Claudius fala da falta de um Fernando Gasparian
Claudius Ceccon teve seu primeiro contato com a comunicação popular durante seu exílio político na década de 70 em Genebra, principal centro financeiro da Suíça. “Para simplificar esta longa história, foi depois de meu encontro com o grande educador Paulo Freire”, relembra. Na época, Ceccon trabalhou numa organização internacional na área de comunicação. Nascia aí uma preocupação que o acompanha até hoje: a democratização da informação. O cartunista também foi um dos cinco fundadores de “O Pasquim” (o mais famoso e histórico tabloide que desafiava a censura e a Ditadura Militar) com qual colaborou até a sua extinção, em 1982. “Não concordo inteiramente. Os chargistas e os quadrinistas brasileiros ocupam o limitado espaço que lhes é permitido pelos órgãos de imprensa. O que publicam pode ter mais do que uma leitura apenas superficial. Em jornais e revistas mais à esquerda, nada ficamos devendo em agressividade e objetividade. O “punch” das charges publicadas na imprensa americana acontece quando os alvos são gente como Nixon ou Bush. (…) Dez anos de Governo de coalizão centro-esquerda, o que quer que isso queira dizer, não abriram espaço para a imprensa alternativa, nem para as rádios e televisões comunitárias, e nem facilitaram a vida de publicações à esquerda, como Caros Amigos. O vazio deixado pelo Pasquim não será preenchido pela sua reedição nos mesmos moldes”, afirma.
Paulo Caruso disse em uma certa oportunidade, que o senhor é o George Harrison da charge brasileira. Como enxerga o seu próprio trabalho como chargista?
Hmm!… George Harrison, hein? Nada mal! Considero meu trabalho como chargista, como um tremendo privilégio, o de poder expressar visualmente uma ideia, um sentimento, uma proposta, que chega a milhares de pessoas, que a interpretam, reeditam e disseminam, reconhecendo nela algo que as toca, emociona, mobiliza, faz rir ou pensar.
Existe espaço ainda para uma imprensa alternativa no Brasil como outrora, onde tínhamos veículos de grande importância e relevância como os jornais “Opinião”, “Movimento” e sobretudo “O Pasquim” do qual participou ativamente?
Espaço, demanda, necessidade, existem. O que falta é quem banque. Falta um Gasparian [Fernando Gasparian, ex-deputado Federal na Assembleia Constituinte de 1988 e proprietário da editora Paz e Terra falecido em outubro de 2006], um empresário liberal (no sentido que a palavra tem nos Estados Unidos) e com tinta nas veias. Bancou o Opinião e deu uma mãozinha no “O Pasquim”, no período em que Millôr Fernandes esteve à frente, ou falta capacidade de organização, e de planejamento. Falta uma proposta que mobilize, que seja viável, que se baseie num projeto de auto-sustentabilidade, usando novos recursos, como o crowdfunding [financiamento coletivo que consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo através da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral de pessoas físicas interessadas na iniciativa.], que garantiriam sua independência. Dez anos de Governo de coalizão centro-esquerda, o que quer que isso queira dizer, não abriram espaço para a imprensa alternativa, nem para as rádios e televisões comunitárias, e nem facilitaram a vida de publicações à esquerda, como Caros Amigos. O vazio deixado pelo Pasquim não será preenchido pela sua reedição nos mesmos moldes. Vivemos novos tempos, em que o inimigo a desvelar e criticar é mais difuso do que a estupidez ridícula da ditadura naquele tempo.
O jornalista Ivan Lessa, dizia que a charge que se pratica atualmente no Brasil não tem o chamado “punch”. Concorda com ele?
