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A quebra lenta e gradual da Blockbuster

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Até parece piada de mau gosto dizer que, no início dos anos 2000, a Blockbuster era quase sinônimo de sábado à noite. Aquele ritual de pegar o carro, escolher um filme na prateleira, pagar a locação e correr para devolver antes da multa — tudo isso parecia eterno. Só que o eterno, no mundo dos negócios, dura até a próxima revolução tecnológica. E, como se sabe, o streaming não pediu licença para entrar.

O fim da Blockbuster não foi uma explosão repentina, mas uma erosão constante, como um castelo de areia que o mar vai engolindo aos poucos. Primeiro veio o DVD pelo correio da Netflix, que soava como curiosidade de nerds californianos. Depois, a internet banda larga, que acelerou downloads e abriu espaço para um consumo mais imediato. Por último, a tempestade perfeita: streaming, smartphones e uma geração inteira que já não via sentido em sair de casa para buscar um filme que poderia assistir com um clique.

“Se a história tivesse sido diferente — se a Netflix tivesse sido comprada, se o streaming tivesse sido abraçado cedo — talvez estivéssemos falando de uma Blockbuster que migrou de um império de tijolo e argamassa para uma potência digital.”

A alta cúpula da Blockbuster, encastelada em um modelo de negócio que cheirava a mofo (no pior sentido), acreditou que a ameaça era menor do que parecia. Recusou, em 2000, a oferta de comprar a Netflix por 50 milhões de dólares — valor que, hoje, não paga nem a assinatura anual premium de alguns estúdios de Hollywood para todos os seus executivos. A decisão foi vendida internamente como prudência. Na prática, foi o início do epitáfio.

Os sinais estavam por toda parte: queda no número de locações, aumento do custo de manter lojas físicas, clientes frustrados com multas e atrasos. A empresa tentou reagir com seu próprio serviço de streaming, mas era tarde demais. A marca, antes símbolo de lazer em família, havia virado piada de internet e caso de estudo em faculdades de administração. Hoje, em agosto de 2025, o que resta é um único ponto oficial de operação nos Estados Unidos, em Bend, Oregon, mais museu do que negócio, onde turistas nostálgicos tiram fotos e compram camisetas “Be Kind, Rewind” como quem compra lembrancinha de um planeta extinto.

O mito da invencibilidade corporativa

A Blockbuster foi vítima do que os estudiosos chamam de inovação disruptiva, mas também do que os observadores mais maliciosos chamam de “arrogância de quem acha que é grande demais para cair”. Esse mito — de que a marca, por ter escala e reconhecimento, pode ignorar tendências emergentes — já derrubou impérios em outros setores. Kodak, Sears e até gigantes do varejo digital mais recentes sentem o bafo dessa ameaça.

No caso da Blockbuster, a crença cega na força de suas lojas físicas se misturou com uma visão curta sobre o comportamento do consumidor. O público queria comodidade, personalização e preço baixo. O streaming ofereceu tudo isso com bônus: sem sair do sofá e sem pagar multa por atraso. A Blockbuster não entendeu que, no capitalismo moderno, não basta ter o melhor ponto comercial da cidade — é preciso ter o melhor algoritmo.

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O que aconteceu com a empresa também expõe um aspecto curioso: a nostalgia não é, por si só, um modelo de negócios. Por mais que a estética das lojas e o ato de “escolher a fita” tenham virado memória afetiva, o consumidor médio não paga mensalmente para reviver o passado, mas para assistir à próxima temporada da série da vez. O mercado cultural é voraz e não perdoa quem não se adapta ao seu ritmo.

De certa forma, a Blockbuster é um lembrete útil em 2025, ano em que várias indústrias estão sendo redesenhadas pela Inteligência Artificial, pela automação e pelo consumo sob demanda. As empresas que hoje se sentem confortáveis no topo fariam bem em estudar não apenas o que a Blockbuster fez errado, mas o que ela não fez. A lição é brutal: não é o inimigo que te mata; é a sua incapacidade de mudar quando o mundo muda.

Se a história tivesse sido diferente — se a Netflix tivesse sido comprada, se o streaming tivesse sido abraçado cedo — talvez estivéssemos falando de uma Blockbuster que migrou de um império de tijolo e argamassa para uma potência digital. Mas, como sempre, o “se” não paga as contas. No fim, restou um logotipo azul e amarelo estampado em camisetas vintage, algumas fitas VHS vendidas em brechós e um lugar garantido na galeria dos “o que não fazer” do mundo corporativo.

O fim da Blockbuster não foi uma explosão repentina, mas uma erosão (Foto: CNN)
O fim da Blockbuster não foi uma explosão repentina, mas uma erosão (Foto: CNN)

A queda lenta da Blockbuster é, no fundo, uma crônica sobre tempo e vaidade. Tempo, porque o mercado não espera ninguém. Vaidade, porque o ego corporativo costuma ser mais resistente à mudança do que qualquer tecnologia ultrapassada. Quem quiser sobreviver, que assista a essa história como se fosse um documentário obrigatório. E sem atraso na devolução, claro.


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