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Bondage: Brasil tá amarrado no fetiche

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Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um crescimento notável do interesse por práticas sexuais alternativas, entre elas o bondage, uma vertente do BDSM (sigla para bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo). O termo se refere, especificamente, à prática de imobilização consensual entre parceiros, utilizando cordas, fitas, algemas ou outros recursos. Longe de ser uma novidade absoluta, o bondage carrega séculos de história — principalmente no Japão, onde evoluiu como arte estética sob o nome de shibari — mas seu florescimento no território brasileiro revela tendências mais amplas de transformação social, cultural e sexual que merecem análise.

Esse crescimento pode ser verificado tanto no aumento da produção de conteúdo sobre o tema em plataformas digitais quanto na proliferação de eventos, workshops e espaços especializados que se propõem a ensinar técnicas seguras de amarração, discutir ética sexual, consentimento e prazer. Redes sociais como Instagram, Twitter (agora X) e TikTok têm servido de palco para a divulgação de tutoriais, performances e debates, ao passo que influenciadores sexuais e educadores da área veem sua audiência crescer com rapidez surpreendente. A visibilidade do bondage, no entanto, não vem sem desafios, contradições e resistências — tanto do ponto de vista moral quanto da segurança física e emocional dos envolvidos.

“O avanço de pautas conservadoras, ataques a direitos sexuais e reprodutivos, e tentativas de censura a expressões culturais não normativas criam uma ambiência de tensão.”

É curioso que, num país historicamente conservador em relação à sexualidade — embora marcado por uma cultura de hipersexualização — o bondage esteja se popularizando como forma legítima de expressão erótica. Uma das explicações possíveis é a ascensão de uma geração mais aberta à experimentação, influenciada por discursos globais de empoderamento sexual, feminismo interseccional, diversidade de gênero e combate ao moralismo religioso. A tecnologia e o acesso a informações mais qualificadas também têm papel central nesse processo, uma vez que ajudam a desmistificar o BDSM e a distingui-lo de práticas abusivas.

Mas, se por um lado o bondage pode representar um território de descoberta, confiança e comunicação intensa entre parceiros — exigindo altos níveis de consentimento e escuta mútua — por outro lado, sua espetacularização nas redes corre o risco de esvaziar o aspecto ritualístico e cuidadoso da prática, transformando-a em performance esvaziada de contexto. Há, também, um risco de adesão superficial, movida mais pela estética e pela curiosidade do que por uma compreensão real do que significa amarrar e ser amarrado. Em alguns casos, o fetiche vira produto, e o produto ignora os limites éticos.

O erotismo amarrado entre a libertação e a espetacularização

Além disso, observa-se um certo apagamento dos saberes tradicionais e das comunidades que sustentam essas práticas há décadas, como o movimento BDSM brasileiro, que sempre enfrentou marginalização e estigmatização, muitas vezes criminalizados ou confundidos com violência doméstica. O crescimento atual do bondage, ainda que promissor, muitas vezes ignora essas raízes. A massificação sem memória é uma ameaça à integridade dessas práticas e pode contribuir para distorções graves.

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Modelo japonesa em uma demonstração típica do nomeado bondage
Modelo japonesa em uma demonstração típica do nomeado bondage (Foto: Wiki)

Não é irrelevante, também, considerar o contexto político e social do Brasil contemporâneo. O avanço de pautas conservadoras, ataques a direitos sexuais e reprodutivos, e tentativas de censura a expressões culturais não normativas criam uma ambiência de tensão, onde o crescimento de práticas como o bondage pode tanto funcionar como ato de resistência quanto ser facilmente cooptado como mercadoria segura para consumo liberal e superficial. A linha é tênue, e os dilemas são reais.

Por fim, vale lembrar que o bondage, como qualquer prática sexual não convencional, demanda responsabilidade. O uso inadequado de técnicas, a ausência de comunicação clara, ou a negligência em relação ao estado físico e emocional dos participantes pode gerar situações traumáticas. O debate sobre segurança — conhecido no meio como SSC (são, seguro e consensual) ou RACK (risco assumido com conhecimento) — deve estar no centro da popularização dessa prática, para que ela não se torne apenas mais uma curiosidade de vitrine digital, mas uma verdadeira via de expressão e autoconhecimento.

Última atualização da matéria foi há 5 meses


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