Não concordo inteiramente. Os chargistas e os quadrinistas brasileiros ocupam o limitado espaço que lhes é permitido pelos órgãos de imprensa. O que publicam pode ter mais do que uma leitura apenas superficial. Em jornais e revistas mais à esquerda, nada ficamos devendo em agressividade e objetividade. O “punch” das charges publicadas na imprensa americana acontece quando os alvos são gente como Nixon ou Bush. Não percebo críticas a ações desastrosas como a invasão do Iraque, o uso de drones [aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada] os prisioneiros de Guantánamo ou a guerra sem fim no Afeganistão. É como se os chargistas compartilhassem aquele sentimento de superioridade imperial ou o isolacionismo que rejeita o diferente, o outro. Não há espaço para uma visão pessoal, divergente. Há limitações, lá e cá
O assunto Educação é tratado como se deveria nos veículos da chamada grande mídia?
A Educação deveria ser um dos principais, senão o principal item da pauta. É raro, infelizmente, encontrar um texto que informe com objetividade. Tem-se a impressão de que nada está sendo feito, o que não é verdade.
Apresente o CECIP para quem ainda não conhece.
O CECIP, Centro de Criação de Imagem Popular é uma associação civil sem fins lucrativos, que trabalha na intersecção dos campos da educação e da comunicação. Foi criado por um grupo de profissionais de diversas áreas: Paulo Freire, Ennio Candotti, Eduardo Coutinho, Ana Maria Machado, Washington Novaes, entre outros, preocupados em fazer chegar à população, de forma acessível, informações sobre seus direitos. Foi criado em 1986, quando os efeitos deletérios de 21 anos de regime de exceção estavam muito presentes. Tudo começou com um projeto de televisão comunitária, a TV Maxambomba, que se apresentava nas praças da Baixada Fluminense, um projeto que fez história e inspirou muitos outros semelhantes, Brasil afora. Ao longo dos anos, respondendo a demandas crescentes, o CECIP foi se tornando uma produtora de materiais educativos – impressos e audiovisuais e de metodologias que contribuem para a qualificação de ações de educadores e agentes sociais em defesa de direitos de cidadania. Dito assim, parece um tanto megalô. As ações do CECIP não pretendem substituir o poder público no que ele tem por obrigação fazer, mas criar modelos que, colocados em prática, demonstrem potencial para ganhar escala. Projetos experimentais que demonstrem que é possível melhorar a qualidade da educação de crianças, jovens e adultos e aperfeiçoar a capacidade de ensinar e de gerir dos educadores. Com 26 anos de existência, o CECIP atua em várias frentes, da educação infantil a programas de cultura de paz, de crítica da mídia a combate ao racismo, de inclusão digital a violência doméstica, de Meio Ambiente à saúde entre outros. Em função de sua experiência acumulada, há quatro anos o CECIP dirige a Escola de Arte e Tecnologia OI KABUM, uma parceria com o Instituto Oi Futuro.
Trata-se de uma escola na qual jovens de 16 a 21 anos, de famílias de baixa renda, aprendem, em 18 meses, novas tecnologias, como vídeo, design, webdesign, fotografia e design sonoro, além de história da arte e cidadania. Os jovens têm possibilidades imediatas de inserção no mercado. Essa experiência nos levou a aceitar outro desafio: dirigir o Centro de Cultura Digital da Praça do Conhecimento, localizada no Complexo do Alemão. Lá também há cursos de novas tecnologias, além de ser um centro cultural que é intensamente utilizado pela comunidade. Concretamente, o que faz o CECIP? 1) Produz materiais educativos, vídeos, DVDs, manuais, cartilhas e cartazes; 2) Forma, capacita, atualiza educadores e jovens, tanto na utilização desses materiais quanto na sua produção; 3) Concebe e realiza campanhas de interesse público sobre temas sensíveis, como racismo, violência doméstica, direitos de crianças e adolescentes, perigos de auto-medicação, etc; 4) Realiza documentários e filmes de ficção, pelos quais já recebeu mais de 80 prêmios em festivais nacionais e internacionais.
