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Toni Venturi está ao lado da liberdade de expressão

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Toni Venturi é um dos cineastas mais respeitados da sua geração. Morou no Canadá de 1976 até 1984, onde se graduou Bacharel em Artes Fotográficas – Cinema, pela University Of Ryerson, em 1984. Também formou-se em Comunicação Social – Cinema pela Universidade São Paulo, em 1987. No Brasil, fez o curso secundário no Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, em São Paulo, que compunha uma rede de escolas experimentais mantida pela pedagoga Maria Nilde Mascelani e extinta pela Ditadura Militar. Depois da passagem pelo Canadá, viveu no Rio de Janeiro até 1989 e desde 1990 reside em São Paulo. Seu longa-metragem “Cabra-Cega”, foi vencedor de 25 prêmios em diversos festivais, dentre eles, seis no 37.º Festival de Brasília de 2004, melhor filme latino no 3.º Syracuse International Film Festival de 2006 e menção honrosa no 11.º Kerala International Film Festival 2005. Seu primeiro documentário longa-metragem “O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes” (1997), ganhou o prêmio de melhor filme brasileiro na segunda edição do Festival É Tudo Verdade. Seu primeiro longa de ficção, “Latitude Zero” (2001) foi selecionado para a seção Panorama do Festival de Berlim e para a mostra World Contemporary Cinema do 26.º Festival de Toronto. Atualmente é dono da produtora audiovisual Olhar Imaginário, que atende o mercado independente de cinema, comunicação social e séries para a TV.

Toni, o que um cineasta não pode perder ao longo do tempo?

A inquietude. O cineasta é um ser antenado com sua época e como vivemos em tempos turvos há grandes desafios à frente. O cineasta (um privilegiado no sentido das oportunidades educacionais e materiais) tem um compromisso com sua terra e com as questões humanas que dizem respeito aos mais frágeis, aqueles que precisam de um canal para expressar a sua voz. Todo filme é político, embute uma ideologia, mesmo as fitas de entretenimento escapista. Então, um bom filme (ficção ou documentário) tem que conter a chama da insurgência, da sensibilidade, da provocação estética, respeitar a inteligência do espectador e a diversidade de pontos de vista. Os filmes não têm necessariamente que dar respostas, mas prefiro aqueles que ousam um lume de esperança daqueles que são uma passagem, uma jornada sensorial. Afinal, o ponto de vista do cineasta é sua visão de mundo e as pessoas vão ao cinema para entrar em contato com diferentes universos, até os mais estapafúrdios. O cineasta procura dar um sentido ao caos da sociedade de massa, digital e multifacetada, e seu olhar pode estar desfocado, aí paga um preço alto pelo fracasso. É um desafio e tanto, mas através do microcosmo dos personagens conseguimos contar histórias sobre as matérias do espírito, da mente e do coração.

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O que você não perdeu e o que foi acrescentado na sua carreira em todos esses anos?

Não perdi o sonho, nem a vontade de fazer filmes que mobilizem as pessoas, que as provoque a pensar sobre nós mesmos, que tenta promover alguma transformação na percepção delas sobre o mundo em que vivemos. Não me acomodei. E o cenário é bastante favorável a estas premissas porque as coisas não estão bem. O brasileiro está descobrindo sua verdadeira face. E ao se olhar no espelho vê uma imagem não muito bela de si mesmo. De um lado é bom saber o quanto a nossa sociedade letrada é tosca, individualista e mesquinha. De outro, é duro ver cair por terra o mito cor de rosa da cordialidade, da miscigenação, da democracia racial. E ver o quanto cultivamos um baixo-estima perene e servilismo histórico. O mais louco é que o povo pobre é sim generoso e hospitaleiro, e os segmentos violentos e rancorosos são na maioria de classe média. Gente privilegiada por herança, estrato familiar e oportunidades. Como vamos juntar tudo isso num novo projeto de civilização eu não sei. Como cineasta, o que ganhei ao longo da carreira foi ter menos ansiedade, mais paciência para chegar aos objetivos e mais humildade para fazer filmes que transcendem meu próprio umbigo.

Onde você acredita que está a “alma” de documentários como “Dia de Festa?”.

Está na autêntica compaixão pelos sem-teto. Se desgarrar da realidade confortável da classe média que habitava em 2004 para viver um universo totalmente distinto, separado por somente alguns quilômetros (minha casa nos Jardins ao centro da cidade de São Paulo), estar de verdade com as pessoas carentes do movimento, participar regularmente do dia a dia deles por um ano, tudo isso foi muito forte e determinante. Cresci, humanizei-me. Passei a ver o mundo com mais generosidade e menos egoísmo. Fiz o documentário com um grito no peito clamando por justiça. Estou vivendo um novo desvelar agora, 15 anos depois. Estamos fazendo um documentário sobre o racismo com uma equipe de pretas e pretos talentosos. Em contato com o movimento negro, mergulhado nas periferias, não estou sentindo na pele aquilo que como branco só experimentei como privilégio, mas fazendo um libelo poético antirracista para a branquitude acordar dessa infâmia que pesa sobre o Brasil.

Essa alma está em todos os documentários que fez ou em alguns ela [alma] esteve mais presente?

