Millennials redefinem o que é luxo
Durante décadas, luxo foi sinônimo de ostentação visível: carros importados, relógios suíços, roupas de grife e hotéis cinco estrelas. Bastava exibir para pertencer. No entanto, à medida que os millennials — geração nascida entre 1981 e 1996 — atingem seu auge econômico e moldam o mercado consumidor global, o conceito de luxo passa por uma transformação profunda. Hoje, luxo é menos sobre posses materiais exuberantes e mais sobre experiências, propósito e exclusividade personalizada.
Essa mudança de paradigma não é fruto apenas de um capricho geracional. Ela reflete um mundo em mutação, onde os impactos das mudanças climáticas, as desigualdades sociais e a saturação de produtos moldam novos desejos. Os millennials cresceram em meio à crise financeira de 2008, amadureceram num ambiente de instabilidade econômica e são adultos em plena era da ansiedade climática. Para eles, ostentar produtos sem preocupação com sustentabilidade ou propósito social soa vazio — e, em certos círculos, até constrangedor.
“Essa tensão entre desejo e coerência é um dos traços mais marcantes do consumo millennial: querem viver bem, mas também dormir em paz com suas escolhas.”
O novo luxo é silencioso, muitas vezes invisível ao olhar alheio. A exclusividade, antes atrelada a marcas conhecidas e etiquetas visíveis, agora se manifesta em experiências únicas: um retiro digital no Butão, uma hospedagem com impacto social no Peru, ou uma peça de roupa feita sob medida por um alfaiate local, com tecidos sustentáveis e rastreáveis. Há também um interesse crescente por marcas menores, independentes, que comunicam autenticidade, ética e história. Para os millennials, a procedência importa mais do que o logo.
Uma pesquisa do Boston Consulting Group revelou que 57% dos millennials preferem gastar em experiências do que em bens materiais. Isso inclui viagens culturais, gastronomia refinada e eventos personalizados. O luxo se desloca do objeto para o momento. Ter vivido algo singular — e que carrega uma narrativa significativa — vale mais do que um relógio caríssimo exibido no pulso.
Do status ao significado: a nova linguagem do consumo premium
O mercado já percebeu isso. Marcas tradicionais de luxo como Gucci, Hermès e Louis Vuitton têm investido em ações com viés sustentável, colaborações com artistas emergentes e ativações que privilegiam experiências digitais imersivas. A Gucci, por exemplo, foi uma das primeiras grifes a lançar itens para o metaverso, entendendo que o luxo do futuro também passa pelo universo virtual — outro terreno onde os millennials (e agora a Geração Z) se sentem em casa.
Esse comportamento, no entanto, não é sinônimo de desapego total ao consumo. Pelo contrário: os millennials ainda compram, e muito — mas compram diferente. Eles exigem transparência, impacto e conexão. A compra, para essa geração, é um ato político, quase identitário. Marcas que não se alinham com esses valores são rapidamente descartadas. O boicote digital e o “cancelamento de marcas” se tornaram ferramentas comuns nas mãos de consumidores informados e exigentes.
Outro fenômeno relevante é o crescimento do mercado de segunda mão — inclusive de itens de luxo. Plataformas como Vestiaire Collective e Rebag crescem vertiginosamente, oferecendo produtos com curadoria, autenticidade verificada e uma pegada ecológica menor. Isso não apenas reforça a preocupação ambiental, mas também redefine o que é “novo” ou “valioso”. Luxo agora pode ser circular, e isso é parte de seu prestígio.
Por outro lado, essa redefinição traz seus dilemas. Há uma tendência de “greenwashing” — quando marcas simulam responsabilidade ambiental sem adotá-la de fato — e uma estética do “minimalismo de elite” que, embora menos ostensiva, continua inacessível para a maioria da população. Trocar um Rolex por um retiro espiritual em Bali não muda a equação de desigualdade: ambos continuam sendo privilégios de poucos. O discurso do novo luxo corre o risco de ser apenas uma maquiagem ética para o mesmo sistema excludente.

Ainda assim, é inegável que a lógica do consumo está mudando. Em vez de impressionar o outro, o luxo agora busca dialogar com a interioridade do consumidor. É uma tentativa de conciliar prazer pessoal com responsabilidade coletiva — ainda que nem sempre bem-sucedida. Essa tensão entre desejo e coerência é um dos traços mais marcantes do consumo millennial: querem viver bem, mas também dormir em paz com suas escolhas.
Resta saber como o mercado continuará se adaptando a essa sensibilidade. Com a Geração Z assumindo protagonismo e levando o discurso ambiental e de identidade a níveis ainda mais radicais, talvez o próximo passo do luxo seja não apenas redefinir o consumo, mas questionar a própria necessidade dele.
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