Ayala Rossana comenta sobre atuação no teatro
Ayala Rossana começou a vida artística como atriz, depois se enveredou pelo mundo das produções, chegando a produzir um média-metragem, o “Soropositivo”. Atriz e produtora, também é assessora de imprensa e assessora Paula Goodarth e Mussunzinho, filho de Mussum, o eterno trapalhão. Criadora da “Caixa Preta Produções Artísticas”, que realiza atualmente o espetáculo infantil “Os Saltimbancos”, com uma montagem diferente, alegre e muito comovente. A montagem envolve uma pesquisa minuciosa de toda a obra, partindo do primeiro contato de Chico Buarque com a Original “I Musicanti”, de Sérgio Bardotti e Luiz Enrique Bacalov, ainda na Itália em 1976. Passando pela criação do disco “Os Saltimbancos”, tradução e adaptação para o teatro inspirada em “Os Músicos de Bremen”, até a sua estreia em agosto de 1977, em plena Ditadura onde envolvia todo o contexto da época. Cada personagem é análogo à opressão sofrida pelas classes na época onde não se permitia a liberdade de expressão. Cada frase ou cena se materializa em uma crítica inteligente a determinados momentos que passamos que ainda estamos vivendo, ou que ainda precisa ser mudado; seja na problemática trabalhista, racial e social da época da criação até os dias de hoje. O texto continua muito atual. As coreografias são realizadas a partir de danças brasileiras e movimentos de capoeira, maculelê, jongo e coco.
Ayala, fale um pouco de sua carreira para quem ainda não lhe conhece.
Trabalho com teatro desde os meus 13 anos, comecei a estudar na extinta Funabem de Quintino, hoje Faetec, lá eu fazia oficinas de teatro no também extinto Teatro Grande Otelo, onde havia oficinas de interpretação e em uma delas tive a sorte de realizar um dos meus primeiros trabalhos. Acho que foi nesta época em que fiz o meu primeiro trabalho social indiretamente. Tratava-se de uma colagem de textos de Carlos Drummond de Andrade [poeta, contista e cronista, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro, 1902 – 1987] e viajamos para Minas Gerais apresentando o trabalho em alguns Padres Severinos da região. Logo depois fui estudar nas oficinas do Sesc do Engenho de Dentro. Participei das montagens de Aurora da Minha Vida e Bailei na Curva. Continuei trabalhando e, quando fui morar em Rocha Miranda, criei um projeto de Teatro Itinerante na comunidade, onde levava espetáculos para o bairro. Montei uma biblioteca e comecei ter a certeza que queria, por meio da arte, realizar trabalhos comunitários e sociais.
O que lhe moveu para trabalhar com o público infantil?
Gosto de teatro, seja ele infantil ou adulto, comédia ou drama, qualquer que seja o espetáculo me move, me provoca. Mas eu acredito que podemos ser uma boa influência na educação cultural das crianças com bons textos. Gosto de realizar trabalhos que façam as pessoas refletirem. É o meu primeiro trabalho de direção e pesquisa, e com a minha parceira Rosirene Visitação foi um encontro ainda maior: pude pensar no texto, como executá-lo, no colorido porque o colorido pra criança é fundamental, nos detalhes dos figurinos, nos personagens, o que cada um representa, pensar esse texto, tamanha a importância dessa obra, que se encaixa muito bem atualmente, isso me move a querer estudar e trabalhar mais ainda para os pequeninos. Percebo todos os dias um encantamento, uma troca das crianças com os atores, e quando eles se emocionam e emocionam a gente, é um exercício diário que ainda preciso fazer muito. Penso nelas como o futuro e penso nelas como um futuro melhor, mas crítico, criativo. O público que estamos recebendo no teatro é mais uma conquista e a troca ainda mais inspiradora. É o mundo da criatividade.
Quais cuidados são primordiais quando se trabalha com este tipo de público?
Muitos são os cuidados, criança não é bobinha. Entende bem as coisas, percebe tudo, é até muito rápida nas suas percepções. Eu me preocupo muito se elas estão gostando, o trabalho é feito pra elas, todo o projeto é pensado nelas. Tenho a necessidade que elas saiam do teatro felizes, os 45 minutos são delas, quando as vejo entrando no teatro quero que elas se divirtam e muito, que cantem. Algumas levantam das cadeiras e vão para perto do palco cantar. Gosto que meus atores no final tirem fotos com as crianças, pode ser um movimento que muitos não gostam, mas elas adoram, e nós também. Elas esperam os personagens para vê-los de perto e se elas gostam quem sou eu pra não permitir, fazemos tudo para elas. Nós somos os coadjuvantes nessa história.
