Lula e Trump na ASEAN: egos e tarifas
A geopolítica, às vezes, parece um grande teatro de vaidades com legendas econômicas. E, nesta peça encenada na Malásia, os protagonistas não poderiam ser mais contrastantes e, ao mesmo tempo, parecidos. Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump — dois veteranos da política mundial, dois gladiadores do populismo em polos ideológicos opostos, mas unidos por uma velha conhecida: a necessidade de autopromoção. A iminente reunião entre ambos na cúpula da ASEAN promete mais do que diplomacia; promete espetáculo.
O encontro, costurado entre telefonemas, intermediários e cautelas diplomáticas, nasce de uma estranha convergência: o ressentimento e a conveniência. Trump, de volta à Casa Branca, precisa reabilitar sua imagem no cenário internacional, marcada por surtos de protecionismo e pela imposição de tarifas punitivas de 50% sobre produtos brasileiros. Lula, por sua vez, enfrenta um cenário econômico desafiador e busca recompor pontes com Washington — não por amor, mas por pragmatismo. Afinal, o comércio ainda fala mais alto que as afinidades ideológicas.
“Para Trump, é a chance de projetar poder global num continente onde os Estados Unidos têm perdido terreno para a China. Para Lula, é a oportunidade de negociar o fim das tarifas e recuperar um pouco da imagem de mediador que o consagrou em tempos de glória diplomática. No entanto, o tabuleiro é mais complexo do que parece.”
A ASEAN, que tradicionalmente gira em torno de temas asiáticos, ganhou agora o tempero tropical e temperamental do hemisfério ocidental. Os assessores malaios, acostumados a mediações serenas entre Tailândia e Camboja, parecem prestes a testemunhar um encontro entre egos inflamáveis. Trump chega à Ásia se vangloriando de ter “trazido paz” a uma região que raramente confia em promessas vindas de fora. Lula, por outro lado, desembarca como quem quer provar que o Brasil ainda pode ser ouvido no concerto das nações — mesmo quando desafina.
Ambos, aos 79 anos, disputam não apenas espaço político, mas também relevância simbólica. Em um mundo que prefere líderes jovens e discursos digitais, Lula e Trump insistem em representar o passado como se fosse futuro.
Populismos espelhados e tarifas cruzadas
O roteiro é quase shakespeariano. Trump impôs sanções a autoridades brasileiras, incluindo o ministro Alexandre de Moraes, a quem acusa de “caça às bruxas” contra Bolsonaro — um velho aliado que hoje amarga 27 anos de prisão. O republicano, fiel à sua retórica de revanche, decidiu transformar a política comercial em instrumento de vingança ideológica. Lula, que se apresenta como defensor do multilateralismo, respondeu com ironia diplomática e uma pitada de orgulho ferido. Mas o tempo, como sempre, amacia as hostilidades — especialmente quando há dólares em jogo.
Foi à margem da ONU, num encontro rápido, que o gelo começou a derreter. Uma conversa cordial entre os dois líderes resultou em um telefonema e, posteriormente, em tratativas para a reunião bilateral na Malásia. Nada mais previsível: Trump adora o palco e Lula não recusa holofotes. Um encontro assim interessa a ambos — ainda que cada um busque algo distinto.
Para Trump, é a chance de projetar poder global num continente onde os Estados Unidos têm perdido terreno para a China. Para Lula, é a oportunidade de negociar o fim das tarifas e recuperar um pouco da imagem de mediador que o consagrou em tempos de glória diplomática. No entanto, o tabuleiro é mais complexo do que parece. Washington enxerga o Brasil com desconfiança desde que Lula aproximou-se de Pequim e Moscou em fóruns alternativos. Trump, imprevisível como sempre, pode tanto sorrir quanto sancionar novamente — tudo depende do humor do momento e do número de câmeras presentes.
A ASEAN, por sua vez, vira apenas o pano de fundo de um duelo de símbolos: o industrialismo protecionista americano versus o desenvolvimentismo intervencionista brasileiro. E no meio disso, tarifas que sufocam exportadores, sanções que travam acordos e uma coreografia diplomática que mais parece uma partida de xadrez jogada com martelos.
Há quem veja na reunião uma chance de reaproximação. Outros, mais cínicos, enxergam uma encenação cuidadosamente roteirizada para as redes sociais e os jornais. O certo é que, mesmo se nada for resolvido, ambos sairão dizendo que venceram.
O planeta, cansado de guerras comerciais e cúpulas performáticas, observa com um misto de tédio e curiosidade. E se há algo que Lula e Trump sabem fazer, é transformar qualquer assunto — até tarifas — em narrativa pessoal.
No fundo, a diplomacia entre ambos é o reflexo de um mundo em que o diálogo virou espetáculo e o poder, uma disputa de narrativa. Trump, o magnata que voltou ao trono, busca reafirmar que o “America First” ainda pulsa. Lula, o sindicalista que virou estadista, quer mostrar que o Brasil pode ser ponte, não pião. Ambos, porém, continuam mais interessados em plateia do que em resultados.
A reunião da ASEAN, ao que tudo indica, será menos sobre comércio e mais sobre imagem. Não se espera um tratado, mas talvez um aperto de mãos com sorrisos congelados — suficiente para as fotos, insuficiente para as economias.

E, ironicamente, talvez seja isso mesmo o espírito do tempo: líderes que se encontram não para resolver o mundo, mas para provar que ainda fazem parte dele. O planeta gira, as tarifas sobem e descem, mas o ego — esse ativo não tarifável — segue em alta.
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