O custo emocional do consumo exagerado
Vivemos num tempo em que quase tudo pode ser adquirido com um clique. Aplicativos entregam desejos em minutos. Cartões parcelam vontades em até dez vezes. O crédito é fácil, e a publicidade, onipresente. Mas, ao contrário do que vendem as vitrines digitais e físicas, o consumo exagerado tem um custo oculto: o emocional. Mais do que esvaziar bolsos, o consumismo crônico esvazia subjetividades, criando uma sociedade onde o “ter” sufoca o “ser”.
O Brasil, como muitos outros países, experimenta há anos uma relação intensa com o consumo. Movido por décadas de incentivo ao crédito e ao crescimento econômico baseado em demanda interna, o cidadão médio aprendeu a enxergar na aquisição de bens uma forma de afirmação pessoal. Comprar virou sinônimo de pertencimento, sucesso e até mesmo autocuidado. Porém, ao mesmo tempo, em que os carrinhos de compra (virtuais ou físicos) se enchem, aumentam também os índices de ansiedade, depressão e endividamento crônico.
“O resultado é um cansaço que não é físico nem financeiro apenas — é psicológico. É o estresse de não dar conta de acompanhar. A frustração por comparar-se com vidas editadas nas redes.”
A lógica é perversa: a promessa de satisfação imediata é sedutora, mas seu efeito é volátil. O prazer de adquirir algo novo se dissipa rapidamente, substituído pela necessidade de repetir o ciclo — ou pela culpa de tê-lo iniciado. A euforia do clique, do “chegou!”, logo dá lugar ao vazio da inutilidade ou do arrependimento. É uma compulsão silenciosa, mascarada de liberdade de escolha.
É difícil separar o impulso de compra da cultura que o alimenta. A lógica do consumo é, antes de tudo, emocional. Ela nos ensina que comprar pode acalmar a dor, afastar a solidão, recompensar um dia ruim. Para isso, cria desejos que não tínhamos e nos convence de que precisamos de algo novo para sermos completos. Se não temos, estamos atrasados. Se não seguimos a tendência, somos invisíveis. E como aceitar a invisibilidade num mundo onde a validação parece depender da vitrine que se exibe?
Compramos porque estamos vazios ou ficamos vazios porque compramos?
O marketing moderno é psicologicamente sofisticado. Ele não vende apenas produtos: vende status, identidade, felicidade. Uma bolsa não é uma bolsa — é um símbolo de poder. Um tênis não é para caminhar — é um passaporte para um grupo social. Essa operação simbólica é emocionalmente exaustiva. Nos cobra, constantemente, uma performance de adequação. Comprar passa a ser não um desejo, mas uma obrigação emocional. E aí está o nó: mesmo quem sabe que não precisa compra, e quem compra se sente culpado por saber que não precisava.
O resultado é um cansaço que não é físico nem financeiro apenas — é psicológico. É o estresse de não dar conta de acompanhar. A frustração por comparar-se com vidas editadas nas redes. A culpa por consumir além do necessário. A ansiedade de estar sempre desejando algo novo, como se o atual nunca fosse suficiente. E não é coincidência que tudo isso tenha crescido na mesma proporção que as linhas de crédito pessoal.
Segundo dados do Banco Central, o número de brasileiros endividados voltou a subir após uma breve queda durante a pandemia. Parte disso se deve ao uso emocional do consumo como válvula de escape — um fenômeno documentado por psicólogos comportamentais. Em meio a incertezas políticas, insegurança econômica e esgotamento coletivo, o consumo se torna refúgio. Mas um refúgio instável, que cobra juros altos e afeta a saúde mental.
Não se trata, aqui, de demonizar o consumo em si. Ele é parte da vida moderna, e negar isso seria ingenuidade. O problema está na distorção de sua função. Quando consumir deixa de ser uma escolha racional e se torna um mecanismo de compensação emocional, os riscos se acumulam. E não só para o indivíduo. Uma sociedade pautada pelo consumo desenfreado é insustentável, não apenas ambientalmente — mas espiritualmente.

É preciso, portanto, refletir. Perguntar-se: o que está por trás do impulso de compra? A quem estou tentando agradar? O que estou tentando preencher? Há um grande potencial transformador no ato de consumir com consciência. É possível comprar de forma alinhada a valores, a necessidades reais, a práticas sustentáveis. E, sobretudo, é possível reconstruir a ideia de satisfação desvinculando-a da posse.
O bem-estar emocional não está na nova coleção, no novo lançamento, na nova promoção. Está na clareza do que realmente importa. E isso, como bem sabem os que já tentaram preencher vazios com sacolas, não se compra em lugar nenhum.
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