A arte deve ter um papel social?
Eu acredito muito nisso. A arte precisa ir de encontro com quem precisa, encontrar quem não tem acesso, precisamos dar acesso às crianças, jovens e adultos e também aos idosos de todos os cantos. Tenho a sorte de ter pessoas comigo que gostam de trabalhar desta forma e tenho a felicidade de todos os dias receber no teatro crianças de Projetos Sociais, Instituições, Escolas Municipais. Esse movimento atrai cada dia mais e mais crianças de vários lugares do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que essas crianças serão público de teatro no futuro e é bom saber que fizemos parte desse movimento.
Fale um pouco sobre a peça “Os Saltimbancos”.
Um sonho bom. Em 2015 conversando com a diretora e atriz Rosirene Visitação fiz a proposta de montar o espetáculo. Eu já tinha feito este espetáculo quando era mais nova como atriz, e fiquei com ele na cabeça, pensava que quando tivesse a oportunidade queria montá-lo, com a minha cara, do meu jeito e depois de pesquisarmos convidamos os atores e montamos. O mais bacana é que o texto é muito atual, montamos na hora certa. Os Saltimbancos é um texto que foi escrito em uma época difícil do país, em plena Ditadura, época em que falar o que se pensava era proibido. Em 1977 ele é montado no extinto canecão tendo Grande Otelo, Pedro Paulo Rangel, Miúcha e Marieta Severo como os artistas da primeira montagem. Os personagens em formato de bichos faziam seus questionamentos a época. Fui pesquisando junto com a Rose e percebendo que o texto adaptado de Chico Buarque, que conta a história dos quatro bichos que fogem da pousada por serem oprimidos pelos Barões, já cansados de tanta humilhação está muito atual. Montamos, encontramos no caminho pessoas que nos ajudaram muito a desenvolver esse projeto. Nossa primeira temporada foi na Tijuca, de lá fomos pro Natal Sem Fome da Rocinha, no ano de 2016 fizemos uma temporada no Teatro Glauce Rocha, 7° Festival de Queimados e hoje estamos no segundo mês da Temporada no Teatro Municipal Serrador. Maio em especial, foi um mês sensacional.
O que mais surpreenderá o público que assistirá a este espetáculo?
Nossa sou suspeita de falar, adoro assistir até hoje o espetáculo, quando vai começar sinto ansiedade, tudo sempre como se fosse a primeira apresentação. Tudo pra mim, é surpreendente [Risos]. Mas vamos lá. Ganhamos um bom presente. A Roberta de Recife veio para atuar, logo já estava entrosada com todos. A parceria dela deu a vida musical que o espetáculo precisava. A Trilha da Roberta de Recife é espetacular, eu e Rose falamos pra ela nos ensaios da nova temporada e o que nós queríamos pra cada música, que já era a proposta do espetáculo antes, e ela conseguiu fazer exatamente da forma que a gente pensou desde 2015 na primeira temporada, é a nossa terceira temporada, primeira com a Roberta, mas a vida musical que ganhamos casou perfeitamente com tudo. Com ela nós ganhamos o tom. Pedimos um forró pra música da galinha, uma ciranda no Dorme a Cidade, Um rap, e ela conseguiu desenvolver cada pedido, a Roberta foi um ganho nessa temporada, o tempero que faltava, chegou há dois meses e acrescentou com sua gata Divina. Já o Geandro Pascarelli trouxe a magia das coreografias, dentro de todo o contexto que ele ouviu, criou coreografias com detalhes especiais para cada solo e para músicas coletivas, outra pérola. O Rollo é um Barão perfeito, a máscara que ele construiu para os momentos que ele entra em cena são formidáveis, o andar, as pausas, ele tem o peso e a tensão do opressor que imaginávamos em cena, como diz Roberta ele é nosso Malvado Favorito, a Rosirene Visitação além de diretora, produtora, é uma atriz linda e faz uma galinha perfeita, ela consegue com detalhes fazer o público rir e as crianças se encantarem.
