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O consumo rápido de notícias molda opiniões

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Vivemos em tempos líquidos, como diria Zygmunt Bauman, mas talvez o que escorre com mais pressa do que a própria vida seja a notícia. Estamos submersos num mar de manchetes instantâneas, que pingam no nosso feed como gotas de um soro de urgência. O consumo de informação passou da leitura para a rolagem, do entendimento para a reação e do pensamento para o compartilhamento automático. A pergunta, portanto, não é mais se as notícias moldam opiniões, mas sim como as opiniões estão sendo moldadas por um clique nervoso e um olhar distraído.

Com o TikTok abrigando notícias condensadas em vídeos de 30 segundos e o X (ex-Twitter) se tornando uma arena de gladiadores da verdade, o que sobra para o pensamento crítico? Um meme? Um fio de 15 postagens? Um reels com infográfico colorido e voz robotizada? A notícia se tornou uma bala de goma: doce, rápida, descartável. E, como toda bala de goma, tem sabor artificial.

“E não pense que isso afeta apenas o povão ou os desatentos. Acadêmicos, jornalistas, formadores de opinião, todos estão, de algum modo, contaminados pelo ritmo da novidade constante.”

As redações se adaptaram. Os jornalistas também. Há um exército de profissionais que já não têm tempo para apurar — apenas para converter a realidade em conteúdo com potencial de viralização. Não há espaço para contexto. Quem precisa de contexto quando a manchete já oferece o vilão, o herói e o final indignado da história?

E quem ousa contradizer, pode ser linchado por um exército de justiceiros digitais. Afinal, em tempos de polarização, a dúvida virou pecado e a cautela virou omissão.

Opiniões sob demanda, sem tempo para pensar

A velocidade com que consumimos notícias transformou a opinião pública em uma espécie de delivery emocional. O sujeito acorda, abre o celular e, antes do café, já está revoltado com uma decisão do Supremo, emocionado com uma tragédia a 10 mil quilômetros de distância, e exigindo impeachment, medalha ou cancelamento de alguém que nem sabia que existia no dia anterior. E à noite, tudo se repete, com novos protagonistas.

É claro que a informação rápida tem seu valor — ninguém aqui está pregando a volta ao telégrafo. Mas o problema não é a rapidez em si: é a superficialidade crônica que ela impõe. Ler um resumo de manchetes não equivale a compreender os meandros de um conflito geopolítico ou de uma reforma tributária. Mas vá dizer isso para quem já compartilhou a notícia sem ler. Pior: para quem já formou opinião baseada em um card com fonte duvidosa e estética de PowerPoint da quinta série.

E o algoritmo, esse ente cibernético e onipresente, sabe muito bem disso. Ele não nos dá o que precisamos saber — ele nos dá o que queremos confirmar. É um buffet infinito de convicções pré-aquecidas, entregues com molho de indignação. O resultado é que cada um se tranca em sua redoma informacional, cercado de manchetes que dizem exatamente o que deseja ouvir. Isso é informação? Ou é só entretenimento disfarçado de jornalismo?

A moldagem da opinião, portanto, não se dá mais por debate, leitura ou reflexão — mas por contágio emocional. E contágio é palavra forte, quase patológica. Talvez estejamos diante de uma epidemia de certezas mal informadas, de convicções instantâneas como miojo, mas com o mesmo valor nutritivo da espuma.

E aqui vai a ironia suprema: nunca tivemos tanto acesso à informação e, ao mesmo tempo, tanto desprezo pela complexidade. Em vez de compreender o mundo, queremos vencer o mundo. Ganhar o argumento, acumular likes, “lacrar” — tudo isso antes do almoço. E se no dia seguinte surgir uma nova notícia que contradiz a anterior? Não importa. A opinião já foi moldada. O ranço já foi estabelecido. A verdade já perdeu o bonde.

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No Brasil, casos recentes ilustram isso com nitidez cruel. Um corte de vídeo de 12 segundos pode transformar uma fala cautelosa de um ministro em uma declaração bombástica. Uma foto descontextualizada pode virar escândalo. E quando a verdade aparece — sempre atrasada e em preto e branco — ninguém mais se importa. A primeira impressão já virou convicção, e quem ousar desmentir é tratado como cúmplice do “sistema”.

E não pense que isso afeta apenas o povão ou os desatentos. Acadêmicos, jornalistas, formadores de opinião, todos estão, de algum modo, contaminados pelo ritmo da novidade constante. A pressão por se posicionar rapidamente, por não ficar em cima do muro, faz com que até mesmo os mais ponderados troquem a reflexão pelo impulso.

E, nesse cenário, o jornalismo sério, aquele que investiga, duvida e explica, virou o nerd da sala: desinteressante, demorado, pouco compartilhável. É o tipo de conteúdo que exige tempo — e tempo, como sabemos, virou luxo. O que vale é a punchline. É a frase de efeito. O resto é detalhe — e quem tem paciência para detalhes?

A saída? Talvez resida na reeducação do olhar. Aprender a pausar, a desconfiar da primeira reação, a buscar a fonte primária. Exigir da mídia menos pressa e mais profundidade. Não para voltarmos a um passado idealizado (que também tinha seus pecados jornalísticos), mas para resgatar o direito de pensar antes de sentir. Ou pelo menos antes de compartilhar.

O consumo de notícias passou da leitura para o compartilhamento rápido (Foto: FAAP)
O consumo de notícias passou da leitura para o compartilhamento rápido (Foto: FAAP)

Pensar devagar virou ato subversivo. E isso deveria nos assustar. Porque se o consumo rápido de notícias molda opiniões — e molda mesmo — então estamos todos sendo esculpidos por uma prensa de fast-thoughts. A pergunta que fica é: queremos ser esculturas sólidas ou apenas moldes descartáveis da última polêmica do dia?


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