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Jacqueline Terpins fala de surpresas como meta

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Nascida na Paraíba, Jacqueline Terpins cresceu no Rio de Janeiro e, desde 1973, vive em São Paulo, onde fundou seu ateliê. Em 1968, começou a estudar desenho com o artista plástico Lydio Bandeira de Mello, na capital fluminense. Entre 1969 e 1970, estudou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), com Lygia Pape, Anna Bella Geiger, Frederico de Morais e Ivan Serpa. No ano seguinte foi para Londres, onde se graduou pela Byan Shaw School of Painting and Drawing. Voltou ao Brasil para cursar artes com Ivan Serpa e comunicação visual na Escola de Belas Artes da UFRJ. Em 1979, quando Serpa lhe apresentou um documentário tcheco sobre fábricas de vidro soprado, se apaixonou pela riqueza do material. Impulsionada pela vontade de explorar as múltiplas potencialidades do cristal, construiu uma fértil e reconhecida trajetória, transitando com desenvoltura entre o terreno artístico e a produção de objetos utilitários e mobiliário. Jacqueline Terpins se tornou um dos nomes mais importantes do design contemporâneo brasileiro. Na década de 1990, fez as primeiras experimentações com madeira. Foi quando desenvolveu as linhas de mobiliário Gazela (1992) e Sutra (1996). A partir de 2009, retomou e aprofundou o trabalho, lançando novas linhas, como a Copacabana (2010), que celebra um dos ícones do Rio de Janeiro: as calçadas de Copacabana, e a coleção de estantes Sessenta (2014), inspirada na estética da década de 1960.

Jacqueline, como foi o começo de sua carreira até chegarmos aos dias atuais.

Eu me formei em Comunicação Visual pela Escola de Belas Artes da UFRJ (Rio de Janeiro), estudei técnicas de vidro soprado na Penland School of Art and Craft (EUA) e na Pilchulk Glass School (EUA), também estudei desenho na Byam Shaw School of Art (Inglaterra) – hoje parte da Central Saint Martins College of Arts and Design (Inglaterra). É impossível falar da minha formação sem mencionar o Ivan Serpa, tive aulas com ele no MAM e também no Centro de Pesquisa de Arte (dele e do Bruno Tausz), onde o Ivan lecionava. Em 1971 fiz este curso dentro de um grupo de alunos com produção artística. Eram encontros semanais onde apresentávamos nossos trabalhos para discussão e também o que havíamos visto da produção cultural da cidade. Teatro, cinema, exposições, livros eram compartilhados e discutidos exaustivamente. O Ivan era um observador atento e sensível, um visionário, um mestre. Foi uma figura estrutural na minha formação. Ele mostrou um filme do consulado da antiga Tchecoslováquia que retratava vidreiros em ação num forno de cristal soprado. Esse filme me causou um espanto devido à plasticidade do cristal em estado incandescente e é um encantamento que hoje já posso chamar de vício. Ainda no Rio de Janeiro, consegui a primeira entrada numa fábrica de vidro e a partir deste momento fui ganhando intimidade com a matéria-prima.

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Quando você foi despertada pela paixão chamada design?

Minha formação foi em artes plásticas, essa sempre foi (e até hoje é), a base e o primeiro contato que eu tenho com qualquer projeto que eu venha a fazer. Eu produzi em 1979 o Vaso Gota, meu primeiro trabalho em vidro e com intuito utilitário. Foi bem-sucedido, no seu aspecto comercial, mas meu olhar ainda estava voltado para a arte. Em 1988 meu marido faleceu subitamente e eu me encontrei viúva com dois filhos para criar. A vida me chamou para um trabalho comercialmente viável e foi dessa forma que iniciei minha trajetória no design, dedicando-me à produção de peças utilitárias. Apesar desse início prático, o design abriu-se como uma forma de encontrar arte nas situações cotidianas. Um objeto ou móvel que consiga transmitir emoção, seja pela estética ou por sua capacidade de facilitar a vida do usuário é extremamente intenso e aproxima uma amplitude de perspectiva de vida como a arte muitas vezes nos leva a ter. O design transformou-se em meu principal trabalho e paixão.

Em que momento a artista plástica se encontra com a designer e em que momento a cabeça da designer pensa completamente diferente da artista plástica?