É muito colorida, divertida, tem um tom de comédia perfeito, na hora das fotos as crianças querem levar as peninhas dela e isso é encantador. Já a Isa Di Morais, que faz o jumento, me surpreende diariamente, até o momento dos agradecimentos, ninguém sabe que ela é uma menina, e isso é um mérito de trabalho construído no processo de dois meses de ensaio diários em 2015, um orgulho grande meu e de Rose, a entrega dela para realizar bem as cenas dela nos motivou a ensaiar muito. Já o Eduardo Piovesan é um curinga, ator amigo, disponível, ele conhece os detalhes do espetáculo, dança bem, canta bem, uma facilidade de decorar incrível, vai de um lado pro outro, movimenta todas as cenas com a maior leveza. Eu tenho muita sorte de ter um elenco tão afinando, somos todos emocionais e sensíveis, isso facilita realizar. A técnicos e eu agradeço demais também, Patricia Nantes, David Israel, Fátima Araújo e a querida Waleria de Carvalho, o que seria de nós sem essas pessoas.
Quais as grandes dificuldades em fazer teatro para este determinado público?
A dificuldade hoje é querer fazer um trabalho social que dê acesso às pessoas no teatro. Queria levar mais escolas e mais instituições que não têm essa oportunidade porque nos falta transporte. Ainda não temos parceria para isso. É ruim, não ter um incentivo hoje que nos ajude a permanecer no teatro. Não ter um patrocínio mínimo pra que a gente consiga atingir mais e mais crianças. As dificuldades são sempre financeiras, dificuldade de apoio infelizmente.
E quais as maiores felicidades?
O sorriso das pessoas.
Explique um pouco do trabalho social que disponibiliza convites para crianças carentes e escolas públicas no qual você está à frente.
Em todas as nossas sessões disponibilizamos ingressos para crianças de ONGs, Projetos Sociais, Instituições Beneficentes, casas de repouso, crianças com deficiências. Temos uma cota de ingressos pra esse público. E o interesse é que a cada dia eu possa ter mais e mais ingressos pra essa galerinha. Espero poder ter o teatro lotado sempre, mas o patrocínio e os apoiadores são fundamentais. O teatro precisa de ajuda, apoio… as grandes empresas precisam entender que a arte é fundamental na vida do ser humano e na construção cultural dessas pessoas. Todos precisam dessa alegria.
Qual a importância da diretora Rosirene Visitação para que esse espetáculo saísse do papel e ganhasse vida?
A Rosirene Visitação é fundamental, sem ela eu não teria nem começado, sem ela não estaria dando essa entrevista. Ela embarcou na minha viagem e sentou no banco da frente comigo e começamos a conduzir o barco. No projeto somos uma só, quando ela disse sim, pensei estamos casadas, temos agora uma relação linda, que está gerando frutos, cheias de projetos. Além da amizade de mais de 15 anos que comemoramos no teatro.
Foram muitas noites de sono acordadas pintando caixotes que catávamos no lixo, na rua, foram muitos WhatsApps para os amigos pedindo ajuda coletiva pra comprar cola, tecidos, maquiagem, purpurina. Muitos dias de ensaios, falta de grana, mas hoje estamos juntas e querendo que dê muito certo. A arte nos move, temos o mesmo sonho e isso é o que faz tudo isso funcionar. O teatro nos une e esse grande coletivão nos incentiva a continuar.
O filósofo francês Bonald, dizia que a cultura forma sábios e a educação forma homens. Qual a responsabilidade dos produtores culturais na formação dos futuros sábios e dos grandes homens do nosso país?
Eu me sinto cada dia mais responsável pelo que coloco no palco, seja produzindo algo meu diretamente ou fazendo uma produção convidada. Não sou só uma produtora, sou uma agente cultural, tenho necessidade de realizar projetos que possam atingir muitas pessoas, não me limito a projetos só para os pequeninos, quero levar para os adultos, quero estar com a melhor idade, quero poder fazer, realizar. Somos como produtores e agentes responsáveis pelo que divulgamos, o que damos ao público, precisamos alimentar bem as pessoas e essa qualidade nossa equipe tem. Tento fazer o meu melhor, se alguém sair de um espetáculo que eu esteja produzindo mais consciente, questionador, já cumpri um pouco da minha responsabilidade em formar e educar com a arte.
Última atualização da matéria foi há 2 anos
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