A precisão do renomado físico Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é físico, astrônomo, professor, escritor e roteirista. Atualmente atua como pesquisador da Faculdade de Dartmouth, nos Estados Unidos. Conhecido nos Estados Unidos por seus lecionamentos e pesquisas científicas, no Brasil é mais popular por suas colunas de divulgação científica no jornal Folha de S.Paulo. Escreveu oito livros e publicou três coletâneas de artigos. Participou de programas de televisão nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil. Recebeu o Prêmio Jabuti em 1998, pelo livro “A Dança do Universo”, e em 2002 por “O Fim da Terra e do Céu”. Em 2007, foi eleito membro da Academia Brasileira de Filosofia. Em 2006, apresentou um bloco no programa dominical Fantástico, da Rede Globo, chamado “Poeira das Estrelas”. A série em muito lembra a série “Cosmos”, de Carl Sagan, com episódios abordando temas científicos e mantendo o foco na astronomia e na origem da vida. A série inspirou um livro homônimo publicado no mesmo ano. Dois anos depois, em 2008, também no Fantástico, apresentou outra série de conteúdo científico: “Mundos Invisíveis”, onde explorou a história da física e da química, da alquimia à física de partículas elementares. Em 2010, narrou o documentário “Como Funciona o Universo”, exibido pelo Discovery Channel. “O código ético básico de um cientista é a honestidade”, afirma o renomado físico.
Marcelo, o poeta francês Paul Claudel dizia que a Música é alma da geometria. Como você definiria à física?
Física é o que dá substância a essa alma; afinal, se interpretarmos a física como nossa descrição do mundo natural, música e geometria são parte dela; a geometria nascendo da necessidade de medirmos o mundo à nossa volta e a música de criarmos uma linguagem universal que fala direto aos sentidos e, só depois, à razão.
A física tem estado em bastante evidência no mainstream nos últimos anos. Por que acha que isso ocorreu?
Porque a física moderna trata de questões muito antigas, que falam direto às pessoas, suas expectativas e visão de mundo. Por exemplo, hoje discutimos a origem do Universo, da matéria, a natureza do espaço e do tempo, energia, a noção de que tudo é transformação, a natureza da vida e da mente. As pessoas têm um enorme interesse nessas questões, que, antes, eram província da religião.
A ciência sempre mostra que praticamente não sabemos nada do mundo que nos cerca. Essa sensação também é recorrente em um cientista renomado como o senhor?
Diria que a ciência trata de expandir nosso conhecimento do mundo que, no meu livro “A Ilha do Conhecimento”, representei como uma ilha cercada pelo oceano do desconhecido. Aprendemos muito nos últimos 400 anos, mas, sem dúvida, temos muito ainda que aprender. Como argumentei no livro, não existe um fim para o conhecimento; sempre teremos algo a descobrir do mundo.
É possível sentir que uma descoberta científica terá um impacto na vida das pessoas no momento em que essa descoberta torna-se patente?
Sem dúvida, especialmente dependendo da ciência. Alguma cura de uma doença, por exemplo. Ou tecnologias que melhoram a qualidade de vida dos que tem algum tipo de limitação, física ou mental. Outras, temos que esperar para ver o que ocorre, como foi o caso da internet. No início, não sabíamos que iria transformar o mundo.
Temos charlatães em vários meios. Na área científica, o charlatanismo é mais difícil de ocorrer?
Sim, é. O código ético básico de um cientista é a honestidade. Afinal, a ciência é uma metodologia criada para que não nos deixemos enganar pelos fatos. Infelizmente, mesmo na ciência não podemos escapar da personalidade humana, e o charlatanismo aparece, esporadicamente.
Quando acredita que a compreensão do Universo se torna filosófica?
Existe uma dimensão científica para o que entendemos do Universo, que é baseada nas observações que fazemos e nas teorias que criamos para descrevê-las. Porém, compreender o Universo, mesmo se limitadamente, sempre implica numa reflexão filosófica do contexto dessa descoberta, de como ela transforma (ou não) nossa visão de mundo, aprofundando nosso conhecimento de nós mesmos.
Perto da imensidão do Universo, somos seres micros. Por que o micro ainda não foi entendido como devia e muitas vezes damos um valor muito maior ao macro?
Não sei bem se isso é um jogo semântico. Me parece que se somos nós, o “micro” como você diz, que temos a capacidade de compreender, mesmo que limitadamente, o “macro”, não existe uma separação imediata entre os dois. Sem nós, sem nossa criatividade, o Universo seria um lugar vazio de significado.
Qual questão do microcosmo ainda lhe instiga?
São muitas… não sabemos se existem apenas 4 forças fundamentais na Natureza; não sabemos porque existe mais matéria do que anti-matéria no Universo, ou se a bóson de Higgs é composto de partículas ainda menores, ou como ganhou sua massa. Não sabemos se existe um limite das partículas que chamamos de elementares, as menores que existem.
E qual questão do macrocosmo ainda lhe perturba?
Também são muitas: não sabemos a composição da matéria escura, que circunda as galáxias, ou a natureza da energia escura, que preenche o Universo. Não temos como saber explicitamente o que ocorreu no Big Bang, o início da nossa era cósmica, ou se o Universo na sua infância, passou por um período de expansão rápida chamado de inflação cósmica.
O senhor disse em uma certa oportunidade, que está cada vez mais materialista. Em algum momento da sua existência, o dilema entre religião e ciência lhe tirou o sono?
Não me lembro de ter dito isto; minha visão de mundo é o que poderíamos chamar de materialismo espiritual. Vejo a Natureza sem a presença de alguma entidade ou entidades sobrenaturais. Por outro lado, vejo o homem perante a grandiosidade do Universo com muita humildade e um senso de conexão que só posso chamar de espiritual. O que me tira o sono são os abusos perpetrados tanto por extremistas religiosos como por extremistas ateus, que não veem a importância da fé na vida das pessoas, mesmo se têm fé no não-acreditar, uma contradição.
A simples beleza do inesperado é o que faz a vida valer a pena?
Sem dúvida; as coisas ocorrem sem um plano premeditado. Ao tentarmos explicar demais, achar causas ocultas em tudo o que acontece, acabamos tirando a beleza da surpresa, dos momentos que definem nossas vidas.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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