PT é o grande derrotado para Rui Tavares Maluf
Rui Tavares Maluf possui graduação em Comunicação Social pelo Instituto Unificado Paulista de Ensino atual UNIP (1982), mestrado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (1992), com a tese “A Câmara Municipal de São Paulo na IX Legislatura (1983-1988) e o processo decisório do IPTU”, e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2006), com a tese “A Carreira Política na Câmara Municipal de São Paulo”. É professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), desde 2006, nos cursos de graduação e pós-graduação. Na pós-graduação é coordenador do Curso de Opinião Pública e Inteligência de Mercado (OPIM), desde o segundo semestre de 2010. Ex-professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis Campos Salles (2001-2009) e do Instituto Unificado Paulista de Ensino (atual UNIP) (1987-1991). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfases em Comportamento Legislativo (especialmente no plano municipal – prefeito, Câmara Municipal, município, cidade e vereador), Opinião Pública, Instituições Políticas e Relações Exteriores na América do Sul. No primeiro bimestre de 2014 concluiu o texto didático “O Conhecimento da História” para alunos de Ciências Sociais (forma digital no momento). “A internet vem ocupando um espaço crescente na vida de todos nós”, afirma o experiente cientista político e professor.
Quais as principais lições que devem ser tiradas dessas eleições?
A principal lição é a constatação de que os partidos tradicionais não souberam captar a profundidade da insatisfação de largos extratos da população com a prática política vigente, com o grau de envolvimento destas organizações políticas com as denúncias de corrupção, pois não fizeram uma verdadeira autocrítica, particularmente o Partido dos Trabalhadores (PT). E, como decorrência desta situação, as forças de centro não conseguiram apresentar uma candidatura de união uma vez que estavam divididas entre apoiar e fazer oposição ao Governo do presidente Temer, sem falar em seus projetos pessoais.
O que esperar de um Governo Bolsonaro?
Haverá muita incerteza enquanto ele [Bolsonaro] não apresentar com clareza suas diretrizes, e isso terá de ser feito no lapso de tempo até a posse em 1 de Janeiro de 2019. Tal incerteza se justifica uma vez que sua candidatura foi construída sobre uma organização frouxa e um candidato dividido entre um histórico de posições nacionalistas na economia, mas abraçando recentemente um programa reformista e liberal. E como lidará com as dificuldades e complexidades do ato de governar e as elevadas expectativas geradas junto a seus eleitores. Além disso, há que se considerar um histórico de afirmações do candidato tidas como preconceituosas e machistas, como de defesa da tortura, além de um discurso de elevada agressividade contra os adversários. Como se viu no próprio decorrer da campanha houve mais de uma desautorização do candidato Jair Bolsonaro sobre afirmações de seus colaboradores, como as do economista Paulo Guedes, e de seu candidato a vice, general Hamilton Mourão. Ainda assim, parece que faz algum sentido afirmar que o eventual Governo de Jair Bolsonaro será reformista, até mesmo por uma questão de necessidade. De qualquer forma será preciso aguardar algum tempo para saber sobre sua capacidade de construir maioria política e consensos entre sua base de apoio e assegurar um clima de paz, ou seja, que as oposições não sejam demonizadas.
Quem foi o principal derrotado do pleito?
Em grande medida o sistema democrático tal como vem funcionando, o que é diferente do regime democrático. Como se viu em recente pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha, os eleitores brasileiros em sua maioria defendem a democracia e dentre os que afirmavam votar em Bolsonaro 64% a defendem. Mas seguramente o PT e, em menor medida o PSDB. O PT pode ser considerado o grande derrotado ainda que tenha chegado ao segundo turno e remotamente pudesse vencê-lo, uma vez que foi responsável por criar no país uma forte divisão, um forte antipetismo em larga parte do eleitorado, levando a uma polarização que ajudou ao outro extremo.
Que papel caberá ao PT como “pedra” novamente?
Isso dependerá muito de o PT vir a fazer ou não uma autocrítica pública sobre os anos em que governou o país e de saber construir uma via que não fique subalterna ao ex-presidente Lula. Lula foi quase sempre maior que o PT no que houve de bom ou ruim. De bom foi um pragmatismo que talvez tenha evitado que as alas mais radicais à esquerda se impusessem. De ruim nem é preciso dizer. E se o PT não souber fazer isso, ou seja, a autocrítica, e tão somente mergulhar em um tipo de atuação como foi a de antes de chegar ao Governo em 2002, o caminho será, suponho, pouco promissor. A carta divulgada pelo ex-presidente Lula em 24 de outubro é um exemplo desta dificuldade. Mas em admitindo erros e procurando se adequar à nova realidade do Brasil e de boa parte do mundo, isso poderá ser importante. Talvez o partido não tenha se dado conta que no momento estava defendendo a globalização como um antídoto contra o nacionalismo de inclinação fascista. Aliás, várias forças políticas no Brasil e no mundo precisam admitir que a globalização em boa medida alia-se às democracias e, por isso, muitas de suas consequências têm fomentado reações populistas e xenófobas. Não se pode desconsiderar que o PT teve o mérito ao longo de sua existência de dar realce para as graves mazelas sociais.
PT X PSL, será a nova polarização que substituirá o tradicional duelo PT X PSDB?
