Wylinka lidera inovação com sustentabilidade
A inovação e a tecnologia têm desempenhado papéis cada vez mais fundamentais na transformação de nossa sociedade, impulsionando não apenas o desenvolvimento econômico, mas também soluções para desafios sociais e ambientais urgentes. Nesta entrevista exclusiva para o portal Panorama Mercantil, Ana Calçado, presidente e CEO da Wylinka, oferece insights valiosos sobre a importância da atuação dos cientistas no campo da inovação e das startups, especialmente no contexto das deep techs. Ana destaca que estamos testemunhando um novo capítulo na inovação, onde as startups são cobradas não apenas por seus modelos de negócio inovadores e potencial de mercado, mas também por sua relevância tecnológica. À medida que o campo tecnológico dentro das startups se torna mais complexo, com ativos valiosos como dispositivos médicos e soluções de hardware avançado, a importância dos pesquisadores e instituições científicas torna-se ainda mais urgente. Ela aponta os desafios únicos enfrentados pelas startups de base tecnológica profunda, ressaltando a necessidade de arranjos financeiros inovadores para apoiar seu desenvolvimento, além da importância da capacitação dos empreendedores para o mercado comercial. Ana enfatiza que as deep techs com um DNA ESG têm uma relevância ainda maior, pois, surgem para resolver problemas urgentes da sociedade, alinhando-se às crescentes demandas por investimentos de impacto.
Ana, qual a importância da atuação dos cientistas no campo da inovação e das startups, especialmente no contexto das deep techs, como destacado no relatório Deep Tech – The New Wave do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)?
A importância é muito grande. Estamos vendo o surgimento de um novo capítulo na inovação em que passam a se destacar as startups que, além de um modelo de negócio inovador e um potencial de mercado promissor, serão cobradas pela sua relevância tecnológica. O campo da tecnologia dentro das startups está ficando mais complexo quando comparamos com a onda de startups dos últimos anos. Estamos olhando agora para startups que têm ativos tecnológicos valiosos, como dispositivos médicos, biotecnologia, soluções de hardware com inteligência computacional mais avançada, entre outros. Esse é um fator essencial para a relevância dos problemas que essas startups se propõem a resolver: o foco cada vez maior para questões de relevância para toda sociedade, como aquecimento global, energias limpas, preservação de florestas, acesso à água e alimentação, cidades inteligentes e sustentáveis, reaproveitamento de resíduos, novos materiais, para citar apenas alguns. São áreas em que o conhecimento científico é essencial, então a importância dos pesquisadores, da universidade e centros de pesquisa no campo da inovação é enorme e urgente.
Quais são os principais desafios enfrentados pelas startups de base tecnológica profunda, considerando o crescimento estimado de 20 vezes nos investimentos na próxima década na América Latina?
As startups deep tech enfrentam, além dos problemas de uma startup tradicional, questões mais inerentes ao ciclo de desenvolvimento da solução que é mais complexo. Para validar a sua solução, essas startups demandam MVPs mais caros e mais complexos; muitas vezes, para realizar seus testes em campo, já precisam enfrentar aspectos regulatórios sérios, como autorizações da Anvisa. São startups que têm um vale da morte mais longo e mais oneroso, o que pode assustar o investidor que procura retorno rápido e modelos mais seguros e testados. Acredito que para a maturação dessas startups, é necessário inovar em arranjos financeiros mesclando capital público, capital filantrópico e capital de risco para equalizar as expectativas de retorno e dar oportunidade de esses empreendimentos gerarem o impacto que sabemos que pode ser transformador para a sociedade como um todo. Sempre destacamos também o perfil dos empreendedores, que muitas vezes vem da academia e precisam se capacitar e se adaptar à linguagem e cobranças do mercado, ter uma visão mais comercial da sua solução para conseguir prosperar. Outro ponto importante é o desenvolvimento do ecossistema de inovação como um todo, porque a complexidade inerente a estas startups pressupõe a necessidade de muito trabalho em colaboração com outros atores.
Qual a relevância das deep techs que nascem com um DNA ESG (ambiental, social e de governança), conforme mencionado na sua análise sobre a abordagem mais sistemática dessas startups?
Elas acabam tendo uma relevância maior, pois, nascem para resolver problemas de interesse da sociedade como um todo e problemas urgentes também. Com o aumento dos investimentos de impacto, que crescem a cada ano em todo o mundo e com a cobrança para que empresas e investidores tradicionais também assumam responsabilidades com o desenvolvimento sustentável das economias, a startup que já nasce com o DNA de impacto social ou ambiental se destaca no mercado. Além disso, se ela consegue ser bem sucedida e ter uma boa solução que atenda um problema relevante e em grande escala que o mercado ou o governo ainda não conseguiu resolver, o crescimento do negócio acaba sendo consequência.