Um dos livros produzidos pelo CECIP, chama-se “Mestres da Mudança”, onde educadores são motivados a experimentar novas formas de atuar profissionalmente. É possível que educadores possam atuar de uma forma diferente numa educação que está engessada?
Nossa experiência comprova que sim. Em nossos cursos e seminários com a Metodologia de Mudanças Educacionais, por exemplo, partimos da realidade em que as pessoas vivem e construímos, com elas, planos de ação específicos para melhorá-las. Os resultados dessa maneira de atuar podem ganhar escala, transformar-se em política pública.
Há alguns anos, o INEP, do Ministério da Educação, e o Unicef realizaram uma pesquisa para entender como escolas públicas, localizadas em regiões pobres do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, podiam obter resultados no Enem superiores aos de escolas particulares, de classe média, em cidades como Rio e São Paulo. A pesquisa apontou cinco fatores comuns a todas elas: 1) Uma gestão com visão, entusiasmo e liderança; 2) Uma equipe de educadores motivada e dedicada; 3) Participação efetiva de alunos na gestão da escola; 4) Participação dos pais e mães desses alunos, convidados pela direção e sendo ouvidos por ela; e 5) Apoio externo – um clube que abre suas instalações esportivas a uma escola que não possui esse espaço, uma empresa que a apóia reformas, doa livros ou equipamentos ou contribui para melhorar a qualidade da merenda, etc. Essas características podem e devem ser implementadas em todas as escolas, mudando-as para melhor.
O jornalista Paulo Henrique Amorim afirmou que não existe liberdade de imprensa, ou melhor, liberdade de imprensa é apenas para os donos dos veículos. Existe liberdade de imprensa no Brasil?
Se um grande conglomerado que possui canal aberto de televisão, canais pagos, jornais, revistas e rádios é, também, proprietário de empresas de planos privados de saúde, como posso confiar em sua isenção ao falar do SUS? Se esse mesmo grupo tem interesses no lucrativo ensino privado, sua abordagem das políticas públicas de democratização do ensino público será merecedora de confiança? Se as teles, as ondas de rádio e as páginas de suas publicações impressas não têm espaço para o contraditório, para o outro lado, podemos dizer que o direito do cidadão a uma informação independente está sendo atendido? Por que não foi divulgado na imprensa, na íntegra, o recente discurso do Ministro do Supremo Joaquim Barbosa, na Costa Rica, onde teceu fortes críticas ao virtual monopólio da informação no Brasil, por forças conservadoras que não são representativas dos reais interesses da população brasileira?
Goethe dizia que a arquitetura é a música petrificada. E para o senhor, o que é a arquitetura?
Antes de mais nada, não sou um grande profissional dessa área e muito menos sou um Goethe. Mas a arquitetura, além da sua natureza estética, que parece constituir o cerne da definição de Goethe, tem também uma função social, difícil de definir musicalmente, e está necessariamente inserida num tecido urbano, que deve atender a múltiplas demandas. Por essa razão, é importante haver uma “educação urbana”, capaz de criticar empreendimentos feitos sem qualquer consulta – não só à opinião pública, mas também aos órgãos de classe competentes. Estamos assistindo, estarrecidos, a uma série de decisões e fatos no Rio de Janeiro, como o gasto de mais de um bilhão para reconstruir o estádio do Maracanã. E, de repente, aconteceu um imprevisto que levará aos cofres das empreiteiras mais duzentos milhões. Essa arquitetura é um tipo de música que não é petrificada, mas concretada. Seu som está machucando nossos ouvidos!
Houve um grande debate entre os novos e os chamados velhos profissionais do mercado de Design no Brasil. Os mais novos dizendo que os mais velhos faziam parte de uma “máfia” que não deixava surgir novas ideias, e os mais velhos dizendo que os mais novos estavam barateando demais os preços dos trabalhos e depreciando o setor. Como viu essa discussão?
