo mesmo sendo papa. Estava mais interessado em acabar seus livros do que governar a igreja. Por isso criou-se um vácuo que permitiu os desmandos e crimes ocorridos no Banco do Vaticano e dentro da Cúria [a corte do papa]. Chegou o momento em que se deu conta do descalabro interno e sentiu que não tinha mais força física e espiritual para enfrentar esta situação calamitosa. E num gesto de humildade renunciou.

Como vê o crescimento das igrejas neopentecostais em nosso país?

Elas crescem porque a Igreja Católica vive um fracasso institucional espantoso. Pelo número de católicos que tem, deveria dispor de pelo menos cem mil padres. E possui apenas 17 mil, 7 mil dos quais são estrangeiros. Uma igreja centralizada na figura do padre e que não inclui os leigos e as mulheres na decisão dos caminhos da comunidade, fazendo-os apenas realizadores de tarefas, só poderia criar as condições para que outras denominações viessem e apresentassem a sua proposta. Não vejo como algo maléfico a multiplicação de denominações cristãs. Cada uma delas leva avante a mensagem de Jesus do seu jeito. Maléfico é o estilo de algumas igrejas neopentecostais que funcionam na lógica do mercado, e visam mais o bolso dos fiéis que seu coração. Há aqui uma perversa manipulação do discurso religioso para fins não religiosos. O pecado que mais se comete é contra o segundo mandamento que reza: “não tomes o santo nome de Deus em vão”. Muitas delas, pelas televisões, falam abusivamente de Deus e dos milagres de uma forma que se afastam da mensagem originária de Jesus e acabam ofendendo a Deus ao invés de honrá-lo.

Quais aspectos poderão ser mudados radicalmente com o comando do papa Francisco na Igreja Católica?

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A mudança maior está sendo praticada pelo papa Francisco: a reforma do papado, antes da reforma da Cúria. Ele abandonou o estilo palaciano e principesco do papa. Vive no estilo do patrono de seu nome [São Francisco de Assis] que vivia a radial pobreza, a simplicidade, o amor à natureza e o total despojamento a todo tipo de poder. O papa Francisco está inaugurando um novo modo de exercer o mando na igreja: não de forma autoritária, mas colegial e sempre em contato com os fiéis.

Recentemente, o seu irmão Clodovis, criticou a Teologia da Libertação, mesmo sendo ele um dos principais teóricos do Movimento. Como viu essa afirmação?

Meu irmão é muito rigoroso nos conceitos e na exatidão das fórmulas teológicas. Com a divulgação e popularização da Teologia da Libertação, ele via o risco de ela perder sua força transformadora e se tornar um conjunto de “slogans” sempre usados nas bases, pondo em risco a inspiração evangélica. Sua preocupação é legítima. Mas, no meu entender, deu a impressão de que abandonou este tipo de teologia. Pelo contrário, a quer forte mas sempre séria nos seus enunciados e clara na sua inspiração evangélica. Libertação sim, mas para um cristão, a partir da prática libertadora de Jesus.

O senhor ainda tem a mesma opinião que a igreja funciona como na Idade Média?

A igreja é um organismo complexo. Nela tem de tudo. As autoridades eclesiásticas, em sua maioria, vivem um estilo palaciano como se fossem príncipes da igreja. Outros como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Moacyr Grechi, Dom Erwin Kräutler entre outros tantos, vivem pobres no meio do povo, como pastores e não como autoridades eclesiásticas. Outros dialogam com a cultura moderna e as tendências do pensamento atual e elaboram uma mensagem cristã contemporânea ao nosso tempo. Mas no seu todo, a igreja precisa se renovar na sua linguagem, no seu estilo de vida e na forma do pensamento, mais afim à cosmovisão moderna do que àquela herdada do passado.

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Muitos filósofos afirmam que a igreja está engessada em suas doutrinas. Como desengessá-la?