Quais são as principais tendências de deep techs no Brasil, especialmente nos setores do agronegócio, bioeconomia, energia limpa e saúde?
O Agronegócio é considerado um dos principais pilares da economia brasileira e seu crescimento no país se deve muito aos investimentos em tecnologia e inovação que são realizados todos os anos, também em busca de tornar o setor cada vez mais sustentável. Uma delas, muito importante, é a criação do APTA HUB, um movimento do governo de São Paulo cujo objetivo é fomentar o surgimento de negócios e soluções inovadoras nas ICTs voltadas para o agronegócio.
Já em relação à Bioeconomia, um estudo inédito “Identificação das Oportunidades e o Potencial do Impacto da Bioeconomia para a Descarbonização do Brasil”, desenvolvido pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), evidencia como a bioeconomia complementa a transição energética para a inserção de tecnologias promissoras de biorrenováveis dentro das cadeias produtivas, além de soluções que impactam a produtividade da agricultura, aproveitamento da biomassa, entre outros pontos. Nesse contexto, a ciência, tecnologia e inovação desempenham um papel fundamental nessa jornada ao promover desenvolvimento econômico por meio desses insumos, gerando riqueza, impulsionando as indústrias, mas principalmente, priorizando a preservação da floresta.
Quando falamos sobre Energia Limpa, dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), apontam que mais de 90% da energia gerada e utilizada no país foi produzida por meio de fontes renováveis sendo hidráulica, eólica, biomassa e solar, registrando no primeiro trimestre de 2023 a maior produção de energia limpa nos últimos 12 anos. Pesquisas em hidrogênio verde, por exemplo, também vem ganhando holofotes, principalmente no Nordeste do Brasil, onde está localizado o hub mais avançado em hidrogênio verde do país. Para se ter uma ideia, essa inovação é apontada como a fonte de energia do futuro, capaz de zerar as emissões de carbono na atmosfera. Ou seja, um segmento que vem em constante evolução, um terreno fértil para a atuação das deep techs e para o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas capazes de ajudar a resolver problemas nesse segmento.
Por fim, de acordo com dados do Global Market Insights, o setor de saúde é uma das vertentes mais promissoras do mundo e a expectativa é que esse mercado alcance um tamanho de US$ 500 bilhões em 2025. Quando falamos sobre pesquisas e produção científica, o país é considerado uma das referências em todo mundo. O Relatório da Global Innovation Index (GII) de 2019, mostrou que 45,3% das publicações brasileiras são relacionadas à saúde.
Qual o papel da ciência, tecnologia e inovação no impulsionamento do desenvolvimento econômico, sustentável e social do Brasil, conforme a missão da Wylinka?
Com mais inovação, as empresas brasileiras ganham diferenciais competitivos para que o Brasil diminua a dependência das commodities, produza mais riquezas e mais soluções para os desafios que enfrentamos. Ter grandes empresas e startups inovadoras que operam com tecnologias de ponta retém talentos, fortalece o nosso mercado, gera empregos e fortalece a economia. Ganhamos riqueza no longo prazo e avançamos ainda mais tecnologicamente. Porém, a força tecnológica precisa crescer com o desenvolvimento sustentável e para isso acontecer, acreditamos que é necessário intenção e direcionamento das ações que fortalecem nossa inovação e nossa base tecnológica para a resolução desses problemas sociais e ambientais relevantes que venho comentando ao longo da entrevista.
Qual a importância das pesquisas em hidrogênio verde, destacadas como inovação capaz de zerar as emissões de carbono, e como isso influencia as oportunidades para as deep techs no setor de energia limpa?
As pesquisas sobre hidrogênio verde estão despertando o interesse de todo o mundo, especialmente nesse momento em que se discute transição energética e que vemos crises causadas pelas guerras afetando o abastecimento de países (como é o caso do gás natural que vem da Rússia para países europeus). Nesse sentido, há polos de pesquisa para o desenvolvimento dessas tecnologias e o Brasil é um desses, especialmente a região Nordeste. Um dos hubs mais avançados em hidrogênio verde do país está no Porto de Pecém, ao norte de Fortaleza. Atualmente ele possui pesquisas avançadas com pelo menos dez companhias, como a ArcelorMittal, ou consórcios interessados em produzir verde no Ceará. Além disso, Pecém tem entre seus sócios o Porto de Roterdã, que se posiciona como uma das principais portas de entrada do hidrogênio no continente. Outro estado nordestino considerado uma potência para o desenvolvimento de hidrogênio verde, devido sua disponibilidade de recursos de energia renovável de baixo custo, é a Bahia. Tanto que a primeira fábrica brasileira deste insumo em construção está alocada na região.
Mas, cabe dizer que o hidrogênio verde é uma das alternativas e que essas pesquisas ainda não estão em estágios avançados o suficiente para permitir uma comercialização escalável no curto prazo. Existem outras matrizes energéticas sendo estudadas e nesse momento, eu acredito que todas elas merecem a devida atenção, pois, no funil da inovação, você distribui as fichas em várias iniciativas e apenas algumas se estabelecem e ganham escala. Esse é o jogo.