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O filme sem alma, não presta. Não vai chegar a ninguém, não vai tocar as pessoas. “O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes” (1997) foi uma entrega de anos, nas pesquisas, na procura de material de arquivo, no afã de dar conta de um mito, uma empreitada titânica para um jovem que queria fazer cinema (no primeiro filme a gente ainda não sabe se vai dar certo ou não). Em “Rita Cadillac, a Lady do Povo” (2010), por abordar uma vedete tratada com muito preconceito pela sociedade falso-moralista, resolvi colocar-me no filme (metalinguagem) para deixar claro que não estava me escondendo. E “Vocacional, uma Aventura Humana” (2011) é ainda mais pessoal, conto a minha história no ginásio renovador quando foi tragado pela Ditadura Militar. Não sei fazer filmes sem entrega absoluta. Não há arte sem paixão. A diferença está talvez na felicidade das escolhas, nas circunstâncias do lançamento, ou seja, nas conjunturas externas, não na interna.

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Quais são os elementos de um bom documentário institucional?

Do ponto de vista das campanhas institucionais que fiz para o MEC (Ministério da Educação) na década passada, ou seja, estamos falando de filmes institucionais de utilidade pública, o principal aspecto é o humano. Pesquisar personagens verdadeiros para dar credibilidade e verossimilhança. Mas mesmo colocando muita arte e valor de produção, o documentário institucional não escapa do purgatório: fica com cara de chapa branca.

O que os seus longas, documentários e títulos de ficção trazem em comum?

O lugar de protagonismo da mulher – o que é interessante refletir sob as luzes dos dias atuais onde a questão do lugar da fala e do locus social é muito cobrada: sou um homem branco, cis e heteronormativo. Em todos os filmes, as mulheres são as propulsoras da narrativa (Lena em “Latitude Zero”, Rosa em “Cabra-Cega”, Carmem em “Estamos Juntos” e Raquel em “A Comédia Divina” ou Zezé Motta como “Deus”). Mulheres fortes e empoderadas versus homens duros, machistas e infantis. Outro aspecto análogo que vamos encontrar no subtexto dos filmes, que apontam para gêneros bastante diversificados, é a ideia da transformação, seja a social ou a pessoal. Meu foco é a jornada.

Em que momento um filme se torna atemporal?

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Quando mais singelo, mais profundo, mais simples na parábola poética, mais fácil se transformar numa obra que resista ao tempo, às mudanças de percepção da sociedade. Mas quando fazemos um filme não pensamos em nada disso. Estamos só tentando alcançar algum lugar que não sabemos bem qual é, em meio a uma travessia cheia de percalços e dificuldades, com grandes riscos de soçobrar. Fazer um filme é aterrorizante, muito trabalhoso e lindo ao mesmo tempo. E ele nasce quando vemos pela primeira vez com a sala cheia. Acompanhar a respiração do público na pré-estreia é uma experiência indelével.

“Cabra-Cega” de 2004, está nessa categoria?

“Cabra-Cega” talvez tenha chegado perto. Mas deixo para os críticos argumentarem. Não sou daqueles que fica lambendo a cria. Tenho uma relação de amor e ódio pelos meus filmes. Passado o esforço de lançamento e as diversas sessões de pré-estreia fico anos sem vê-los. Até com vergonha deles. Mas quando um dia bato o olho num deles, sem querer, como já aconteceu algumas vezes, fico vidrado assistindo e tentando entender qual Toni estava lá fazendo aquele filme, naquele tempo, naquela época. Isto aconteceu com “Cabra-Cega” recentemente. Fiquei orgulhoso.

Como avalia o momento do audiovisual em nosso país?

Tormenta, com perigo de virar uma borrasca. Já vivi o tsunami de 1990 quando o ressentimento tomou conta da “opinião pública” e Ipojuca Pontes demoliu a Embrafilme. Eu não era ninguém. Fui espectador do desmonte. Depois, ajudei a construir esta nova aurora. Nesses 30 anos de atividade coloquei alguns tijolos, carreguei muitos carrinhos de areia, levantei alguns pilares desta nova edificação. Vi a atividade sair do zero e chegar onde estamos: 160 longas de produção anual. Para agora sermos taxados de “vagabundos que usufruem do dinheiro público” por uma casta de marajás da elite do funcionalismo público judicial. Uma triste ironia, na contramão da história. Porque a passagem do analógico para o digital é uma verdadeira revolução horizontal. Uma jovem da Maré (RJ) ou do Capão Redondo (SP) pode produzir imagens em 4K, narrativas empolgantes, desde que lhe deem boa escola, comida e conhecimento. Estávamos ingressando num novo patamar, começando a quebrar a geleira do imobilismo social, diminuindo o fosso histórico entre ricos e pobres. O pré-sal ia nos transformar numa nação petrodólar. O que aconteceu? Egoísmo, imbecilidades e falta de compaixão. O rancor e o ódio vêm tomando conta da sociedade e o novo ciclo virtuoso do audiovisual está em perigo. Grande perigo!

Em suas entrevistas você fala muito sobre a imagem. Uma imagem vale mais que mil palavras no cinema?

Nem todas, mas algumas têm esse poder, desde que consiga sintetizar um sentimento coletivo, o desejo inconsciente de uma classe, a pulsão de um povo. A imagem da vietnamita nua correndo e gritando após o bombardeio de napalm de sua aldeia ajudou a terminar a guerra do Vietnã. Mas se não fossem as milhões de palavras relatando as atrocidades americanas no sudeste asiático nos anos 60 não teria surtido efeito. Palavra (texto), som e imagem. Essas três coisas em movimento não mudam o mundo sozinhas, mas movem corações e mentes que alimentam as multi-utopias do futuro. O obscurantismo não vencerá a liberdade.

Última atualização da matéria foi há 7 meses


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