Luchino Visconti: sua vida daria um filme
É difícil pensar em um cineasta cuja biografia se assemelhe tanto a um de seus próprios roteiros quanto a de Luchino Visconti. Nascido em 1906, em meio à nobreza milanesa, Visconti foi o herdeiro de uma linhagem aristocrática e, ao mesmo tempo, um revolucionário artístico. Um paradoxo ambulante, como suas obras. Sua vida atravessou a monarquia, o fascismo, a Segunda Guerra Mundial e o florescimento do cinema moderno europeu. Não à toa, o termo “cineasta total” frequentemente lhe era associado: Visconti foi diretor de cinema, ópera e teatro, roteirista e crítico — e sua assinatura estética influenciou o século XX de forma definitiva.
Mas se a sua filmografia é monumental — O Leopardo (1963), Morte em Veneza (1971) e Ludwig (1973) seguem como obras incontornáveis —, sua vida pessoal também foi uma epopeia digna de telas e palcos. Num tempo em que a homossexualidade era tratada com hipocrisia e censura, Visconti nunca fez questão de esconder sua orientação sexual. Pelo contrário: a sexualidade, o desejo e a beleza masculina são temas recorrentes em sua obra, quase sempre conectados à decadência social ou à falência moral da aristocracia — uma aristocracia que ele conhecia por dentro.
“Ali, entre cafés existencialistas e ateliers boêmios, o jovem italiano moldava sua estética, flertava com o marxismo (Visconti era comunista confesso, ainda que milionário) e preparava o terreno para se tornar um dos principais nomes do neorrealismo italiano.”
Seus relacionamentos amorosos, muitas vezes simultâneos, formam um verdadeiro mosaico do século XX europeu. Com mulheres, Visconti teve casos notórios: Coco Chanel, a revolucionária da moda; Clara Calamai e María Denis, atrizes italianas que brilharam nos anos dourados do cinema local; Marlene Dietrich, o ícone da ambiguidade erótica; e Elsa Morante, autora do imortal La storia. No entanto, foi com os homens que suas paixões mais duradouras se deram — e, de certa forma, isso se reflete na intensidade dramática de seus filmes.
Não por acaso, uma das revelações mais surpreendentes de sua autobiografia foi o suposto relacionamento com o rei Humberto II da Itália, ainda na juventude, durante a década de 1920. Essa ligação entre o artista e a realeza parece, por si só, escrita por um roteirista especialmente inspirado. A vida íntima de Visconti sempre se misturou com o poder, seja pelo sangue azul, seja pela proximidade com as elites intelectuais e culturais da Europa.
Amor, poder e contradição
Nos anos 1930, já radicado em Paris, Visconti iniciou um relacionamento com o célebre fotógrafo Horst P. Horst, conhecido por suas imagens que eternizaram a elegância da moda da época. Ali, entre cafés existencialistas e ateliers boêmios, o jovem italiano moldava sua estética, flertava com o marxismo (Visconti era comunista confesso, ainda que milionário) e preparava o terreno para se tornar um dos principais nomes do neorrealismo italiano.
A partir do fim da Segunda Guerra, sua trajetória se consolidaria também como a de um mentor: Franco Zeffirelli, que seria um dos diretores mais celebrados do cinema e da ópera, foi por anos seu parceiro afetivo e criativo. Essa relação, mais do que íntima, foi estrutural para a estética viscontiana. Zeffirelli assinou cenários e produções das obras mais densas do mestre. Depois viria Helmut Berger, ator austríaco que simbolizou, para muitos, a fase final da carreira de Visconti, marcada por filmes mais confessionais, decadentes e obsessivos. Berger foi, em muitos sentidos, a encarnação do desejo viscontiano projetado na tela.

A crítica não hesita em reconhecer a relevância desse cruzamento entre vida pessoal e obra artística. Mais do que um voyeurismo sobre a intimidade alheia, o interesse pela vida amorosa de Visconti está ligado à compreensão de seu cinema: a busca pela beleza, a impossibilidade da realização plena e a melancolia como estética não foram apenas temas intelectuais, mas experiências concretas de seu cotidiano.
Luchino Visconti morreu em 1976, cercado por amigos, amantes e discípulos. Não deixou apenas filmes — deixou uma narrativa de vida em que arte e existência foram, deliberadamente, inseparáveis. E poucas histórias dariam um filme tão arrebatador quanto a sua.
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