Revista Status: foi bom enquanto durou
Lançada em 1974 pela Editora Três, sob a batuta de Domingo Alzugaray, a revista Status nasceu com a pretensão de ser o equivalente nacional às grandes publicações masculinas que misturavam erotismo, jornalismo e cultura pop. Mas, como tudo no Brasil da época, ela precisou nascer dentro de uma redoma de vidro, ou melhor, de um saco plástico “hermeticamente fechado”. Afinal, a ditadura não permitia a exposição de mais de um seio por vez. Isso mesmo: um seio. Dois era subversão. Nádegas? Apenas se viessem borradas, sombreada, diluídas em espuma. Já as genitálias, nem pensar — nem a sombra delas poderia ousar atravessar a censura.
Mesmo com essa coleira moral, a Status conquistou espaço. Afinal, em tempos de censura, até uma nesga de pele já era um escândalo palatável. Em suas páginas, apareceram mulheres que se tornaram ícones da cultura brasileira — Sonia Braga, Vera Fischer, Sandra Bréa, Bruna Lombardi, Fafá de Belém, Zezé Motta. Era um desfile que misturava desejo, glamour e ousadia dentro dos limites do possível. Em paralelo, a revista tentava oferecer também humor e literatura, porque até o erotismo brasileiro gosta de um verniz intelectual para não parecer tão carnal.
“No fundo, a trajetória da revista mostra como as culturas de mídia também têm prazo de validade. No passado, ela foi uma espécie de rito de passagem, um símbolo de modernidade e atrevimento. Depois virou resquício de uma época, incapaz de competir com a democratização digital do desejo.”
Nos anos 1980, a censura caiu, e a Status comemorou com uma edição especial intitulada “Sem Censura”, mostrando o que havia ficado trancado nos arquivos da moral e dos bons costumes. Foi também nesse período que publicou um encarte da novela Yellow Cake, de Alexandre von Baumgarten — jornalista assassinado em circunstâncias nebulosas em 1982. A revista queria ser mais que um álbum de mulheres nuas: queria ser a voz de uma geração que flertava com a liberdade. Mas liberdade demais, às vezes, cobra seu preço.
Com o fim da ditadura e a chegada de novas concorrentes, principalmente a Playboy, que trazia mulheres mais ousadas e um projeto gráfico mais internacional, a Status começou a minguar. Quem queria brincar de nudez artística quando o mercado já oferecia sexo explícito nas bancas? A ousadia vira tímida quando a concorrência mostra tudo sem medo. Foi o princípio do fim para a primeira fase da revista. No fim da década de 80, a publicação sumiu das bancas como um velho pôster desbotado.
O retorno com cheiro de naftalina
Em 2011, quase como um ato nostálgico, a Editora Três tentou ressuscitar a marca. A ideia era sofisticar: menos carne crua, mais erotismo insinuante. A supermodelo Fernanda Tavares estampou a capa do relançamento, sob direção de Nirlando Beirão, com uma estética mais próxima da revista VIP da Abril do que da própria tradição da Status. O corpo nu virou “arte”, e a revista tentou surfar no fetiche do “nu artístico”.
A tiragem inicial de cem mil exemplares e o excesso de páginas publicitárias mostraram que havia expectativa. Mas não adiantava: o mundo havia mudado. A internet já oferecia aquilo que nenhuma revista podia competir: nudez sem limites, grátis e acessível em qualquer celular. A aposta em um erotismo refinado soava como um eco de outro tempo, quando os homens corriam à banca para comprar papel que vinha escondido em sacos.
O relançamento durou pouco. Em outubro de 2015, a revista fechou novamente. Não foi apenas a morte de um título; foi a morte de um modelo de negócio. O público masculino que, nos anos 70, aceitava se contentar com um seio por vez, agora já navegava em mares infinitos de imagens explícitas. A Status, nesse contexto, parecia uma peça de museu tentando competir com o streaming.
No fundo, a trajetória da revista mostra como as culturas de mídia também têm prazo de validade. No passado, ela foi uma espécie de rito de passagem, um símbolo de modernidade e atrevimento. Depois virou resquício de uma época, incapaz de competir com a democratização digital do desejo.
Hoje, lembrar da Status é quase como revisitar um álbum de fotografias antigas: lá estão as musas, congeladas no tempo, belas, mas também presas às limitações de uma era que acreditava ser revolucionária apenas por mostrar um peito. Foi bom enquanto durou, sim. Mas, como tantas revistas que viveram à base de papel, cheiro de tinta e desejo contido, a Status não sobreviveu ao mundo digital, onde a nudez deixou de ser escândalo para virar trivialidade.

A revista, no fim, tornou-se uma metáfora elegante: tentou resistir às transformações culturais, mas terminou como todas as publicações que vendiam o proibido — superada quando o proibido virou acessível demais.
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