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Há na igreja, na hierarquia e na teologia, tendências conservadoras e até fundamentalistas. Estas possuem uma visão estática de igreja, voltada ao passado e insensível ao que se passa no mundo de hoje. É um recipiente de águas mortas quando devia ser uma fonte de águas vivas. Mas grande parte da teologia cristã e católica, está aberta ao pensamento contemporâneo e estabelece um bom diálogo com os vários saberes. O único problema é que tais teologias, geralmente, são de uso interno da própria igreja e alcançam parcamente os fiéis. Mas deve-se reconhecer que houve nos últimos decênios uma apropriação da palavra de Deus por parte dos fiéis, dos círculos bíblicos e das comunidades de base que torna estes cristãos abertos, críticos, livres e engajados na transformação da sociedade.

A igreja é machista como grande parte da sociedade. O sonho de ter uma papisa um dia se tornará real?

Não vejo nenhuma perspectiva cultural que crie espaço para se pensar numa papisa. O que é possível é o fato de a igreja não ser mais governada por um papa com poderes absolutos como nas monarquias absolutistas do passado, mas por um colégio de cardeais, bispos, padres e até leigos, homens e mulheres, que juntos com o papa ajudam a definir os caminhos da fé no mundo.

A mensagem cristã não tem sido comercializada ao extremo?

Há igrejas especialmente as neopentecostais mas também alguns movimentos católicos mediáticos que assumem a lógica do mercado. Geralmente são proselitistas e estão mais interessados no evangelho da prosperidade do que o evangelho da solidariedade especialmente para com os mais vulneráveis. Mas essa é uma patologia da igreja. E toda patologia remete à saúde. As igrejas não existem para o comércio mas para alimentar a chama sagrada que está dentro de cada um que é a presença do Espírito de Deus.

Especialistas dizem que os casos de pedofilia na igreja, acontecem principalmente pelo celibato obrigatório. Existe algum fundamento nessa afirmação?

Celibato e pedofilia tem em comum a questão da sexualidade. É notória a ausência de uma pedagogia correta com referência à integração da sexualidade na formação dos candidatos ao sacerdócio. Por causa desta falta há obsessões e desvios, especialmente, se a pessoa assume o celibato obrigatório, pois caso contrário não poderia ser padre. Eu sou contra a lei do celibato e a favor do celibato como opção livre.

O senhor afirmou que grandes questões sociais estão ausentes nas canções dos padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo. Acredita que é uma obrigação do homem que leva a palavra de Deus ter esse cuidado?

O Deus bíblico é um Deus que escuta do grito do oprimido e desce para libertá-lo. A ele interessa que o pobre seja tirado de sua situação e que o injustiçado receba o seu direito. Não incluir este dado é situar-se fora da herança de Jesus. Ademais são esses pobres, sedentos e oprimidos que serão nossos juízes na tarde da vida. Ao ouvir esses pregadores não ficamos entendendo porque Jesus morreu na cruz, quando, segundo as mensagens que divulgam, intimistas e alienadas do sofrimento das grandes maiorias, Jesus deveria ter morrido na cama, de velho e cercado de discípulos. Esses pregadores devem se perguntar que imagem de Cristo eles comunicam aos fiéis. Tudo indica que está longe daquilo que vem apresentando nos evangelhos.

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O senhor se considera um homem de esquerda?

A mim não me interessam as qualificações políticas. Interessa-me quem está do lado do oprimido, do invisível socialmente, do sofredor e faz alguma coisa para tirá-los desta situação. Nesta atitude se decide a densidade ética e espiritual da pessoa.

São Francisco foi o último cristão verdadeiro em suas palavras. Depois dele não existiu outros?

São Francisco foi talvez a pessoa na igreja e do Ocidente que mais tomou a sério o seguimento de Jesus. E o fez de uma forma tão terna, doce, comovida, sem qualquer vontade de conquista e de imposição que continua cativando as pessoas de todos os credos até os dias de hoje. Pregou por gestos e atos e menos por palavras e prédicas. Por isso se transformou num arquétipo de um humanismo terno e fraterno e um cristão muito próximo ao sonho de Jesus.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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