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POV: o deleite dos onanistas

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Um dos gêneros mais onipresentes e silenciosamente lucrativos da produção audiovisual digital atende por uma sigla de três letras: POV, ou Point of View. Muito além da sua aplicação técnica — indicar a câmera posicionada no lugar dos olhos de um personagem, oferecendo a ilusão de que o espectador vê “através dele” —, o POV tornou-se, sobretudo nas plataformas pornográficas e nos sites de conteúdo adulto, uma espécie de fetiche estruturante para uma geração moldada por hiperconectividade, isolamento e consumo sob demanda.

A adoção do POV no universo do entretenimento erótico não é novidade — tampouco é acidental. Ele responde diretamente às transformações do comportamento masculino na internet: mais voyeurista, menos socializado, com baixa autoestima corporal e, não raramente, inábil em interações afetivas e sexuais reais. O POV oferece um simulacro: a fantasia de que não se está apenas assistindo, mas sendo protagonista da cena. Nesse sentido, ele não é apenas um artifício técnico. É um espelho — ou, melhor, um narciso digital — a serviço do prazer solitário.

“O deleite dos onanistas, portanto, não é apenas uma tendência estética. É um sintoma. Ele nos diz menos sobre sexo e mais sobre solidão.”

O avanço dos recursos de personalização por meio da Inteligência Artificial só acentuou a tendência. Em 2025, não é incomum que vídeos pornográficos em POV venham acompanhados de filtros para customizar a cor da pele da atriz, o tom da voz, o cenário ou mesmo a narrativa (sim, há “roteiros” básicos adaptáveis). Plataformas como o OnlyFans, além de sites especializados, já oferecem pacotes premium onde o usuário pode solicitar vídeos sob medida, em que a atriz (ou ator) fala seu nome, olha diretamente para a câmera e encena uma dinâmica inteiramente centrada no espectador.

Essa imersão, no entanto, tem um custo simbólico. O POV reforça uma lógica masturbatória — não apenas no sentido literal, mas também relacional. A mulher é filmada como se estivesse constantemente disponível, desejando intensamente um sujeito que sequer está presente de verdade. A tela encena a ilusão do controle total, sem qualquer desafio afetivo, sem negociação, sem fricção emocional. E é aí que a crítica começa a se afiar.

Uma pornografia cada vez mais personalizada

Enquanto formato, o POV infantiliza o espectador. Ele não é convidado a compreender a alteridade, mas a receber, como produto final, a confirmação de seu desejo. A atriz sorri, geme, consente com entusiasmo, tudo com os olhos voltados diretamente para quem assiste. Em termos narrativos e simbólicos, não há nenhuma complexidade. Tudo está moldado para validar o consumidor. E isso é, ao mesmo tempo, confortável — e empobrecedor.

Do ponto de vista cultural, o fenômeno do POV escancara o avanço de uma pornografia moldada não mais pelo corpo, mas pela cabeça — ou, mais precisamente, pela imaginação de um sujeito enclausurado. Trata-se de um tipo de pornografia que, em vez de apresentar corpos reais, interações autênticas ou até mesmo performances coreografadas, escolhe criar simulações hiperpersonalizadas. E, ao fazê-lo, elimina o outro como sujeito da cena. O outro, no POV, é sempre um objeto do olhar.

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Não é difícil entender por que esse modelo faz tanto sucesso. Num mundo de relações líquidas, salários baixos, tempo escasso e autoestima em queda livre, o prazer seguro e previsível do POV parece irresistível. Ninguém será rejeitado, exposto ou emocionalmente frustrado por um vídeo de cinco minutos meticulosamente roteirizado para massagear o ego de quem paga. Mas esse deleite cobra um preço.

Psicólogos e sociólogos já discutem os impactos de uma geração que prefere a pornografia interativa à intimidade real. Os números de jovens adultos com vida sexual ativa têm caído ano após ano, ao mesmo tempo, em que cresce a taxa de dependência de pornografia como válvula de escape. O POV, ao se apresentar como “imersivo”, reforça a solidão: quanto mais intensa a simulação, mais difícil se torna encarar a imprevisibilidade do real.

O POV é um dos gêneros mais onipresentes e silenciosamente lucrativos (Foto: Web)
O POV é um dos gêneros mais onipresentes e silenciosamente lucrativos (Foto: Web)

Não se trata, aqui, de condenar o consumo de pornografia ou de moralizar a sexualidade. Trata-se de pensar com seriedade sobre os caminhos pelos quais a tecnologia molda o desejo humano. E o POV, apesar de suas promessas sensoriais, parece mais interessado em perpetuar um desejo enclausurado do que em expandi-lo. Ele entrega prazer, sim — mas um prazer sem risco, sem resposta, sem reciprocidade.

O deleite dos onanistas, portanto, não é apenas uma tendência estética. É um sintoma. Ele nos diz menos sobre sexo e mais sobre solidão. E talvez, de algoritmos cada vez mais precisos e corpos cada vez mais ausentes, valha a pena perguntar: estamos nos tornando protagonistas de um desejo real — ou apenas usuários passivos de um espelho digital que sempre nos devolve o que queremos ver?

Última atualização da matéria foi há 4 meses


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