Ainda é cedo para dizer, seja pelo que acabo de responder na pergunta anterior, seja por ser prematuro dizer que o PSL, seja efetivamente um partido para além de uma conveniência eleitoral circunstancial. Vale destacar que o próprio presidente eleito [Jair Bolsonaro] ingressou na agremiação há pouquíssimo tempo. Por outro lado, também é cedo para afirmar que a grande derrota eleitoral do PSDB seja uma derrota política definitiva. Poderá ser ou não. Na hipótese de o PSDB se tornar meramente uma agremiação residual e de pouca expressão política, aí sim tal polarização estará encerrada.
Uma reforma política será possível com o Congresso que se desenha?
As diferentes legislaturas têm sido um razoável obstáculo para mudanças mais profundas, particularmente na legislação eleitoral como a proposta de introdução do voto distrital (puro ou misto). Em princípio, o próximo Congresso precisará levar em conta que sua legitimidade passará por acompanhar o espírito da reforma do novo Governo, acreditando que o novo presidente tenha a capacidade de passar a mensagem correta para o Poder Legislativo. Dependerá muito da liderança do próximo presidente, de aproveitar o capital político de início de mandato e menos do próprio Congresso Nacional.
O Governo Temer deixará algum legado para o país?
Conseguiu retirar o Brasil da pior situação em que se encontrava, e de aos poucos restaurar a confiança da economia e recuperando paulatinamente o emprego, a qual só não foi maior em consequência do travamento da Reforma da Previdência por parte do Congresso, bem assim pelo desgaste político que também sofreu em consequência de seu núcleo político ter sido duramente atingido por investigações policiais e judiciais. A face política dificilmente ajudará que os benefícios econômicos da gestão do presidente Temer sejam reconhecidos, mas quem deseja ater-se aos fatos e não se deixar levar pelas paixões políticas terá de reconhecer que na condução da economia há sim um legado positivo e isso só foi possível pelo apoio político da autoridade maior do país aos seus auxiliares na economia.
A internet superou a televisão na campanha de 2018 ou ainda é cedo para tirar conclusões?
A internet vem ocupando um espaço crescente na vida de todos nós. Afinal, é um espaço de quase total horizontalidade nas relações entre os seres humanos e cada vez é maior o número de brasileiros que tem acesso à rede. Mas, isso não significa que a televisão deixe de ter importância, mas sim o modo pelo qual está sendo usada. A propaganda política soa falsa e isso, a meu juízo, independe dos candidatos. Debates e entrevistas são bem mais convincentes. Mas é claro que isso vale para os cargos majoritários estritamente. Pensando nos cargos proporcionais, com o atual sistema eleitoral vigente (lista proporcional aberta), é impossível pensar em entrevistas e debates uma vez que são muitos os candidatos.
Um fenômeno como Bolsonaro seria possível sem a internet?
Penso que não devido ao pouco tempo de televisão que ele possuía. Mas há que se levar em conta a grande exposição por ele obtida na televisão, especialmente depois do atentado de que foi vítima.
O que muda na política externa com o capitão no poder?
Ele tem sido claro em desejar reorientá-la para enfatizar aliados tradicionais, como EUA e Japão, que teriam sido relegados ultimamente. Incluiu Israel o que é uma novidade na política externa brasileira para o Oriente Médio considerando as implicações que isso tem no conflito com os palestinos. Em relação ao Mercosul, ele já afirmou mais de uma vez que o bloco não tem apresentado vantagens para o Brasil, constituindo-se mais em um espaço para se fazer política do que para beneficiar o desenvolvimento econômico. No entanto, Bolsonaro não parece ter se dado conta que o governo da Argentina mudou e o governo do presidente Macri parece ter preocupação semelhante a dele. Resta saber se a atuação na América do Sul caminhará mesmo para acordos bilaterais, como ele anunciou, ou usa esta fala como pressão para introduzir mudanças no Mercosul. Quanto a Venezuela, parece que haverá maior pressão sobre o regime de Maduro. O interessante da relação com nosso vizinho, tomando por base várias declarações do candidato e de seu vice Hamilton Mourão, é que está implícita uma defesa do regime democrático, o que não deixa de ser um fator a ser usado aqui dentro em relação a qualquer possível deslize frente às instituições que compõem a nossa democracia, como imprensa, Poder Judiciário, etc.
Existe algo no horizonte que pode desequilibrar as nossas instituições e consequentemente nosso sistema político como um todo?
A assunção de vários governos populistas de direita na Europa, bem como o governo do presidente Donald Trump, são fontes de preocupação. Observe como o presidente norte-americano se conduz em relação aos democratas e a imprensa livre (isto é, a que faz o simples papel que se espera desta em um regime democrático, investiga, que critique, ou seja, que não bajule). Discursos de raiva e ódio contra adversários são sempre perigosos, pois podem incitar forças reacionárias a agirem agressivamente e por sua própria conta contra aqueles que pensam de forma diferente. Tal ambiente poderia ser um fator estimulante para uma radicalização interna tendo o novo presidente como um incentivador a mais. Espero que Jair Bolsonaro, amadureça se abstendo de falas que tragam autorizações implícitas para ações agressivas e violentas por parte de simpatizantes.
Última atualização da matéria foi há 1 ano
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