Fui da primeira turma da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial). No segundo ano da escola, se não me falha a memória, houve um concurso para criação da logomarca do Banco do Brasil. Todos os professores da ESDI competiram. Quem ganhou? Um colega nosso, cursando o segundo ano…É a logomarca que o Banco do Brasil ostenta até hoje. Moral da história? Os concursos são democráticos. O Design brasileiro possui hoje profissionais de alto nível e é respeitado no exterior. Suponho que clientes de grandes empresas procurarão profissionais mais experientes para a solução de problemas complexos. O que esses profissionais cobrarem por seu trabalho estabelecerá determinado valor no mercado. Mas há empresas e empresas, grandes, médias e pequenas. Isso significa grande variedade de oportunidades de trabalho e de níveis de atendimento abertos aos mais jovens. O Design, como fator de qualidade, como vantagem comparativa de um produto na competição industrial é um fato cada vez mais estabelecido.
O CECIP idealizou também a TV Maxambomba, que atuava como uma TV comunitária. Acredita que exista espaço para um projeto semelhante nas grades de programações das televisões abertas do país num horário de grande visibilidade?
A TV Maxambomba era essencialmente presencial. Suas apresentações se faziam ao cair da noite, quando os moradores de um determinado local vinham reunir-se na praça. Os vídeos produzidos com a população, ou a partir de suas demandas, eram projetados num telão instalado em cima de uma Kombi. As pessoas saíam de suas casas, da frente de suas televisões, na hora da novela ou do telejornal, para assistir, coletivamente, a programas que jamais veriam na telinha. Neles, elas se viam como realmente são, as histórias eram histórias que tinham sentido. No telão era projetada a criatividade dos compositores, poetas e artesãos, valorizados e admirados. Ao final de cada sessão, havia a câmera aberta, quando qualquer pessoa podia intervir, ao vivo, para complementar, aprovar ou discordar de alguma coisa, com sua imagem projetada no telão. Essa experiência de interatividade eminentemente presencial, não havia ninguém num estúdio distante para cortar algo que julgasse inconveniente, foi uma das mais fortes e inovadoras características da TV Maxambomba e a razão pela qual ela era tão querida da população, que a considerava sua televisão.
A arte deve ter algum tipo de representação em nossa sociedade?
Não sei se entendi bem sua pergunta, mas penso que nela está contida uma velha discussão entre arte pela arte, arte engajada e arte comercial. Na exposição de Chagall, “Entre Guerra e Paz”, atualmente em Paris, me surpreendi com uma faceta desse pintor extraordinário, amoroso e surrealista, que eu não conhecia: ele foi testemunha dos horrores da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e pintou coisas terríveis, como testemunha do seu tempo, como Picasso, que pintou Guernica. Mas Chagall, Picasso, Matisse, Miró e tantos outros também pintaram outras coisas, porque quiseram pintar, por inspiração ou por encomenda. A pintura lírica de Chagall terá menos valor artístico porque alguém a terá encomendado? O artista e a arte devem refletir de algum modo seu tempo. Uma outra coisa, inteiramente diferente, é a arte comercial. Falta-lhe algo essencial, a motivação ética, a inspiração genuína. Mas isso é matéria para os experts.
O Brasil de hoje é aquele que senhor imaginava quando lutava com a sua arte para a redemocratização do país?
Todos sofremos muitas decepções. Apesar de tudo, na minha opinião, o saldo é positivo. Mas ainda estamos longe do que podemos alcançar como nação que tem de cuidar do bem estar de seus filhos.
Não é estranho ver esquerdistas unidos com a parte mais reacionária da política só pela chamada governabilidade?
A prática da política e especialmente a maneira de realizar eleições não permite que realizemos as reformas radicais de que necessitamos, entre elas a reforma política. Então, o jeito é fazer de tudo para que haja mais participação, mais conhecimento, mais informação, para que a população vote cada vez com mais consciência de seus direitos e deveres. Essa é a nossa tarefa, nossa responsabilidade comum, como educadores e como comunicadores.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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