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Martin Wolf e o oráculo da economia

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Martin Wolf, colunista-chefe de economia do Financial Times, é um daqueles raros analistas que resistem ao tempo, às marés ideológicas e aos delírios da moda intelectual. Aos 79 anos, segue publicando textos com um misto de severidade britânica e clarividência helênica, como se fizesse seus diagnósticos com um estetoscópio na alma do capitalismo. Leitor de Keynes, crítico de Friedman e discípulo do bom senso, Wolf está na galeria dos grandes intérpretes da economia global — ainda que, vez ou outra, erre o alvo ou adoce excessivamente os contornos das instituições ocidentais.

O que o distingue, mais do que o vernáculo elegante ou o currículo robusto, é sua persistente tentativa de compreender a economia como um sistema moral, político e histórico. Ele não vê PIB como se vê uma fatura de cartão. Para Wolf, economia é escolha com consequência, é poder disfarçado de planilha. Seu livro mais recente, The Crisis of Democratic Capitalism (2023), é uma confissão preocupada sobre a erosão da democracia liberal diante de um capitalismo cada vez mais predador e concentrador. É um alerta de quem conhece a engrenagem e sabe que, sem correções, o motor quebra.

“Quando Wolf muda o tom, é sinal de que algo grave está em curso. Quando ele diz que “o capitalismo democrático está em crise”, não é apenas mais uma manchete, é uma sirene.”

É verdade que Martin Wolf nunca foi um radical — e talvez por isso mesmo tenha mantido seu posto no panteão da imprensa financeira. Seus escritos estão cheios de nuances, concessões e ponderações. Mas quem lê com atenção vê que ele não se furta a frases de corte: alertou sobre os riscos da financeirização muito antes de 2008, criticou a austeridade com elegância, mas firmeza, e defendeu a ação dos Estados em momentos de colapso, como durante a pandemia. Sua crítica à desigualdade e à má regulação de grandes corporações é clara, mesmo quando disfarçada sob a liturgia editorial do FT.

Ele é, portanto, um oráculo relutante. Não quer ser adorado, mas escutado. E, de certa forma, já previu quase tudo: bolhas, falências, disfunções de mercado, corrosão institucional. O problema é que poucos prestam atenção enquanto ainda há tempo.

Um liberal clássico cercado por bárbaros

Martin Wolf acredita no capitalismo — mas não em qualquer capitalismo. Para ele, o sistema precisa ser domado, enquadrado por regras claras, supervisionado por instituições sólidas e sempre equilibrado com os valores democráticos. Em sua visão, o colapso da confiança nas elites, o populismo de direita e a estagnação da renda da classe média são produtos de um capitalismo que se esqueceu do contrato social.

E, ainda assim, é um liberal. Não do tipo que vende estatais a preço de banana ou que bate palma para hedge funds predadores. Mas um liberal no sentido iluminista: avesso ao autoritarismo, defensor da liberdade de imprensa e da racionalidade como norte. Em tempos de caos digital e fake news em estéreo, Wolf é quase um personagem anacrônico — como se Adam Smith voltasse à vida para pedir cautela, não lucro imediato.

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Seus críticos — e eles existem — apontam sua condescendência com os mecanismos de poder do Ocidente. Dizem que ele critica os excessos de Wall Street, mas jamais destrona sua centralidade. Que observa o Sul Global com certo distanciamento, como se o subdesenvolvimento fosse sempre uma falta de reformas e não um produto de séculos de desigualdade estrutural. Há um fundo de verdade nisso. Wolf tem um viés anglo-eurocêntrico inegável. Seu mundo começa em Londres, passa por Bruxelas e termina em Washington. O resto é geopolítica de rodapé.

Mas até nisso ele é útil. Porque fala de dentro — e quem fala de dentro, mesmo quando se contém, revela. Seus textos são como estenogramas da elite esclarecida: mostram o que o establishment pensa, teme e tolera. Quando Wolf muda o tom, é sinal de que algo grave está em curso. Quando ele diz que “o capitalismo democrático está em crise”, não é apenas mais uma manchete, é uma sirene.

E o mundo, infelizmente, tem ignorado as sirenes. Com guerras, inflação resiliente, bolhas de ativos verdes e bilionários lançando foguetes enquanto metade da população global vive com menos de US$ 10 por dia, o alerta de Wolf soa como um testamento intelectual. O oráculo fala. Cabe aos mortais escutar — ou não.

Martin Wolf acredita no capitalismo — mas não em qualquer capitalismo (Foto: Respekt)
Martin Wolf acredita no capitalismo — mas não em qualquer capitalismo (Foto: Respekt)

Como todo grande jornalista, Martin Wolf não pretende salvar o mundo. Mas nos ajuda a entendê-lo antes que ele desabe. E, convenhamos, isso já é muita coisa.


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