Arte para mim é o que toca emocionalmente, seja pela forma, pela provocação ou pelo impacto que causa. Um utensílio pode conseguir ter essa força? No meu ponto de vista, sim. Poder emocionar-se no cotidiano através do uso de objetos é uma forma de viver melhor, seja pelo estudo da sua funcionalidade, seja pela transcendência que a beleza provoca, nos levando de um estado de espírito a outro. Arte e design, a meu ver, estão cada vez mais amalgamadas, assim como essa barreira está sendo cada vez mais publicamente questionada e muitos valores rígidos agora estão sendo quebrados. A capacidade milenar do homem de poder, através do calor, transformar a rigidez dos materiais em objetos e/ou móveis sinuosos e fluidos sempre me fascinou e tento exercer isso no meu trabalho. O calor, portanto, é minha principal ferramenta e fonte de inspiração. Tenho uma relação intrínseca com a alta temperatura. Exploro o que o calor imprime nos objetos e móveis e, como numa fotografia, interrompo e congelo o movimento para a observação do que o fogo nos dá de presente: força, delicadeza e fluidez. Cada material traz sua especificidade e seu potencial de exploração criativa. Para mim não existe objeto que se propõe a ser utilitário, sem o cumprimento de sua função. Não existe domínio estético ou funcional, existe um equilíbrio. Sempre dei continuidade ao meu trabalho em arte totalmente voltada à expressão, livre de uma preocupação funcional. Não há uma “discussão” entre meu raciocínio em design ou em arte, eles são distintos, convivem bem, por vezes um inspira o outro, concluindo, eu sou uma só pessoa.

Nas suas criações, a junção de conforto, ergonomia e despojamento devem sempre andar juntas?

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É indispensável que uma criação me surpreenda, via de regra, ela terá a possibilidade de surpreender outras pessoas. Assim entra a questão do “novo”, do original no design. Caso aliado a isto, esta peça tenha uma forte expressão estética, possivelmente ela emocionará. Há peças que, no momento da criação eu parto da consideração do ser humano que utilizará o móvel ou objeto por outras vezes é a forma que convida a criação, por outras, ambas. No entanto, a ergonomia e consequentemente o conforto, são sempre objetivos finais. Optar pelo o que aparentemente é simples, é pensar no que valorizamos efetivamente, o encontro com o outro, com a natureza, o que há em nós, tanto em conteúdo intelectual como emocional. Abre espaços para o convívio e a interação, pensa o todo de modo sustentável e rejeita os excessos. Ser sucinto é um desafio que pede elegância, consciência e reflexão.

Gostaria que falasse se possível, de como foi criação da linha Copacabana, onde você conseguiu unir essas três características acima.

Copacabana celebra um ícone do Rio de Janeiro: as calçadas de Copacabana, cuja singularidade foi parte da minha infância e adolescência. O primoroso trabalho de Burle-Marx [Roberto Burle Marx, artista plástico brasileiro, renomado internacionalmente ao exercer a profissão de arquiteto-paisagista, 1909 – 1994] inspirou inúmeros artistas, crianças, românticos, etc. Eu quis trazer esse traçado para a madeira cuja origem é orgânica e cheia de curvas, desta forma contemplando conforto para receber o usuário. Fiz também a poltrona Copacabana em aço inox, trazendo a condição do metal em estado de fusão (líquido viscoso) para o desenho de criação. A curva sinuosa da poltrona parece um traço em movimento. Tentei me apropriar da fluidez do material, trazendo a memória da incandescência para a forma sólida. A poltrona Copacabana em aço inox é uma edição limitada. O projeto realmente busca conforto e ergonomia aliados à descontração (característica marcante do carioca), assim, a aparente simplicidade formal das peças e sua proporção tornam-se um convite para se sentar.

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Existiu algum fator decisivo pelo seu interesse em trabalhar com vidro?

O vidro é um material originariamente orgânico, e absolutamente fluido, é quase como a lava de um vulcão: incandescente e cheio de vida própria. Por ter em 1440º o seu ponto de fusão, ele é trabalhado em torno de 900º a 1000º. O cristal ou o vidro (questão de composição química) fluem, contraem e expandem com a temperatura ambiente, não são estáticos. Possuem vida própria e essa irresistível atração da matéria viva em movimento. Ao tornarem-se um objeto ou móvel “sólido” (quimicamente o vidro ou o cristal nunca deixam de ser um líquido e nunca deixam de fluir) eles nos mostram as suas características primordiais, como a capacidade de receber e transmitir luz, conseguem ser presença e ausência ao mesmo tempo, e isso é uma qualidade única destas matérias-primas.

