O Alquimista: brazuca mais traduzido
Se existe um livro brasileiro que chegou ao Japão antes de muito brasileiro chegar a Santa Catarina, esse livro se chama O Alquimista. Escrito por Paulo Coelho em 1988, o romance do pastor Santiago já foi traduzido para 88 idiomas — um número que faz qualquer autor brasileiro, do acadêmico ao alternativo, espumar de inveja ou torcer o nariz. Até 2009, a obra já havia vendido mais de 85 milhões de cópias e, em 2025, estima-se que ultrapassou a marca de 100 milhões. É uma façanha quase mística, tão improvável quanto a trajetória do próprio Paulo Coelho: de letrista de Raul Seixas a imortal da Academia Brasileira de Letras — e, por tabela, bilionário.
Mas, como toda história que envolve sucesso brasileiro fora do Brasil, há sempre um ranço, um cheirinho de preconceito, uma recusa visceral de aplaudir um conterrâneo que rompe fronteiras. É quase um fetiche nacional: quanto mais o mundo aplaude um brasileiro, mais o Brasil torce o nariz. E se esse brasileiro, além de tudo, escreve de forma acessível, quase com frases de autoajuda esotérica, aí, sim, vira heresia. Paulo Coelho, o homem de R$ 3 bilhões (segundo estimativas conservadoras), carrega o estigma de ser popular demais, vendido demais, otimista demais para o gosto de uma elite cultural que ainda acredita que literatura boa precisa ser sofrida, densa, hermética e… pouco lida.
“No fim, O Alquimista continua sendo o que sempre foi: um conto otimista para leitores sedentos de sentido num mundo cínico. E o Brasil, que não perdoa sucesso alheio, continua dividido entre quem o ama em segredo e quem o odeia em público.”
A narrativa de O Alquimista é um fiapo de trama com pretensões de fábula universal. Santiago, o jovem pastor andaluz, sai em busca de um tesouro sonhado nas pirâmides do Egito. No caminho, encontra reis, alquimistas, comerciantes, ingleses místicos e sinais do destino — muitos sinais. A linguagem é direta, límpida, com frases prontas para pular direto da página para um mural do Pinterest ou um post motivacional no Instagram.
O livro é uma ode à busca pessoal, ao “seguir seus sonhos” e àquilo que Coelho chama de “Lenda Pessoal”. Não é exatamente Dostoiévski, mas também não é Paulo Freire — e isso parece irritar todos os lados ao mesmo tempo.
Popularidade não é crime (mas parece)
A crítica nacional nunca perdoou Paulo Coelho pelo pecado capital de ter virado um fenômeno de vendas. No Brasil, ser lido demais soa suspeito, quase vulgar. Enquanto Clarice Lispector ganhou status de deusa cult (e bem-merecido), Paulo virou motivo de piada acadêmica. Seus detratores — e eles são muitos — acusam-no de superficialidade, repetição de chavões e uma espiritualidade de prateleira. E tudo isso é, em parte, verdade. Mas talvez esteja aí justamente o seu mérito: ele nunca se propôs a escrever o Grande Romance Brasileiro, apenas quis contar uma história simples que ressoasse no coração de qualquer pessoa, em qualquer idioma. E conseguiu.
Os dados impressionam: O Alquimista está em listas de leitura obrigatória em escolas no Irã, nas Filipinas e em bibliotecas públicas nos EUA. Foi elogiado por personalidades como Madonna, Will Smith e o ex-presidente americano Barack Obama. Vendeu mais que Kafka e Beckett somados. Foi adaptado para teatro, quadrinhos, e (há décadas) ronda as promessas de uma adaptação cinematográfica que nunca se concretiza. Nenhum outro autor brasileiro — nem Jorge Amado, nem Machado, nem Drummond — teve esse tipo de penetração global. E isso, para alguns, parece mais motivo de irritação do que de celebração.
Talvez a revolta silenciosa da crítica venha do fato de que O Alquimista é um livro sobre a jornada de um indivíduo comum — um pastor — em busca de sentido, e não sobre traumas históricos, feridas coloniais ou dilemas filosóficos profundos. A mensagem é quase simplória: siga seus sonhos e o universo conspirará a seu favor. Mas a humanidade ama essas fórmulas. Se Paulo Coelho tivesse escrito isso em inglês, talvez fosse reverenciado como um sucessor de Kahlil Gibran. Mas escreveu em português. E é brasileiro. E rico. E esotérico. Uma combinação inaceitável para os puristas.
Ao se tornar o brasileiro mais traduzido da história, Paulo Coelho também se tornou uma caricatura para os que confundem erudição com elitismo. E ao vender milhões de livros mundo afora, desafiou a noção de que literatura nacional só deve ser consumida como remédio amargo — em porções densas, difíceis e com pós-escrito de análise semiótica.
Coelho é pop. Coelho é kitsch. Coelho é vendável. E, ironicamente, talvez tenha sido mais fiel ao espírito universal da literatura — a de comunicar — do que muitos autores que escrevem apenas para meia dúzia de resenhistas.

No fim, O Alquimista continua sendo o que sempre foi: um conto otimista para leitores sedentos de sentido num mundo cínico. E o Brasil, que não perdoa sucesso alheio, continua dividido entre quem o ama em segredo e quem o odeia em público. Enquanto isso, Paulo Coelho assiste tudo de sua casa nos Alpes suíços, rindo com um cálice de vinho na mão e direitos autorais pingando na conta. Afinal, como ele mesmo já escreveu: “O mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar.” Que se revoltem, pois. Ele já venceu.
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