“Money”: de quem é a hipocrisia?
O tilintar das moedas que abre “Money”, do álbum The Dark Side of the Moon (1973), é talvez o som mais irônico já produzido por uma banda de rock. Não é apenas uma introdução criativa: é uma gargalhada cínica diante do sistema que o próprio Pink Floyd aprendeu a jogar. Roger Waters escreveu uma crítica feroz ao capitalismo, à ganância e ao culto do dinheiro — e, ironicamente, foi com essa mesma canção que o grupo se tornou milionário. Eis aí a contradição que o tempo não apagou: “Money” é um espelho deformante onde o artista e o ouvinte se encaram e descobrem que ambos gostam do tilintar das moedas.
A faixa começa com aquele compasso irregular em 7/4 — tão desequilibrado quanto a lógica de um mercado financeiro — e uma letra que mistura sarcasmo e observação sociológica. Waters não fala do dinheiro como algo demoníaco, mas como um fetiche social que transforma todos nós em cúmplices. “Get away,” ele provoca, “I’m all right, Jack, keep your hands off of my stack.” Em bom português: “Sai fora, eu tô bem, Jack, não encosta no meu bolo.” É a voz do sujeito que critica o sistema ao mesmo tempo, em que o defende — e essa duplicidade é o verdadeiro gênio da música. O ouvinte, de tanto balançar a cabeça com o baixo de Roger Waters e o solo de Gilmour, quase esquece que está sendo ironizado.
“No fundo, o segredo do fascínio por “Money” está em sua honestidade brutal. A música não tenta redimir ninguém. Apenas constata que todos têm seu preço — uns em libras esterlinas, outros em curtidas.”
O sucesso foi estrondoso. “Money” fez do Dark Side um dos álbuns mais vendidos da história e do Pink Floyd uma máquina de faturar. De repente, aqueles mesmos britânicos que zombavam da obsessão por lucro estavam sendo perseguidos pelo fisco e discutindo contratos milionários. Waters, mais tarde, admitiria que a canção era uma crítica e uma confissão ao mesmo tempo. É fácil zombar do sistema quando se está fora dele; mais difícil é continuar zombando quando se está dentro — com um jatinho particular e direitos autorais que rendem cifras indecentes.
Essa ambiguidade é o combustível da canção. “Money” é, acima de tudo, uma obra sobre o autoengano — o do artista, o do público, o de qualquer um que acredita poder viver fora da lógica do capital. Waters não era hipócrita no sentido vulgar, mas humano: denunciava o vício do dinheiro enquanto experimentava o prazer de tê-lo. A música, portanto, não condena o consumo em si, mas o desespero em torno dele, a moral dupla que faz de nós criticos de um sistema do qual dependemos.
O pecado capital do rock progressivo
No auge do rock progressivo, bandas como Yes, Genesis e Emerson, Lake & Palmer competiam para ver quem gravava o disco mais virtuoso — e mais caro. O Pink Floyd, com “Money”, fez algo mais perverso: gravou o mais cínico. O riff de baixo é irresistível, o saxofone de Dick Parry é puro hedonismo sonoro, e o solo de Gilmour é um orgasmo elétrico que dura mais de dois minutos. É uma canção sobre o dinheiro que soa como o próprio dinheiro: brilhante, viciante, difícil de largar.
Mas a crítica social não se perdeu na sonoridade luxuosa. “Money” é um comentário sobre o modo como o capitalismo transforma até a revolta em produto. É o rock antissistema vendido em vinil, depois em CD, agora em streaming, cada clique gerando royalties. A rebeldia virou mercadoria, e o Pink Floyd sabia disso melhor que ninguém. Waters, com seu humor britânico ácido, parece ter previsto o mundo de hoje — onde até a crítica ao capitalismo é monetizada no YouTube.
Nos anos 1970, cantar contra o dinheiro dava dinheiro. Em 2025, o paradoxo permanece: quanto mais se denuncia o sistema, mais o sistema lucra com a denúncia. “Money” é o hino dessa era cíclica em que a indignação é precificada, e a moral é um produto premium. O próprio Waters, com suas recentes digressões políticas e turnês milionárias, continua encarnando essa figura paradoxal: o profeta que cobra caro para nos alertar sobre a corrupção da alma.

No fundo, o segredo do fascínio por “Money” está em sua honestidade brutal. A música não tenta redimir ninguém. Apenas constata que todos têm seu preço — uns em libras esterlinas, outros em curtidas. Talvez por isso continue tão atual. Em tempos de influencers e bilionários performáticos, a risada metálica que abre a faixa soa como um “eu avisei” vindo de 1973.
O dinheiro, afinal, nunca mudou. Só mudou de plataforma.
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