Qual o poder geopolítico do Vaticano?
O Conclave que acontece neste momento, e que escolherá o sucessor do Papa Francisco, reacende uma discussão curiosa e complexa: qual é, afinal, o verdadeiro poder geopolítico do Vaticano? À primeira vista, pode parecer que se trata de uma pergunta retórica — afinal, estamos falando de um Estado de menos de meio quilômetro quadrado, com uma população que cabe em um condomínio de classe média e um exército simbólico, a Guarda Suíça, vestida como se fosse figurante de teatro renascentista. E, no entanto, essa cidade-Estado exerce uma influência real e profunda, que atravessa séculos e continua a impactar decisões políticas e diplomáticas em pleno século XXI.
O Vaticano, tecnicamente, é uma teocracia soberana. Seu governante é o Papa — ao mesmo tempo, chefe de Estado e líder espiritual de mais de um bilhão de católicos espalhados pelo planeta. Não há exércitos nem arsenal nuclear; sua economia não depende de petróleo nem de terras férteis. Mas sua influência opera por meios mais sutis, ainda que eficazes: a diplomacia, a moral, a tradição e, não raro, o simbolismo religioso.
“O poder do Vaticano, portanto, é sobretudo o de falar com quase todos — algo que nem mesmo Washington ou Pequim podem dizer com a mesma tranquilidade.”
Para começar, o Vaticano possui um dos corpos diplomáticos mais antigos e experientes do mundo. Mantém relações com mais de 180 países e tem status de observador permanente na ONU — o que lhe permite falar nas sessões, ainda que sem direito a voto. Quando o Papa fala, mesmo que de forma genérica, governos escutam. Quando o Vaticano manifesta uma posição sobre conflitos, guerras ou injustiças, a reverberação é significativa. Por vezes, é um tipo de poder que não se mede em sanções, mas em consciências despertas ou incomodadas.
Esse poder, contudo, não é isento de contradições. A influência moral do Vaticano serve como ferramenta diplomática e, ao mesmo tempo, como limitador. Isso ficou evidente, por exemplo, nas hesitações da Santa Sé diante de temas como a guerra na Ucrânia. O Papa Francisco foi criticado por uma neutralidade vista por muitos como ambígua, mesmo diante de uma agressão clara. Ao tentar manter pontes com Moscou e Kiev, o Vaticano demonstrou uma postura coerente com seu papel histórico de mediador, mas também revelou os limites da sua ação num mundo onde a realpolitik muitas vezes se sobrepõe aos apelos morais.
Um ator moral em um mundo cínico
A força simbólica do papado continua imensa. Em lugares onde o catolicismo é predominante ou altamente relevante — como América Latina, Filipinas e partes da África —, o posicionamento do Vaticano sobre temas como aborto, direitos LGBTQIA+, mudança climática ou pobreza tem impacto direto na política doméstica. E mesmo nos países mais seculares da Europa, a voz papal não é ignorada. O Vaticano continua sendo um ponto de encontro onde o sagrado e o político dialogam — às vezes de maneira tensa, mas quase sempre inevitável.
Por outro lado, é preciso reconhecer que a própria estrutura do Vaticano o torna, em certa medida, anacrônico. Um Estado sem população nativa, sem sistema democrático interno, comandado por um monarca vitalício escolhido a portas fechadas por cardeais nomeados pelo próprio monarca anterior, não é exatamente o modelo mais transparente de governança. Ainda assim, sua continuidade e estabilidade oferecem uma forma de poder rara na política global, marcada por crises institucionais e líderes efêmeros.
Há também o fator financeiro. Embora discreto, o Vaticano movimenta recursos consideráveis, administra doações e propriedades em diversos países, e tem interesse na estabilidade global — inclusive por razões patrimoniais. Nos bastidores, é um ator com interlocutores em quase todos os níveis da sociedade internacional. A Santa Sé funciona, muitas vezes, como canal de diálogo entre países que cortaram relações diplomáticas entre si — como Estados Unidos e Irã, Coreia do Norte e Coreia do Sul, Israel e Palestina.

O poder do Vaticano, portanto, é sobretudo o de falar com quase todos — algo que nem mesmo Washington ou Pequim podem dizer com a mesma tranquilidade. Pode não mover tanques, mas ainda move consciências e, em muitos casos, agendas políticas. O Papa, seja quem for o escolhido nas próximas semanas, não será apenas um líder espiritual, mas também um jogador silencioso, porém, relevante, no tabuleiro internacional.
O Vaticano continua oferecendo algo raro: a pretensão — nem sempre bem-sucedida — de um diálogo desarmado. E isso, mesmo que criticável ou limitado, já o torna um ator singular em meio ao ruído global. Afinal, nem sempre o poder se mede em território ou PIB; às vezes, mede-se pela capacidade de ser escutado mesmo quando se fala baixo.
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