Você tem mais de 25 exposições coletivas e mais de seis exposições individuais. Como tem sentido o interesse do público que não faz parte do mundo do design, sobre as suas obras e pelo assunto de modo geral?

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O novo, por excelência atrai o humano. Formas inusitadas acompanhadas de um funcionamento eficaz estão cada vez mais presentes para o consumidor, em geral. Isso não só gera receptividade como demanda. Acredito que esse é um importante norte do design, em geral, tanto para os consumidores como para as empresas. Com o acesso livre a informações que a internet nos proporcionou, tanto empresas quanto o público, em geral, hoje sabem dos últimos avanços e criações em tempo real. Cada vez mais as empresas estão receptivas às inovações, porque o mercado as demanda. Mantenho e administro o Estúdio Jacqueline Terpins, onde são comercializados e distribuídos os produtos que levam meu design assim como temos revendedores por todo Brasil. Também faço projetos especiais seja para grandes empresas, escritórios de arquitetura, peças únicas ou de tiragem limitada. É muito difícil hoje encontrar produtos de boa qualidade que não tenham sido pensados por um designer, mesmo que por ventura, o consumidor não tenha consciência disso.

E a criação para figurinos de peças teatrais, como se deu em sua notável carreira?

Trabalhei durante muitos anos como estilista da empresa do meu marido. Com seu falecimento, busquei alternativas de vida. A partir da minha experiência na elaboração construtiva de roupas e um olhar voltado à arte, pareceu natural na época trabalhar com figurinos. Um amigo de longa data é o querido José Possi Neto, diretor de teatro, tivemos muitas parcerias de trabalho extremamente ricas em troca criativa. Assim esta porta se abriu e realizei durante alguns anos o trabalho com figurinos para teatro. Com o crescimento do design na minha vida, foi faltando tempo para me dedicar ao teatro e acabei o abandonando como trabalho, mas mantenho grandes amizades e lindas memórias dessa época.

Sabemos que também criou produtos e objetos, tendo a madeira como matéria-prima. Existe alguma similaridade (além da óbvia diferença), em se trabalhar com vidro e madeira?

Trabalho com diversos materiais como cristal soprado, corian®, madeira (certificada e de replantio), aço, prata, cerâmica, vidro plano, etc. Quanto aos materiais que você pergunta, encontrei no cristal soprado uma “argila” iluminada que fascina e está plena de mistérios a serem explorados… Até hoje o cristal me provoca e a própria matéria-prima me inspira. Encontrei na madeira um material “quente” (mesmo no seu estado natural) que também tem origem orgânica e com as novas tecnologias pode ser curvado e trabalhado lembrando sua forma original, ou seja, sinuosa e natural. Cada peça fala de um momento de criação, assim como cada material abre uma possibilidade para exploração criativa e técnica.

Em uma certa ocasião, você disse que queria voltar o seu olhar para outros materiais sem ter nenhuma restrição. Quais materiais que ainda não usou em suas coleções, e que gostaria de trabalhar em um futuro não muito distante?

Seria um sonho um material que não apresentasse restrições! Mesmo no caso do cristal, temos a necessidade de fornos de fusão, recozimento, têmperas, etc. Às vezes me imagino com uma vida mais fácil, por exemplo, ser escritora onde a necessidade para expressar-se criativamente seria uma caneta e um papel. Mas todo processo criativo, toda pessoa que é chamada em sua essência para alguma expressão genuína, tem que lidar com os percalços que esse chamado traz. Mesmo o escritor tem que lidar com a editora e as limitações da realidade pós-expressão. Começo agora uma pesquisa bem inicial com pedras, elas começam a me falar sobre possibilidades criativas e eu tento agora colocar essa escuta em prática.

Sua meta é se surpreender com o que faz. Tem se surpreendido muito nos últimos anos com as suas criações?

Para mim, a surpresa funciona como uma meta e condição dentro da proposta de um objeto ou móvel de uso cotidiano para outro ser humano. Quando encontro essa sensação eu reconheço o processo criativo como sendo genuinamente meu e isso é o que dá sentido ao trabalho.

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Última atualização da matéria foi há 2 anos


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