Quais são as perspectivas para o setor de saúde no Brasil, considerando o crescimento esperado para o mercado que pode atingir US$500 bilhões em 2025?
O Brasil possui um ecossistema significativo de pesquisa na área de saúde e também vem promovendo políticas públicas nas áreas de inovação e de saúde nos últimos anos. A relevância da pesquisa científica brasileira em saúde traz uma oportunidade de posicionamento em inovação nesta área, aproveitando o mercado em crescimento.
Temos também a oportunidade de melhorar o acesso à saúde da população brasileira. O relatório da Global Innovation Index (GII), ressalta o aumento da inovação em tecnologia médica em todo o mundo, com a convergência de tecnologias digitais e biológicas, apontando o impacto destes fatores para países em desenvolvimento. A evolução das TICs (como a telemedicina, a Inteligência Artificial, o big data e os wearables) permitiu diagnósticos à distância, maior grau de precisão dos pareceres, o monitoramento de batimentos cardíacos e dos níveis de substâncias no corpo dos pacientes, além da gestão integrada dos dados, gerando inteligência para o sistema e histórico de tratamento dos pacientes. Essa descentralização dos pontos de cuidado com a saúde é uma demanda antiga das populações menos favorecidas e distantes dos grandes centros, que cria valor em países em desenvolvimento como o nosso. Temos populações que carecem de recursos básicos para a realização de exames e consultas, seja pela distância geográfica como pelo custo da infraestrutura, que passariam a ter acesso a especialistas, medicamentos e ferramentas de diagnóstico e monitoramento. Essa população se beneficiaria destas tecnologias com mais acesso ao sistema de saúde fora dos hospitais, o que aumentaria sua qualidade de vida.
Qual o papel das instituições brasileiras na discussão sobre a reindustrialização no país, e como a inovação pode contribuir para fortalecer a indústria e gerar emprego e renda?
A reindustrialização é um assunto de política pública, pois, necessita de ações coordenadas e consistentes por um longo período, que vai além do tempo de um ciclo de governo. Ela precisa ser uma pauta abraçada por diversos setores para que o trabalho em colaboração se fortifique. Nesse sentido, no que cabe à ciência, à academia e à inovação, tem muita coisa que pode ser feita. As nossas indústrias têm demandas tecnológicas e achar soluções nacionais para essas demandas, como dito anteriormente, cria um ciclo virtuoso de avanço tecnológico e retenção de talentos que fortalece a nossa economia e o nosso mercado.
Quais são os desafios enfrentados pelas startups e instituições brasileiras no contexto da taxa de juros, e como o mercado pode responder para concretizar os planos de reindustrialização?
A taxa de juros alta favorece o investimento em renda fixa e opções de menor risco. Ou seja, o investidor quer aproveitar que os investimentos seguros estão pagando bem para alocar o seu capital no lugar menos arriscado possível. Isso, muitas vezes, quer dizer que o apetite do mercado ao investimento em startups e tecnologia, mais arriscado, cai. Mas a reindustrialização depende do investimento em tecnologia e inovação. Então o mercado tem que buscar foco em resultados além do retorno seguro do investimento, pensar no longo prazo e também se dedicar a entender melhor e atuar com inovação tecnológica, de forma a encontrar caminhos para a mitigação destes riscos inerentes.
Como a Wylinka, uma organização sem fins lucrativos, contribui para transformar o conhecimento científico em inovações que impactam positivamente o desenvolvimento econômico, social e sustentável do Brasil?
Somos uma organização cujo propósito é transformar o conhecimento científico em inovações que melhorem o dia a dia das pessoas e promovam o desenvolvimento econômico, social e sustentável do Brasil. Em nossa atuação, nós viabilizamos a inovação de base científica com metodologias de ponta, focadas na formação empreendedora do pesquisador e na implementação de ciclos rápidos de desenvolvimento de tecnologias e startups para diminuir o risco e o time to market. Também fazemos a tradução necessária entre Universidades e mercado, para gerar ações em conjunto com objetivos alinhados e equilíbrio entre saber científico e geração de resultados, e aplicamos a visão de fronteira em inovação e boas práticas internacionais no desenho, planejamento e implementação de políticas de inovação junto a governos, organizações setoriais, ICTs e ecossistemas. Em 11 anos, são mais de sete mil cientistas capacitados, a Wylinka mapeou mais de 900 tecnologias, apoiou mais de 120 instituições de ciência, tecnologia e inovação e mais de 3 mil negócios. Nesse período, houve mais de cinco mil acessos a nossos conteúdos, com mais de 16 mil pessoas participando em nossa rede.
Última atualização da matéria foi há 9 meses
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