Colunas Sociais: elas ainda são relevantes?
A cobertura do casamento extravagante de Jeff Bezos e Lauren Sánchez em Veneza foi um lembrete de que o universo da alta sociedade ainda tem poder de mobilização midiática — pelo menos nas manchetes das revistas de moda e nos portais mais atrelados ao entretenimento global. A Vogue dedicou páginas ao evento, e fotos cuidadosamente posadas que circularão por dias nas redes sociais, reativando por um breve momento o interesse público por esse tipo de narrativa visual e simbólica. Mas a pergunta que fica, mais incômoda do que se imagina, é: ainda precisamos das colunas sociais?
A resposta, como em quase tudo, depende da perspectiva. O jornalismo social, ou colunismo social, teve seu auge quando a sociedade gostava de se ver refletida em padrões aspiracionais. Era uma forma de sonhar com festas inacessíveis, conhecer bastidores do poder, ou simplesmente acompanhar o que vestiam e com quem andavam os donos do Brasil — sejam esses do mundo político, empresarial ou artístico. Nomes como Ibrahim Sued, com seu bordão “Sorry, periferia!”, Zózimo Barrozo do Amaral, herdeiro de Sued em muitos sentidos, Giba Um, conhecido pelo furo rápido, certeiro e mordaz, ou ainda Maneco Muller, com sua pena mais refinada, ajudaram a moldar esse gênero no Brasil. Não havia grande jornal ou revista que não abrigasse uma dessas figuras. A sociedade, afinal, gostava de se ver retratada, especialmente quando se tratava da elite.
“Milionários aprenderam a não gritar tanto sua fortuna. A elite política, por sua vez, blindou-se: hoje as decisões mais importantes são tomadas fora das lentes, em reuniões privadas, jantares sem fotógrafos e bastidores sem jornalistas.”
Hoje, no entanto, essa elite se esconde.
O mundo mudou, e com ele mudaram também os códigos de visibilidade. Nas décadas de 1960, 70, 80 e até os anos 90, aparecer em uma coluna social era um símbolo de status: era estar no radar, ser parte de um circuito de influência. Os jornais registravam desde jantares discretos em mansões e coberturas cariocas até festas nababescas em Campos do Jordão ou Morumbi, com listas de convidados, marcas dos vestidos, bufês e espumantes. O colunismo social era, além de informativo, também uma plataforma de legitimação de poder.
O glamour que se foi — e o que ficou
Mas com o tempo, a própria noção de exclusividade se alterou. A digitalização da vida social tornou tudo simultaneamente mais acessível e mais efêmero. O Instagram, o TikTok e mesmo o LinkedIn passaram a cumprir, cada um a seu modo, a função de mostrar onde alguém esteve, com quem, como se vestiu e o que comeu. O lugar do colunista social, com suas notas discretamente enviesadas e suas frases de efeito, foi invadido por influenciadores, assessores de imagem e fotógrafos profissionais a serviço de suas próprias redes. A cobertura é instantânea, direta da fonte, sem necessidade de intermediação jornalística.
Além disso, houve um esfriamento natural do interesse público pelo universo da alta sociedade tradicional. Em tempos de vigilância social e de cancelamentos, ostentar se tornou perigoso. Milionários aprenderam a não gritar tanto sua fortuna. A elite política, por sua vez, blindou-se: hoje as decisões mais importantes são tomadas fora das lentes, em reuniões privadas, jantares sem fotógrafos e bastidores sem jornalistas. O glamour perdeu a espontaneidade, virou risco.
Mesmo quando surge um evento como o casamento Bezos-Sánchez, o tom da cobertura é cuidadosamente editado — não se trata mais de revelar o que o público não sabe, mas sim de reforçar uma imagem polida e globalmente estratégica. Nada ali é genuíno. O que outrora era o furo do Giba Um hoje é o press release revisado.
Ainda assim, há tentativas de reinvenção. Alguns veículos mantêm colunas sociais com pegada mais moderna, menos bajulatória e mais crítica. Outras investem em perfis mais bem apurados, em vez das clássicas notinhas rápidas. E ainda há públicos que se interessam, sobretudo fora dos grandes centros, por registros de casamentos, formaturas, encontros religiosos ou empresariais. A tradição persiste, mas perdeu centralidade.

É inegável que as colunas sociais desempenharam um papel importante na construção da memória social e política do país. Elas eram espelho e instrumento — refletiam comportamentos e influenciavam decisões. Foram um retrato à parte do Brasil oficial, e por isso, de valor histórico. Mas sua relevância no presente está ameaçada por um contexto em que tudo é visto, tudo é dito, e nada permanece.
No fim, a questão não é tanto se as colunas sociais ainda são relevantes — mas para quem elas são. A elite mudou, a sociedade mudou e, talvez, o jornalismo também precise mudar. Mas há algo de insubstituível na escrita que não apenas informa, mas também interpreta. E talvez seja aí, e não nos salões nem nas sacadas de Veneza, que o colunismo social possa se reinventar.
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