A indústria do processo prospera no Brasil
No Brasil de 2025, uma indústria paralela floresce silenciosa, mas poderosa, longe dos holofotes da produção ou da inovação tecnológica. É a chamada “indústria do processo”: um ecossistema jurídico e econômico sustentado por uma quantidade excessiva de ações judiciais que se avolumam ano após ano no Judiciário brasileiro. Trata-se de um fenômeno que ultrapassa a esfera da morosidade da Justiça, revelando um modelo que se retroalimenta da litigiosidade e que, na prática, premia o conflito em vez da solução.
De acordo com os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil encerrou o ano de 2024 com mais de 80 milhões de processos em tramitação — número superior à própria população economicamente ativa do país. São ações que vão de causas trabalhistas a questões cíveis, passando por execuções fiscais, direitos do consumidor e disputas entre empresas. Ainda que o acesso à Justiça deva ser um direito fundamental garantido a todos, a banalização do recurso judicial como primeiro e não último recurso é um problema que custa caro ao país — tanto em termos econômicos quanto sociais.
E há muitos interesses em jogo. Grandes escritórios de advocacia, departamentos jurídicos de empresas, startups do ramo jurídico-tecnológico (as chamadas lawtechs ), seguradoras e, claro, o próprio Estado — com sua burocracia ineficiente — acabam se beneficiando de uma lógica onde o litígio rende dividendos. O modelo atual gera emprego e movimenta bilhões, mas também impede soluções mais simples, alimenta o excesso de formalismos e priva o cidadão de uma Justiça efetiva.
Em muitos segmentos, especialmente no setor empresarial e nas relações de consumo, litigar virou parte da estratégia. Há bancos que optam por deixar que uma massa de ações se acumule — geralmente relacionadas a cobranças indevidas ou falhas em serviços — porque consideram mais barato perder algumas causas do que investir na melhoria dos processos internos. Da mesma forma, consumidores, cientes de que a Justiça pode lhes dar ganho de causa em demandas repetitivas, muitas vezes movem processos de forma quase automática, incentivados por advogados especializados em “ações de prateleira”.
Justiça como estratégia de negócios
A situação se agrava quando se observa o comportamento do Estado como o maior litigante do país. A União, os estados e os municípios respondem por mais de 40% das ações em curso, muitas delas frutos de má gestão, excesso de burocracia ou pura resistência em cumprir obrigações administrativas básicas. Um contribuinte que precisa mover uma ação para conseguir um medicamento, revisar um tributo ou obter um benefício previdenciário enfrenta o duplo fardo de recorrer à Justiça e, ainda assim, lidar com prazos cada vez mais longos.
Para completar o cenário, temos um arcabouço normativo que, embora pretenda garantir isonomia e acesso universal à Justiça, também serve de combustível para o excesso. As possibilidades quase ilimitadas de recursos, a gratuidade judiciária sem critérios rigorosos e a tolerância a condutas protelatórias tornam o Judiciário um palco onde se privilegia a tática em vez da justiça material. Não surpreende que um número crescente de empresas esteja adotando medidas preventivas, como cláusulas de arbitragem e mediação extrajudicial, para fugir dessa engrenagem. No entanto, tais alternativas ainda são pouco acessíveis à população de baixa renda, que segue à mercê de um sistema abarrotado e cada vez mais impessoal.
Enquanto isso, magistrados e servidores tentam manter o barco à tona com ferramentas digitais, mutirões e metas de produtividade. Mas, sem uma mudança de cultura, toda tentativa de modernização será apenas paliativa. O Judiciário se tornou um repositório de demandas que poderiam (e deveriam) ser resolvidas fora dos tribunais — em balcões de atendimento, plataformas de negociação ou até mesmo com boas práticas administrativas.

A “indústria do processo” é reflexo de uma sociedade conflituosa, mas também de um Estado que falha em entregar soluções administrativas eficientes. Litigar virou rotina porque confiar nos canais administrativos — sejam eles públicos ou privados — se tornou um ato de fé. Enquanto isso, milhões de brasileiros aguardam suas sentenças como quem espera um milagre. A Justiça brasileira precisa ser desjudicializada, não como forma de negação de direitos, mas como caminho para a racionalidade. Processos não podem ser moeda corrente de um país que deseja crescer com segurança jurídica, previsibilidade e respeito ao cidadão. O Judiciário deve ser o último recurso, não o primeiro reflexo. Até lá, seguimos sustentando uma engrenagem cara, lenta e, por vezes, disfuncional. Uma engrenagem que, paradoxalmente, funciona muito bem para quem dela vive.
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